Homilia de 10 de setembro, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 37 de 10 de setembro de 2015
“Palavras, palavras, palavras”, cantava Mina numa célebre canção. E também o Papa repetiu aquele refrão evocando o essencial do “estilo cristão”. Que, sem muito palavreado e palavras bonitas, deve girar em torno do binômio “paz e misericórdia”, e portanto em volta do perdão e da capacidade de nos suportarmos uns aos outros. Francisco recordou também as grandes guerras que se combatem, com a vergonha do comércio das armas, e os pequenos conflitos que dilaceram famílias, postos de trabalho e até as comunidades cristãs.
“Há alguns dias — recordou em primeiro lugar o Papa — a liturgia falava-nos do trabalho que fez Jesus Cristo, o Senhor: trabalho de pacificação e de reconciliação”. E, acrescentou, “anteontem, na comemoração litúrgica do nascimento de Nossa Senhora, pedimos a graça da paz e da reconciliação”.
“Paz e reconciliação”, portanto, foi o que “fez Jesus: ele fez a paz”. Justamente “por esta razão, é chamado o príncipe da paz”. O profeta Miqueias diz a este propósito: “E ele será a paz”, aquele “que traz a luz, que faz a paz”. Também “nos nossos corações, nas nossas almas”, especificou Francisco. “E como fez Ele a paz? Dando a sua vida como uma oferta, uma oração para o perdão de todos”.
“Questiono-me — prosseguiu o Papa — se nós agradecemos o suficiente este dom da paz que recebemos em Jesus”. Porque “a paz foi feita, mas não aceite”. E assim, realçou, “ainda, todos os dias, nos noticiários, nos jornais, vemos que há guerras, destruições, ódio, inimizade. E aquela inimizade que o Senhor disse à serpente depois do pecado, existe!”.
Aliás, recordou, “há também homens e mulheres que trabalham tanto — mas mesmo tanto! — para fabricar armas que matam, armas que acabam por se manchar com o sangue de muitos inocentes, de muita gente”. Há “guerras e a maldade de preparar a guerra, de construir armas contra os outros, para matar”.
Os termos da questão são claros: “A paz salva, a paz lhe faz viver, crescer; a guerra o aniquila, arrasta para baixo”. É fácil ouvir pessoas que dizem: “Padre, foi terrível o que aconteceu ali!”. Mas certas situações, recordou Francisco, não se verificam só longe de nós: “A guerra existe também nas nossas comunidades cristãs, entre nós”. E, como resposta, o Papa relançou “o conselho que hoje nos dá a liturgia: ‘perdoai-vos uns aos outros’“, referindo-se ao trecho da carta aos Colossenses (3, 12-17).
Por conseguinte, disse, “são duas as palavras-chave”. A primeira, “é o perdão: se não aprendermos a perdoar-nos, estaremos sempre em guerra”. Daqui o convite de Paulo: “Assim como o Senhor vos perdoou, perdoai-vos também vós”. Mas “se tu não souberes perdoar — acrescentou ainda Francisco — não és cristão, porque não fazes o que fez o Senhor”. Mais ainda: “Se tu não perdoares, não podes receber a paz do Senhor, o perdão do Senhor”.
O Pontífice recordou que “cada dia, quando rezamos o Pai-Nosso, dizemos: perdoai-nos, assim como nós perdoamos. E é — explicou — um condicional: procuremos convencer Deus que seja bom, como nós somos bons perdoando: ao contrário”. A este propósito, o Papa comentou: “Palavras, não? Como se cantava naquela bonita canção “Palavras, palavras, palavras”, não é? Penso que a canta Mina... Parole!”.
Este é, em síntese, o caminho certo: “Perdoai-vos! Como o Senhor vos perdoou, assim fazei vós! Perdoai-vos uns aos outros! E para nos perdoarmos, dou-vos um bom conselho: suportando uns aos outros em família, no bairro, no trabalho... Suportando uns aos outros”. Sem bisbilhotar: “Aquele ali fez isso...”. É necessário “tolerar, porque também aquele me suporta”. Numa palavra, serve a “paciência cristã”.
