Homilia de 09 de outubro, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 42 de 15 de outubro de 2015
Contra o risco de “anestesiar a consciência” são necessários discernimento e vigilância, recomendou o Papa Francisco.
A referência foi ao trecho de Lucas 11, 15-26, no qual o evangelista “une muitas coisas que talvez Jesus tenha dito” em vários momentos e depois “descreve a resposta que ele dá a quantos o acusavam de afastar os demônios com o poder do chefe dos demônios”. Ao descrever o contexto no qual a cena se desenrola, o Pontífice recordou que “Jesus estava entre as pessoas, praticava o bem, pregava, o povo ouvia e dizia que ele falava com autoridade”. Mas havia também, observou, “outro grupo de pessoas, que não gostava dele e procurava sempre interpretar” as suas palavras e atitudes de maneira diversa, contra ele. Os motivos? O Papa mencionou diversos: “alguns por inveja, outros por rigidez doutrinal, outros porque receavam que os romanos viessem e fizessem massacres”.
Em síntese, “por vários motivos”, procurava-se “afastar a autoridade de Jesus do povo”, recorrendo até “à calúnia, como neste caso” específico. Retomando as palavras do Evangelho o Pontífice repetiu: “Ele afasta os demônios por meio de Belzebu. É um endemoninhado. Faz magia, é um bruxo. E punham-no continuamente à prova”. Em síntese “armavam-lhe ciladas para ver se caía”.
Eis então a chamada ao primeiro dos dois temas, o discernimento. Atualizando como de costume o episódio, Francisco frisou que é isto que “o espírito mau faz” também “conosco”. Ou seja: “procura sempre enganar, guiar-nos, fazer-nos escolher um caminho errado”. E por isso “é necessário o discernimento”. De resto, “se faziam estas coisas a Jesus, se o espírito malvado fazia estas coisas a Jesus, o que não fará conosco?”, questionou-se o Papa, acrescentando à pergunta a exortação a “saber discernir as situações: isto é de Deus e isto não é de Deus; isto vem do Espírito Santo e isto do maligno”.
Logo, para Francisco “a primeira palavra que surge ao ouvir este trecho do Evangelho é discernimento. O cristão não pode estar tranquilo, pensar que tudo corre bem. Deve discernir as coisas e ver bem de onde provém, qual é a sua raiz”, perguntando-se continuamente: “De onde vem isto? Onde está a origem disto? Desta opinião, destes fenômenos, destas coisas?”.
Além disso, parece que Jesus dá “um conselho, e esta é a segunda palavra: vigilância”. Mais uma vez o Papa repetiu um episódio do trecho de Lucas. “Quando — disse — um homem forte, bem armado está de guarda ao seu palácio, aquilo que possui está seguro, mas se chegar um mais forte do que ele e o vencer, tira-lhe as armas nas quais ele confiava e divide o espólio”. Portanto, “vigilância, porque o inimigo pode chegar” explicou o Pontífice, acrescentando que “este inimigo não é muito perigoso, porque se descobre imediatamente e podemos defender-nos. Mas o outro, o outro é muito perigoso”. Com efeito, Jesus prossegue: “Quando o espírito impuro sai do homem — quando é expulso — vagueia por lugares desertos procurando alívio e não o encontra diz: ‘Voltarei para a minha casa da qual saí’“. Isto para dizer, frisou Francisco, que “as tentações voltam sempre, o espírito malvado nunca se cansa. Foi expulso: tem paciência, espera para voltar. Regressando à casa, encontra-a limpa e adornada, e se satisfaz. Então vai, toma consigo outros sete espíritos piores do que ele, e entram nela para a habitar. E a última condição daquele homem torna-se pior que a anterior”.
Mas “pior, por quê?”, perguntou o Papa. “Porque — foi a resposta — na primeira estava ciente do mau espírito que tinha dentro, que era o demônio, que atormentava, que comandava”. Mas, fez notar, “no segundo caso o maligno está escondido, vem com os seus amigos muito educados, bate à porta, pede licença, entra e convive com aquele homem, na sua vida diária e, gota após gota, dita as instruções”. E assim “aquele homem acaba destruído por este modo educado que o demônio tem, que o diabo tem de convencer, de fazer as coisas com relativismo: ‘Mas, não é... mas não é por muito tempo... não, tranquilo, fica tranquilo’“.
Eis porque a advertência contra o “grande mal” de “tranquilizar a consciência” anestesiando-a. “Quando o espírito mau consegue anestesiar a consciência — foi a admoestação do Papa — pode-se falar de uma sua verdadeira vitória: torna-se o dono daquela consciência”. E não serve muito, explicou Francisco, dizer como fazem alguns: “Isto acontece em toda a parte! Todos temos problemas, todos somos pecadores!”. Porque naquele “’todos’ está o ‘ninguém’. Todos mas eu não”. E deste modo acaba-se por viver “esta mundanidade que é filha do espírito mau”.
Então para exercer a vigilância, concluiu o Pontífice, “a Igreja aconselha-nos sempre a prática do exame de consciência: o que aconteceu hoje no meu coração, hoje, por isto? Veio até mim este demônio educado com os seus amigos?”. E o mesmo é válido para o discernimento: “De onde vêm os comentários, as palavras, os ensinamentos? Quem diz isto?”. Em resumo, é necessário pedir ao Senhor a dúplice graça do discernimento e da vigilância “para não deixar entrar aquele que engana, que seduz, que fascina”.
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