Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 05 de 04 de Fevereiro de 2016
Não há humildade e nem santidade que não passe através do caminho da humilhação: foi esta a verdade que Francisco frisou, evocando a história de Davi. "Na primeira leitura prossegue-se com a história do rei Davi, o santo rei Davi", observou imediatamente o Papa, referindo-se ao trecho tirado do segundo livro de Samuel (15, 13-14, 30; 16, 5-13). É uma história, explicou, "que começou quando Samuel foi a casa de seu pai e Davi foi ungido rei", embora fosse ainda rapazinho. Depois "cresceu, teve as suas dificuldades, mas sempre foi um homem respeitador do rei que não o amava". Com efeito, o soberano "sabia que ele teria sido o seu sucessor". E "por fim Davi conseguiu unificar o reino de Israel: todos juntos com ele". Porém, "sentiu-se seguro e o zelo pela casa do Senhor começou a enfraquecer-se".
Precisamente "naquele tempo — ouvimos há dias — Davi estava prestes a entrar na corrupção", continuou Francisco. Assim, "o santo rei Davi, pecador mas santo, torna-se corrupto". Mas eis que "o profeta Natã, enviado por Deus", lhe faz "compreender que coisa negativa tinha feito, que coisa má: porque um corrupto não se dá conta. É necessária uma graça especial para mudar o coração de um corrupto". Portanto, "Davi, que ainda tinha o coração nobre", reconhece que pecou, "reconhece a sua culpa". E o que diz Natã? Eis as suas palavras: "O Senhor perdoa o teu pecado, mas a corrupção que semeaste crescerá. Tu mataste um inocente para encobrir um adultério. A espada nunca se afastará da tua casa". Por conseguinte, explicou o Papa, "Deus perdoa o pecado, Davi converte-se mas as feridas de uma corrupção dificilmente saram. Vemos isso em tantas partes do mundo".
Foi a este ponto da história de Davi, afirmou Francisco, que "chegamos ao trecho de hoje: o filho de Davi faz guerra contra o pai. Quer o poder: o filho é já corrupto". Mas "o que faz Davi? Com aquela nobreza que, depois do pecado, reconquistou — também a penitência que fez para salvar o filho que morreu, o filho do adultério — reúne os seus: 'Levantai-vos, e fujamos da cidade, para que não se apresse Absalão — o filho – e nos alcance, e lance sobre nós algum mal, e fira a cidade a fio de espada', como era hábito naqueles tempos".
"Deus infligiu a Davi um duro castigo: 'A espada nunca se afastará da tua casa', recordou o Pontífice. Mas "ele defende a casa e foge, vai embora". É porventura "um covarde? Não, é um pai". E "deixa a arca voltar", não "usa Deus, para se defender". Em síntese, Davi "vai embora para salvar o seu povo: esta é a estrada da santidade de Davi, depois daquele momento em que entrara na corrupção, começa a agir".
O trecho bíblico, prosseguiu o Papa, apresenta-nos Davi enquanto, chorando, sobe o monte das Oliveiras. Tinha "a cabeça coberta", em sinal de luto, e caminhava descalço. Fazia penitência. Também "toda a gente que estava com ele, os mais íntimos, tinha a cabeça coberta e subindo choravam: o pranto e a penitência". A Escritura faz-nos pensar também que "alguns, que não o amavam, começaram a segui-lo e a insultá-lo". Entre estes, estava Simei, que lhe chama "sanguinário" recordando-lhe "o crime que tinha feito contra Urias o Hitita para cobrir o adultério".
Abisai, uma das pessoas mais próximas de Davi, "quer defendê-lo" e gostaria de cortar a cabeça de Simei para o silenciar. Mas Davi dá "mais um passo: 'Se este homem me amaldiçoar é porque o Senhor lhe ordenou: amaldiçoa Davi!'”. E "depois diz aos servos: 'Eis, o filho que saiu das minhas vísceras tenta tirar-me a vida'”. Pensa no seu filho Absalão. E por isso dirige-se aos seus servos: "Quanto mais este benjamita, deixai que amaldiçoe, porque foi o Senhor quem ordenou a ele".
A questão, explicou Francisco, é que "Davi sabe ver os sinais: é o momento da sua humilhação, é o momento no qual ele está a pagar a sua culpa". A ponto que diz: "Talvez o Senhor olhe para a minha aflição e me dê o bem em troca da maldição de hoje". Resumindo "confia-se nas mãos do Senhor: este é o percurso de Davi, do momento da corrupção a esta entrega nas mãos do Senhor. E esta é a santidade. Esta é a humildade".
"Eu penso — prosseguiu o Papa — que cada um de nós, se alguém nos disser algo de mau", reage dizendo. "Mas não, eu não fiz isto, isto não é verdade, não!". Concretamente, nós "procuramos imediatamente dizer que não é verdade". Ou "fazemos como Simei: damos uma resposta ainda pior". Mas "a humildade — afirmou Francisco — só pode chegar a um coração através das humilhações: não há humildade sem humilhação". E "se tu não fores capaz de carregar algumas humilhações na tua vida, não és humilde. É assim: eu diria tão matemático, tão simples!".
Portanto, reafirmou o Papa, "a única estrada para a humildade é a humilhação". Consequentemente, "o objetivo de Davi, que é a santidade, realiza-se através da humilhação". Também "a finalidade da santidade que Deus oferece aos seus filhos, doa à Igreja, realiza-se através da humilhação do seu Filho que se deixa insultar, que se deixa levar para a cruz, injustamente". E "este filho de Deus que se humilha é o caminho da santidade: Davi, com a sua atitude, profetiza esta humilhação de Jesus".
Antes de retomar a celebração eucarística, Francisco pediu "ao Senhor, para cada um de nós, para toda a Igreja, a graça da humildade, mas também a graça de compreender que não é possível ser humilde sem humilhação".
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