Quantas mulheres heroicas — prosseguiu Francisco — existem no nosso povo que suportam para o bem da família, dos filhos, muitas brutalidades, injustiças: suportam e vão em frente com a família”. E ainda: “Quantos homens heroicos há no nosso povo cristão que suportam levantar-se de manhã cedo para ir trabalhar — muitas vezes um trabalho injusto, mal retribuído — para regressar numa hora tardia da noite, para manter a esposa e os filhos”; “são estes os justos”.
Mas, afirmou o Papa, “quantos outros existem que, em vez de fazer o que devem, fazem trabalhar a língua e fazem a guerra”. Com efeito, frisou, “o mesmo dano que faz uma bomba numa família, numa pequena aldeia, num bairro, num posto de trabalho”, porque “a língua destrói, faz a guerra”. Isto, especificou — não sou eu que o digo, mas o apóstolo Tiago”. Portanto, eis reproposto o conselho prático de são Paulo: “Assim como o Senhor vos perdoou, perdoai-vos também vós: suportai-vos, perdoai-vos uns aos outros”.
“Há outra palavra — explicou o Pontífice — proferida por Jesus no Evangelho, porque se repete o mesmo tema: misericórdia”. No trecho de Lucas (6, 27-38) o Senhor diz: “Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso”. O convite é a “compreender os outros, não a condená-los: o Senhor, o Pai é muito misericordioso, sempre nos perdoa e quer fazer a paz conosco”. Mas, perguntou Francisco, “se você não for misericordioso, como poderá o Senhor ser misericordioso contigo, porque seremos julgados com a mesma medida com a qual julgamos os outros?”.
Portanto, afirmou, “se você é um sacerdote e não tem vontade de ser misericordioso, diz ao seu bispo para que lhe dê um trabalho administrativo, mas não vá ao confessionário, por favor!”. Porque “um sacerdote que não é misericordioso faz tão mal no confessionário: maltrata as pessoas!”. Talvez, alguém possa justificar-se dizendo: “Não, padre, eu sou misericordioso, mas sou um pouco nervoso...”. Esta foi a resposta do Papa: “É verdade, antes de ir ao confessionário vai ao médico para que te dê um remédio contra os nervos! Mas seja misericordioso!”.
E devemos ser “misericordiosos também entre nós”. Em vez de nos lamentarmos — “mas aquele fez isto...” — é necessário perguntar-se: “E eu o que fiz?”. Aliás, quem pode dizer “aquele é mais pecador do que eu? Ninguém pode dizer isto. Só o Senhor sabe”. Todos nós, continuou o Papa, “podemos dizer: ‘sou pecador e preciso de misericórdia e de perdão. E por isso suporto os outros, perdoo os outros e sou misericordioso com os outro’”“. E “quando a alma é assim, o estilo cristão é aquele que Paulo ensina aos seus: ‘Revesti-vos de sentimentos de ternura, bondade, humildade, mansidão, generosidade’“, como se lê na carta aos Colossenses.
Por conseguinte, é justamente este “o estilo cristão: não é a soberba, não é a condenação, não é falar mal dos outros”. O estilo cristão é “ternura, bondade, humildade, mansidão, generosidade”. E, em definitivo, “o estilo de Jesus, o estilo com o qual Jesus fez a paz e a reconciliação, até ao fim”. A ponto que, “no final, no último suspiro de vida, conseguiu ouvir aquele ladrão que dizia; ‘Sim, sim, sim, vem comigo, querido, hoje estarás comigo no Paraíso’“.
Francisco concluiu a sua meditação com uma oração: “Que o Senhor conceda a todos nós a graça de nos suportarmos uns aos outros, de perdoarmos, de sermos misericordiosos, como o Senhor é misericordioso conosco; e de ter este estilo cristão de ternura, bondade, humildade, mansidão, generosidade”.
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