Homilia de 17 de abril, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 17 de 23 de Abril de 2015
Precisamente “neste momento” muitos cristãos “são martirizados pelo nome de Jesus” e suportam os ultrajes com alegria, até à morte. E sempre “por amor de Jesus” há pessoas “que são vítimas de humilhações todos os dias”, talvez “para bem da sua família”. É o caminho justo da “imitação de Jesus” que faz viver “a alegria originada pela humilhação”, afirmou o Papa Francisco. Com a leitura dos Atos dos apóstolos (5, 34-42), proposta pela liturgia do dia, conclui-se a “história da perseguição dos apóstolos que pregavam em nome de Jesus”, da qual Francisco tinha falado também na quinta-feira, dia 16 de abril. “Foram aprisionados, libertados pelo anjo”, recordou o Papa; “depois ensinavam no pórtico de Salomão”, mas “são levados outra vez ao sinédrio”.
A questão, explicou, é que “os doutores da lei não toleravam ouvir o anúncio, o querigma, o anúncio de Jesus Cristo”. Em particular o versículo 33 “diz que os doutores da lei, ao ouvi-los, se enfureciam e queriam matá-los”. Eram tão forte “o ódio e a fúria que sentiam, que queriam matar”. Mas, “naquele momento, talvez quando estavam para os prender e conduzir fora para a lapidação, um fariseu levantou-se no sinédrio”.
E um gesto “importante”, observou o Papa, porque “nem todos os fariseus eram maus”. Com efeito, não devemos pensar neles “como se fossem diabos: não, havia os maus e os muitos bondosos”. E o trecho dos Atos dos apóstolos narra precisamente sobre Gamaliel, “um homem justo: estava no sinédrio, doutor da lei, estimado por todo o povo, ou seja, tinha autoridade”. Portanto, foi “um homem de autoridade moral que deu ordens para que os apóstolos saíssem com esta reflexão: ‘Vimos tantos revolucionários que diziam ser o Messias e depois como acabaram? Sozinhos. Deixemo-los. Se é coisa de homens, resolve-se sozinha. Mas se é de Deus, por favor, que não vos aconteça encontrar-vos a combater até contra Deus’. E assim os demais seguiram o seu parecer”.
É “curioso”, frisou Francisco, que aqueles “homens fechados que tinham a certeza da lei e que não queriam ouvir ninguém que falasse de outro modo, que não sabiam o que era o diálogo e preferiam o monólogo”, no final “aceitaram este conselho” de tomar tempo. Precisamente o tempo “é um grande remédio, porque no tempo há lugar para a esperança”. A ponto que “são Pedro Favre dizia que o tempo é o mensageiro de Deus”.
A sugestão de Gamaliel é válida também para os cristãos de hoje, frisou o Papa: “Quando nós temos ou pensamos alguma coisa contra uma pessoa, e não pedimos conselho, a tensão aumenta e estoura: estoura no insulto, na guerra, em tantas coisas más”. Assim “quando um sentimento fica fechado, cresce, cresce mal e justifica-se porque eles justificavam-se com a lei”. Portanto, “o remédio, a medicina oferecida por Gamaliel é: ‘detende-vos’”. O seu conselho é “dar tempo ao tempo”. Uma advertência que “serve também para nós quando temos maus pensamentos contra os outros, sentimentos negativos, quando temos antipatia, ódio: não os deixar crescer, parar, dar tempo ao tempo”.
Com efeito o tempo, explicou o Papa, “harmoniza as situações e mostra-nos o que é justo”. Mas “se tu reages no momento da fúria, certamente serás injusto”. E ser “injusto fará mal também a ti”. Por isso, reafirmou o Pontífice, Gamaliel dá uma ótima sugestão em relação “ao tempo no momento da tentação”. Este é também “o conselho sábio de santa Teresa do Menino Jesus: evitar a tentação, ou seja dar tempo ao tempo, distanciar-se, não a deixar crescer dentro, que se justifique e cresça” até se desencadear “no ódio, nas inimizades”. E isto acontece também nas famílias, recordou o pontífice.
