Homilia de 15 de junho, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 25 de 18 de junho de 2015
Compreender os tempos de Deus, ter o coração livre das paixões negativas, para acolher o dom da graça e não ser, ao contrário, arrastado pelo “barulho” da mundanidade. Foi um convite a preservar o próprio coração para se dar conta da passagem de Deus, que o Papa Francisco dirigiu.
“Na semana passada — recordou no início da homilia — refletimos sobre o conselho de Paulo e a nossa atitude cristã. E também sobre o que Jesus aconselha aos seus discípulos: dar de graça o que gratuitamente receberam”. Trata-se, explicou, da “gratuidade do dom de Deus, da salvação, da revelação de Jesus como Salvador”. E “este é um dom que Deus deu e continua a dar, todos os dias”.
Hoje, realçou o Papa, Paulo volta a este tema e na segunda carta aos Coríntios (6, 1-10) escreve: “Exortamos-vos a que não recebais a graça de Deus em vão. Eis ‘a gratuidade de Deus’”. Em seguida, insistiu Francisco, não se deve “acolhê-la em vão” mas “acolhê-la bem, com o coração aberto”. Acrescenta Paulo: “Com efeito, Deus diz: no momento favorável te satisfiz e no dia da salvação te socorri. Eis agora o momento favorável, eis o dia da salvação!”.
“O Senhor ouviu-nos e ofereceu-nos o dom, gratuitamente”, afirmou o Pontífice reiterando as palavras do apóstolo: “Eis agora o momento favorável”. Portanto, prosseguiu, “Paulo aconselha-nos a não deixarmos passar o momento favorável, ou seja, o momento em que o Senhor nos dá esta graça, nos dá a gratuidade, a não esquecer isto: que no-la ofereceu e oferece agora”.
Com efeito, explicou Francisco, “em todos os tempos o Senhor nos dá de novo a graça, nos oferece este gesto, este dom: o dom que é gratuito. Assim Paulo exorta a ‘não acolher em vão’ a graça de Deus, ‘porque se a acolhermos em vão, seremos motivo de escândalo’”. De fato, escreve o apóstolo: “A ninguém demos qualquer motivo de escândalo”. É justamente “o escândalo do cristão que se considera cristão, que vai à igreja, vai aos domingos à missa, mas não vive como cristão: vive como mundano ou como pagão”. E “quando uma pessoa é assim, escandaliza”. Aliás, disse o Papa, “quantas vezes ouvimos nos nossos bairros, nas lojas: ‘Olha aquele ou aquela, todos os domingos vai à missa e depois faz isto, isso, aquilo... ’”. E assim “as pessoas escandalizam-se”. Exatamente a isto se refere Paulo quando exorta a “não acolher em vão” a graça de Deus.
Mas então, “como devemos acolher” a graça? Em primeiro lugar, explicou Francisco citando ainda Paulo, com a consciência de que “é o momento favorável”. Na prática “devemos estar atentos para compreender o tempo de Deus, quando Deus passa pelo nosso coração”.
A este propósito, santo Agostinho dizia uma bonita palavra: “Eu tenho medo quando passa o Senhor” — “Mas por que tens medo se o Senhor é bom?” — “Não. Tenho medo de não o acolher, de não compreender que o Senhor está passando nesta provação, nesta palavra que escutei, que me comoveu o coração, neste exemplo de santidade, muitas coisas, nesta tragédia”. Portanto, reafirmou o Papa, “o Senhor passa e oferece-nos o dom”. Mas é importante “preservar o coração para estarmos atentos a este dom de Deus”.
E “como se preserva o coração?” questionou-se ainda Francisco. “Preserva-se — explicou — afastando qualquer barulho que não provém do Senhor, afastando muitas coisas que nos tiram a paz”. E “quando se afastam estas coisas, estas nossas paixões, o coração está preparado para compreender o Senhor que passa e para receber a Ele e à graça”.
Logo, é importante “preservar o coração, preservar o coração das nossas paixões”. E “as nossas paixões são numerosas”. Mas “Jesus também no Evangelho nos fala das nossas paixões”. Francisco, em particular, repetiu as palavras de Mateus no trecho evangélico proposto pela liturgia (5, 38-42): “Tendes ouvido o que foi dito: olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém te citar em justiça para te tirar a túnica, cede-lhe também a capa. Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil”.
Trata-se, reiterou o Papa, de “estar livre das paixões e de ter um coração humilde, um coração manso”. E “o coração é preservado pela humildade, mansidão, nunca pelas lutas, pelas guerras”. Ao contrário, prosseguiu, “este é o barulho: barulho mundano, barulho pagão ou barulho do diabo”. Mas o coração deve estar “em paz”.
Por esta razão, continuou o Papa Francisco retomando as palavras de Paulo aos Coríntios, é importante “não dar motivo de escândalo a ninguém para que não seja criticado o nosso ministério”. E acrescentou: “Paulo fala do ministério, mas também do testemunho cristão, para que não seja criticado; e isso na paz e humildade, ‘nas tribulações, nas necessidades, nas angústias, nas agressões, nas prisões, nos tumultos, nas fadigas, nas vigílias, no jejum’”.
“São coisas negativas”, comentou Francisco. E justamente a partir de tudo isto “eu devo preservar o meu coração para acolher a gratuidade e o dom de Deus”. Mas “como o faço?”, perguntou-se. A resposta encontra-se mais uma vez nas palavras de Paulo: “Com pureza, sabedoria, magnanimidade, benevolência e espírito de santidade”. Em síntese, espaço à “humildade, à benevolência, à paciência que só olha para Deus e tem o coração aberto ao Senhor que passa”.
Antes de continuar a celebração da missa, o Pontífice pediu ao Senhor para não acolher em vão a graça de Deus, para não acolher em vão a gratuidade de Deus e, por isso, aprender a preservar o coração. E convidou sobretudo a “pedir a Nossa Senhora a graça da mansidão, da humildade, da bondade que tanto preservam o nosso coração, para não deixar passar o Senhor, para não acolher em vão o dom, a graça que o Senhor nos dá”.
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