Homilia de 06 de outubro, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 41 de 08 de outubro de 2015
Não compreender nem aceitar a misericórdia de Deus é o risco contra o qual alertou Francisco, exortando a não manter a teimosia nem a rigidez de considerar mais importantes a pregação, os pensamentos e “toda aquela lista de mandamentos que devo observar”. O Papa dirigiu um convite a obedecer à vontade de Deus, deixando agir a sua misericórdia e sem a desafiar.
“Há alguns dias, na festa dos anjos da guarda, refletimos sobre a docilidade a Deus e ao Espírito Santo, como caminho de santidade e de vida cristã”, recordou Francisco no início da homilia. Depois, prosseguiu, “nestes três dias — ontem, hoje e amanhã — a liturgia faz-nos meditar sobre o contrário, isto é, a resistência à vontade de Deus: não fazer o que Deus quer, não ser dócil”.
O personagem “que faz resistência é o profeta Jonas”, disse o Pontífice, frisando que ele “era um teimoso”. As leituras bíblicas foram tiradas exatamente do livro que tem o seu nome. Jonas, explicou o Papa, “tinha as suas ideias, ideias próprias, e não havia quem as fizesse mudar, nem sequer Deus!”. Na “liturgia de ontem ouvimos quando o Senhor o mandou a Nínive a pregar para a conversão da cidade, e ele foi para o lado oposto, rumo à Espanha”. Então “houve o naufrágio e toda a história que conhecemos” (1, 1-2, 1.11).
“Depois daquela experiência”, afirmou o Pontífice relendo o trecho bíblico (3, 1-10), Jonas “aprendeu que deve obedecer ao Senhor: ‘Levanta-te, vai a Nínive, a grande cidade’ “. Jonas “obedece, vai e prega muito bem: a graça de Deus é tanta nele que a cidade se converte, faz penitência, muda de vida”. De fato, “realiza o milagre, porque neste caso ele deixou de lado a sua teimosia e obedeceu à vontade de Deus, fez o que o Senhor lhe tinha dito”.
“No terceiro capítulo, que a liturgia nos proporá amanhã” (4, 1-11) prosseguiu o Papa, “Nínive converte-se e diante desta conversão Jonas, o homem não dócil ao Espírito de Deus, irrita-se”. A Escritura diz justamente que “Jonas sentiu grande desgosto e ficou indignado”, chegando até a repreender o Senhor: “Não era porventura isto que eu dizia quando ainda estava na minha terra? Foi por isso que, precavendo-me me apressei a fugir para Társis, porque sabia que sois um Deus misericordioso e clemente, paciente, cheio de bondade e pronto a renunciar aos vossos castigos”.
Portanto, resumiu Francisco, “o primeiro capítulo é a resistência à missão que o Senhor lhe confia: ‘Vai e prega, para que se convertam’. E ele resiste”. Depois “o segundo capítulo é a obediência, e quando obedecemos realizam-se milagres”. Eis então, a obediência de Jonas à vontade de Deus e a conversão de Nínive.
Por fim, “o terceiro capítulo: a resistência à misericórdia de Deus”. Jonas dirige-se ao Senhor, para dizer: “Realizei o meu trabalho de pregar, pratiquei bem o meu ofício, e tu perdoas-lhes?”. No seu coração, frisou Francisco, há “aquela dureza que não deixa entrar a misericórdia de Deus: é mais importante a minha pregação, são mais importantes os meus pensamentos, é mais importante toda a lista de mandamentos que devo observar — tudo, tudo, tudo — do que a misericórdia de Deus”.
E “o mesmo drama — afirmou o Pontífice — foi vivido também por Jesus com os doutores da lei que não entendiam porque ele não deixou que lapidassem a mulher adúltera” e porque “ia comer com os publicanos e com os pecadores”. A questão é que “não entendiam a misericórdia”. E assim Jonas diz: “sois misericordioso e clemente”, mas “não aceita”.
O salmo 129 “que hoje rezamos — disse Francisco — sugere que esperemos o Senhor ‘porque com o Senhor está a misericórdia, e é grande com ele a redenção’”. Logo, afirmou o Papa, “onde está o Senhor, está a misericórdia”. E “santo Ambrósio acrescentava: ‘onde está a rigidez estão os seus ministros’“, referindo-se à “teimosia que desafia a missão, que desafia a misericórdia”.
“Próximos do início do ano da misericórdia — exortou o Pontífice antes de retomar a celebração — rezemos ao Senhor para que nos faça entender como é o seu coração, o que significa ‘misericórdia’, o que quer dizer quando ele fala: ‘quero misericórdia e não sacrifício’“. E “por isso — concluiu — na oração da coleta da missa rezemos muito com aquela frase tão bonita: ‘Efunde sobre nós a tua misericórdia’, porque só compreendemos a misericórdia de Deus quando ela se derramou sobre nós, sobre os nossos pecados, sobre as nossas misérias”.
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