No sinédrio que julga os apóstolos “este ódio é impedido por um sábio conselho e admoestação: ‘que não vos aconteça combater até contra Deus’”. Gamaliel faz-nos compreender que “quando temos estes sentimentos maus contra os outros lutamos contra Deus, porque Deus ama o próximo, ama a harmonia, ama o amor, ama o diálogo, ama caminhar junto”. E, portanto, este é “um bom conselho”.
Eu — disse Francisco — digo-lhes com toda a franqueza: também a mim acontece quando não gosto de uma coisa. O primeiro sentimento não é de Deus, é mau, sempre. Vi isto em mim mesmo. Detende-lhes, detenhamo-nos!”. Para dar “espaço ao Espírito Santo, para que nos cure lentamente e nos faça chegar ao justo, à paz”.
Retomando o trecho dos Atos, o Papa observou outro aspecto significativo. Os membros do sinédrio seguiram o parecer de Gamaliel, mas, “tendo chamado os apóstolos, mandaram-nos flagelar” antes de pronunciar palavra alguma. Sentiam tanto ódio que tinham que fazer algo contra eles. Depois ordenaram que os “apóstolos não falassem no nome de Jesus”. Portanto “pararam, mas até a um certo ponto: a malvadade destas pessoas era grande”. Por isso só depois da flagelação e da ordem de não falar em nome de Jesus “os mandaram em liberdade”. Mas “que fizeram os apóstolos? Repreenderam-nos? Disseram-lhes: vós sois malvados, ireis para o inferno? Não”. Os Atos, recordou o bispo de Roma, dizem-nos que os apóstolos “foram embora do sinédrio, felizes por terem sido julgados dignos de suportar ultrajes em nome de Jesus”: ou seja, “a humilhação”.
E assim “o orgulho dos primeiros leva a querer matar os outros; a humildade, até a humilhação, faz com que se assemelhes a Jesus: e esta é uma coisa que nós pensamos”. Imediatamente o Papa recordou “os tantos irmãos e irmãs martirizados pelo nome de Jesus”, até “neste momento”. E “eles estão neste estado, têm neste momento a alegria de ter sofrido ultrajes, até a morte, pelo nome de Jesus”.
De resto, afirmou Francisco, “para evitar o orgulho dos primeiros há apenas o caminho de abrir o coração à humildade, e nunca se chega à humildade sem humilhação: isto naturalmente não se entende”. É antes “uma graça que devemos pedir: Senhor, que quando vier a humilhação eu sinta que estou atrás de ti, pelo teu caminho, que te humilhaste”.
Trata-se da graça da “imitação de Jesus”, que diz respeito, acrescentou o Papa, “não só àqueles mártires dos quais falei agora, mas também aos homens e mulheres que sofrem humilhações todos os dias e pelo bem da própria família, pelo bem das coisas, não dizem nada, não falam, suportando por amor de Jesus. E são tantos”. Esta “é a santidade da Igreja: esta alegria que a humilhação dá não porque seja boa, não: isso seria masoquismo”; mas “porque com aquela humilhação imita Jesus”.
Eis então as “duas atitudes” em confronto. Por um lado “a do fechamento que lhe leva ao ódio, à ira, a querer matar o próximo”. Pelo outro “a da abertura a Deus pelo caminho de Jesus, que lhe faz suportar as humilhações, até grandes, com esta alegria interior, porque tem a certeza de estar no caminho de Jesus”.
Antes de prosseguir a missa, “celebração do mistério de Jesus, este mistério de morte, humilhação e glória de Jesus”, o Papa convidou a rezar precisamente para pedir “a graça da paciência: aquela paciência que Jesus teve para ouvir todos” e para “ser aberto a todos, e também sofrer as humilhações por amor de todos”.
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