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MARIA NA HISTÓRIA

Ao longo das estradas medievais

por Fidel González
18/06/2015 - Quarto capítulo da nossa série. Durante a Idade Média, o nascimento de muitas ordens religiosas e a construção de santuários são sinais da devoção à Mãe de Deus. E a literatura e a iconografia também refletem esse sentimento popular

A Idade Média é a idade de ouro da devoção mariana no Ocidente. A teologia, a iconografia e o culto marianos, profundamente radicados no Oriente cristão, passam com força crescente também para o mundo ocidental, renovados com o cruzamento de novos povos: latinos, germânicos, celtas e eslavos convertidos. Esses povos cristianizados acrescentam, cada um segundo a própria sensibilidade, novos elementos nas expressões cultuais em relação à Mãe de Deus. Os escritores eclesiásticos medievais desenvolvem sempre mais a reflexão teológica sobre a posição única de Maria no plano da Redenção, chegando a estabelecer que a ela é devido um culto mais elevado do que o devido a outros santos e anjos. Referindo-se a Nossa Senhora, São Boaventura diz: “O fato de que a Mãe de Deus seja anteposta às outras criaturas e que, por isso, deva ser honrada e venerada mais altamente do que os outros, provém daquilo que ela é. Os mestres teólogos chamam esta honra de iperdulia” (Em III Sent., dist. 9, a 1, q.3). O senso de fé do povo cristão percebeu isso de maneira sublime, dedicando a Nossa Senhora inumeráveis expressões de afeto e devoção que permearam toda a vida religiosa e profana da sociedade medieval. A literatura popular e erudita da Idade Média exprime como as pessoas eram atraídas e fascinadas pela grandeza de Maria.
A piedade mariana se evidencia nas pregações, nos códigos e nos livros de oração litúrgicos como missais e livros das horas, com iluminuras, dos mosteiros e catedrais. Difundem-se muitas lendas marianas que colocam em evidência a confiança em Maria e os seus contínuos milagres em favor dos seus filhos devotos. Os mais renomados monges, escritores, oradores e missionários medievais no Ocidente – como o inglês São Beda, o Venerável (673-735), em cuja obra encontramos algumas das mais belas poesias dedicadas à Virgem; o grande reformador da Igreja, São Pier Damiani, de Ravena (1007-1072); Santo Anselmo, de Aosta (1034-1109); São Bernardo; o dominicano São Vincenzo Ferrer (1350-1419); o franciscano São Bernardino, de Siena e muitos outros – dedicam grande parte da sua energia à pregação mariana e escrevem, em honra a Maria, homilias, hinos e tratados de grande profundidade teológica e literária. Toda a Idade Média é constelada por uma miríade de escritores, poetas e teólogos de Maria. Temos somente o incômodo de escolher os nomes e os textos.
Maria tem um posto de honra na pintura, na escultura e nos códigos com iluminuras. A partir da alta Idade Média, difundem- se em todos os lugares imagens e esculturas da Virgem que, logo depois, também passam a ser tema dos grandes mosaicos basilicais, dos murais românicos, dos portais das igrejas, quase sempre inseridas no âmbito da história salvífica que tem Cristo como centro.

Igrejas, santuários e peregrinações
Na Idade Média, grandes multidões migram de uma região para outra. Reymond Oursel, no livro Peregrinos da Idade Média. Os homens, as estradas, os santuários, observa que as pessoas, em um clima de grande precariedade política e social, mesmo tendo uma forte ligação com a própria terra, também migram em busca de referências seguras para a vida. Os cristãos concebiam a batalha pela salvação como um drama que percorre a vida e liga a Igreja militante na terra àquela purgante (Purgatório) e à já triunfante (Paraíso). Deus está acima de todas as coisas. Depois, abaixo, a Mãe de Deus, os anjos e os santos. Este é o sentido da peregrinação e das igrejas dedicadas aos Mistérios de Cristo, a Nossa Senhora e aos santos. As estradas que unem os países europeus são cheias de igrejas dedicadas a eles. Algumas delas também se tornam ponto de referência especial graças aos milagres e a eventos históricos ligados à proteção da Virgem, como a extinção de uma guerra ou de uma peste, a conciliação entre grupos em guerra ou, simplesmente, a uma aparição, que pode ter se dado de vários modos: desde o encontro de um ícone mariano até uma verdadeira e própria aparição sobrenatural em momentos especialmente calamitosos.
No final do século IX, as igrejas dedicadas a Nossa Senhora se multiplicam. As primeiras são consagradas ao Mistério da Assunção. Quando começa, nas igrejas, o uso de construir capelas e altares laterais, não há igreja que não tenha um dedicado a Nossa Senhora. A ela são dedicados oratórios, capelinhas e campanários de várias igrejas; capelas marianas são construídas nas estradas campais e nas vias-sacras; os cristãos começam a ser batizados com o seu nome; surgem os primeiros grandes santuários marianos que se espalham pela Europa e se tornam pontos de peregrinação nos mais diversos países europeus como Puy-en-Velay, na França e Covadonga nelle Austurie, na Espanha. Na Inglaterra, então conhecida como “terra de Maria”, Walsingham é construído por volta de 1061. Esse santuário mariano é considerado o berço do cristianismo na Inglaterra e é possível que tenha sido a primeira igreja da ilha onde, mais tarde, por volta de 1184, os normandos constroem uma belíssima igreja que será saqueada em 1530, durante o cisma de Henrique VIII. Na Itália, a Santa Casa de Loreto (do século XV) foi construída a partir da casa de Maria em Nazaré. Todo o território europeu está cheio desses santuários que mostram o olhar misericordioso de Maria sobre o povo cristão. Surgem confrarias marianas que reúnem grupos de artesãos e trabalhadores que solenizam as festas de Maria e constroem igrejas, oratórios e altares em sua honra.

Ordens religiosas
No século XII, assistimos ao nascimento de movimentos de intensa reforma eclesial. O caso mais significativo é, sem dúvida, o da ordem cisterciense, guiada pela grande personalidade de São Bernardo. A Europa vive um contexto de profunda inquietude e de peregrinações contínuas com uma mobilidade humana ao longo de suas estradas que, hoje, causa um profundo maravilhamento. Nasce um movimento eclesial de cavaleiros e peregrinos. Ligado a esses fenômenos, vemos o surgimento de novas ordens monásticas a partir da experiência beneditina, como os Cistercienses e os Cônegos Regulares, que cuidam com delicada atenção do louvor e do culto divino em colegiados e igrejas, como os Premonstratenses. Maria tem um lugar especial na experiência cristã de todos eles. O fenômeno desta movimentação cristã ao longo das estradas europeias e também até a Terra Santa, seja para visitar os lugares santos, seja por causa das Cruzadas, produz uma dupla consequência: os cristãos entram em contato direto e físico com os lugares ligados à história bíblica e, especialmente, redescobrem os lugares da vida de Jesus e de Maria. Da Terra Santa, levam relíquias e recordações ligadas aos lugares sagrados. Depois, constroem capelas e igrejas para guardá-las e para poder “vê-las” e “tocá-las”. São instituídas festas e sagrações para poder “celebrá-las”. Sendo que todos querem uma “relíquia”, frequentemente elas são divididas em partes e papas, reis, bispos, abades e nobres as doam às pessoas, igrejas e localidades em sinal de amizade e aliança. Num mundo medieval onde o casamento entre as grandes famílias nobres, mesmo que geograficamente distantes, é muito comum – da Inglaterra e da Dinamarca à Espanha ou à Itália –, príncipes e damas da nobreza frequentemente carregam consigo devoções, ícones e “relíquias” marianas como parte dos seus dotes ou como sinal de benevolência em relação às novas “pátrias”. Por outro lado, os peregrinos difundem as devoções marianas em todos os lugares.
Neste período nasce e cresce o movimento das ordens assistenciais e militares, como os Templários ou os Cavaleiros de Malta e outras congregações mistas de padres e leigos que têm, como ponto de referência, comunidades monacais e de cânones regulares. Todas estas agregações têm, como ponto focal, como coração do carisma a presença de Maria que torna o Mistério de Cristo próximo, carnal e humano. Olham Maria, e isso torna mais simples para eles seguir de perto os “passos” humanos de Cristo, que todos tentam tocar visitando os lugares da sua vida mortal ou, pelo menos, os lugares onde esses mistérios podem ser reconhecidos.
Passemos, agora, para o novo período que tem início a partir do século XIII, “outono da Idade Média” e preâmbulo da modernidade. Essa época tem como herança numerosos conflitos, pestes, guerras e duros contrastes com o islamismo. Há um grande número de prisioneiros, escravos e pessoas doentes. Deus concede à sua Igreja carismas oportunos que respondem a tais necessidades: as ordens assistenciais e as da redenção dos escravos, como os Trinitários e os Mercedários, estes, nascidos em Barcelona sob a proteção de Nossa Senhora das Mercês.

As ordens mendicantes
Neste momento de mudança histórica, nascem, dentro da Igreja, movimentos muitas vezes heterodoxos e neognósticos, que logo se colocam à margem da própria Igreja e a combatem. Mas nascem, sobretudo, outros, que se movem entre a busca de uma autenticidade evangélica e o fascínio pela renovação da vida cristã na fidelidade à Igreja: são as ordens mendicantes. Todas elas colocam no coração da sua experiência o Mistério da humanidade de Cristo encarnado e, por isso, a presença de Maria. Esse sempre foi o sinal de sua eclesialidade e ortodoxia. Entre essas novas ordens, recordamos algumas que se colocam sob a proteção de Nossa Senhora como: as Dominicanas, as Franciscanas, as Carmelitas e as Servis. Esta última tem origem na experiência de graça de sete comerciantes florentinos que abandonaram suas atividades para buscar, na contemplação do Mistério da Virgem, especialmente nas suas dores, uma união mais total com Cristo.
Muitas devoções marianas que continuam bastante populares até os nossos dias, como o Rosário (muito ligado aos Dominicanos), o Mistério do Natal (é suficiente recordar o presépio iniciado com São Francisco, em Greccio), a veneração das dores da Virgem, etc.

O louvor
Todo esse grande movimento devocional mariano terá uma grande influência sobre a liturgia da Igreja e a instituição de numerosas festas litúrgicas em honra aos diversos mistérios de Nossa Senhora. Já há algum tempo, seguramente desde o século IX, o sábado era considerado como o dia dedicado à Virgem Santa. No século X, monges, clérigos e muitos leigos começam a recitar uma espécie de pequeno ofício (Officium parvum) - ou das Horas - em honra a Nossa Senhora. Primeiramente era circunscrito ao sábado e, em seguida, a todos os dias da semana por obra dos monges Cistercienses, Calmadonenses e de Cânones Regulares, que o incorporam ao seu hino de louvor das horas nas suas igrejas. Depois, o papa Urbano II ordena que ele seja recitado todos os sábados, depois do Ofício solene. Esta se tornou a forma mais popular de louvor a Nossa Senhora durante a Idade Média e se conserva até os nossos dias.
Duas, porém, são as invocações marianas que sobressaem neste período: as orações da Ave Maria e do Salve Regina. A primeira, acrescentada da palavra “Jesus”, se torna, a partir do século XII, a oração mais recitada e universal juntamente com o Pai Nosso. No século XII, são acrescentadas outras invocações tomando a forma atual com o “Santa Maria”. Na Idade Média, muitos cristãos recitavam 150 Aves Maria em imitação do louvor e das invocações dos 150 salmos. O uso se estende também como forma simples de oração em substituição à recitação e ao canto do breviário, feito nos mosteiros. Muitas vezes, as Aves Maria se dividiam em dezenas e eram introduzidas outras invocações recordando os Mistérios da vida de Jesus Cristo. Assim nasce o Rosário e diferentes formas de recitar a Ave Maria no modo salmódico. O Rosário tornou-se, assim, uma das formas de oração mais simples e mais comuns do povo cristão. Também o Salve Rainha é uma invocação antiquíssima a Nossa Senhora, conhecida já antes de São Bernardo (século XII) e muito difundida entre o povo. Naquele tempo, continuaram a se difundir os hinos, as sequencias, como o Stabat Materdolorosa e as composições rítmicas em honra a Maria, as laudes e as representações sacras. O Ângelus se difunde a partir do século XIII.

Festas Marianas
Existem muitas outras festas de Nossa Senhora que foram instituídas em diversos lugares durante a Idade Média e que, em seguida, foram estendidas a toda a Igreja. É o caso da festa da Imaculada Conceição da Santa Virgem Maria que era celebrada na Inglaterra e na Normandia no século XI. O Mistério foi colocado teologicamente em evidência por Santo Anselmo e se refere à preservação de Maria do pecado original. A festa da Visitação de Nossa Senhora à sua prima Isabel (hoje, 31 de maio) teve origem no século XIII. O papa Bonifácio (1389-1404) a estendeu a toda a Igreja e, em 1608, Clemente VIII compôs os textos litúrgicos. As devoções e festas de Nossa Senhora do Carmelo têm origem com alguns cavaleiros cristãos que, no século XII, se retiram para o Monte Carmelo, na Palestina, onde o profeta Elias defendeu a fé de Israel no Deus vivente, para se dedicarem à contemplação do Mistério sob o patrocínio da Santa Mãe de Deus, Maria. Nasce, assim, a ordem dos Carmelitas. O primeiro general da ordem, o inglês São Simão Stock, recebeu de Nossa Senhora o “escapulário” como penhor e promessa de vida eterna. A partir daí, difunde a devoção e a festa deste dom (16 de julho). Outra festa de origem medieval é a do Rosário, embora, no início, tenha sido instituída em honra de Santa Maria da Vitória para celebrar a libertação dos cristãos dos ataques dos turcos, na vitória naval de 7 de outubro de 1571, em Lepanto (Grécia). Muito antes, na Idade Média, os vassalos costumavam oferecer aos seus soberanos coroas de flores em sinal de honra e submissão. Os cristãos adotaram este costume em honra a Maria, oferecendo-lhe a tríplice “coroa de rosas”, que lembra a sua alegria (Mistérios Gozosos), as suas dores (Mistérios Dolorosos) e a sua glória (Mistérios Gloriosos) na participação dos Mistérios da vida de seu Filho Jesus: é este o sentido do Rosário.

(Publicado em Passos n. 50, maio/2004)

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