Homilia de 30 de abril, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 19 de 7 de maio de 2015
O cristão não caminha sozinho: está inserido num povo, numa história secular, chamado a pôr-se ao serviço do próximo. “Memória” e “serviço” foram as palavras-chave da reflexão do Papa. A história — a memória que temos dela — e o serviço são os “dois traços da identidade do cristão” sobre os quais nos faz meditar “a liturgia de hoje”.
Na leitura (Act 13, 13-25) lê-se que Paulo, chegando a Antioquia, “como geralmente fazia, no sábado foi à sinagoga” onde “o convidaram a falar”. Tratava-se de “um hábito dos judeus daquele tempo” quando chegava um hóspede. Assim, Paulo “começou a anunciar Jesus Cristo”. Mas não disse: ‘Anuncio Jesus Cristo Salvador; Ele veio do Céu; foi Deus quem o enviou; salvou-nos todos, revelando-se a nós’. Não!“. Para explicar quem é Jesus, o apóstolo “começa a narrar a história do povo”. Na Escritura lê-se: “Paulo levantou-se e disse: ‘Ouvi, o Deus do povo de Israel escolheu os nossos pais...’”. E, a partir de Abraão, Paulo “narrou a história inteira”.
Não se trata de uma escolha casual. Na sua reflexão, Francisco recordou que também agiram assim “Pedro nos seus discursos, depois do Pentecostes”, e “Estêvão diante do Sinédrio”: eles “não anunciaram um Jesus sem história”, mas “Jesus na história de um povo que Deus fez caminhar por séculos para chegar à maturidade, à plenitude dos tempos”. Desta narração entende-se que “quando o povo chega à plenitude dos tempos vem o Salvador, e o povo continua a caminhar porque Ele voltará”. Eis uma das características da identidade cristã: “ser homem e mulher de história, entender que a história não começa nem acaba comigo”. Tudo começou quando o Senhor entrou na história.
Depois, o Pontífice recordou o salmo “tão bonito” do início da missa: “Senhor, quando avançavas com o teu povo, lhe abrias o caminho e habitavas com ele, a terra tremeu, os Céus clamaram, ó Admirável!”. Assim, “o cristão é homem e mulher de história, porque não se pertence a si mesmo mas está inserido num povo que caminha”. Por isso, é impossível pensar num “egoísmo cristão”. Não existe um cristão perfeito, “um homem, uma mulher espiritual de laboratório”, mas sempre um homem, uma mulher espiritual, inseridos “num povo, com uma longa história, que continua a caminhar até à volta do Senhor”.
Diante desta vicissitude concreta ao longo dos séculos, que ainda hoje continua, o Pontífice acrescentou que se reconhecermos “que somos homens e mulheres de história”, entenderemos que esta é a “história da graça de Deus”, mas também “de pecado”. E recordou: “Quantos pecadores, crimes...”. Por exemplo, nos Atos “Paulo menciona o rei David, um santo”, mas que “antes foi um grande pecador”. E isto é válido “também hoje” quando a “história pessoal de cada um” deve assumir “o seu pecado e a graça do Senhor em nós”. Deus acompanha-nos no pecado “para perdoar”. Trata-se de uma realidade muito concreta ao longo dos séculos: “Nós não vivemos sem raízes”; temos “raízes profundas” que nunca devemos esquecer e que vão “desde o nosso pai Abraão até hoje”.
É preciso entender que não estamos sós, mas vivemos intimamente ligados a um povo que caminha há séculos; isto significa entender também outra característica do cristão, “que Jesus nos ensina no Evangelho: o serviço”. No trecho de João, “Jesus lava os pés aos discípulos e depois diz-lhes: ‘Em verdade, em verdade vos digo: o servo não é maior do que o seu Senhor, nem o enviado é maior daquele que o enviou. Se compreenderdes estas coisas, sereis felizes, contanto que as pratiqueis. Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós. Vim como servo, e vós deveis tornar-vos servos uns dos outros, servir’”.
Parece claro que “a identidade cristã é o serviço, não o egoísmo”. Alguém poderia insistir: “Padre, somos todos egoístas”, mas isto “é pecado, é um hábito do qual devemos livrar-nos”; então, devemos “pedir perdão, para que o Senhor nos converta”. Ser cristão “não é aparência, conduta social, nem maquilhar a alma para ser mais bonita”. Ser cristão “é fazer o que Jesus fez: servir. Ele veio não para ser servido, mas para servir”.
Depois, o Pontífice deu sugestões para a vida diária de cada um. Primeiro, “pensai em duas coisas: tenho o sentido da história? Sinto-me parte de um povo que vem de longe?”. Seria útil “pegar na Bíblia (Dt 16) e lê-la”. Ali encontra-se “a memória dos justos” e “como quer o Senhor que tenhamos memória”, que nos recordemos do caminho percorrido pelo nosso povo”. Além disso, será bom pensarmos: “No meu coração, o que mais faço? Deixo-me servir pelos outros, sirvo-me do próximo, da comunidade, da paróquia, da minha família, dos meus amigos, ou então sirvo, ponho-me ao serviço”?
“Memória e serviço” são as duas atitudes do cristão, com as quais participamos na Eucaristia, “que é memória do serviço prestado por Jesus; memória real, com Ele, do serviço que nos prestou: dar a sua vida por nós”.
© Copyright - Libreria Editrice Vaticana
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón