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OS SANTOS SOCIAIS

O médico santo

por Paola Bergamini
13/08/2015 - SANTO - GIUSEPPE MOSCATI

Entre as vielas de Nápoles, os corredores do hospital e as cátedras universitárias se desenrola a obra deste “estranho” médico movido em cada instante “com a ardência do amor: a caridade”. Nova etapa da nossa viagem pela história dos santos que, anunciando o cristianismo, mudaram a sociedade


Nápoles, Itália, 1923. No corredor da ala III do Hospital dos Incuráveis, ouve-se um grande vozerio. Uma mulher chora, o homem ao lado dela, com o olhar inflamado, grita: “Irmã, onde está o médico? Essa situação é inaceitável, só porque somos pobres...”. E ouve atrás de si: “Eu sou médico. Este é um lugar de sofrimento, peço ao senhor que abaixe a voz. Reverenda madre, explique-me o que está acontecendo”. “Professor – responde a freira –, é por causa daquele jovem que sofre de hemofilia, ele tem grandes hemorragias e precisa ser medicado diariamente...”. O homem a interrompe: “O que acontece é que, como as feridas de meu filho cheiram mal, nenhum assistente quer medicá-lo. Estamos esperando há horas”. O médico não diz uma palavra, aproxima-se do carrinho de medicamentos e o empurra para perto do leito do paciente. Com delicadeza começa a tirar as ataduras, limpar as feridas, medicá-lo e, enquanto isso, fala com ele. Um médico, que assistiu à cena, comentou: “Que homem, um benfeitor a serviço da humanidade”. O pai do rapaz, balançando a cabeça, disse: “Doutor, o senhor não entendeu nada. Que ‘benfeitor, ou sei lá como se diz... o senhor olhou para meu filho? Eu não sei o que ele lhe disse, mas me parece que aliviou seu sofrimento. Pediu que sua mãe lhe desse um terço. Ele tem caridade no coração”. E depois de um instante, acrescentou: “Diga-me quem é ele”. “É o doutor Giuseppe Moscati, meu professor”, respondeu com orgulho um jovem médico que acabara de chegar. O homem sorriu: “Agora entendo. O médico santo”.
Giuseppe não sabe que em Nápoles chamam-no assim. Para ele, “os doentes são imagens de Jesus Cristo. Amamos a Deus sem medida, na dor. Colocamos todo o nosso afeto não apenas nas coisas que Ele quer, mas na vontade do próprio Deus que as determina. Muitos infelizes, delinquentes e blasfemos conseguem entender, no hospital, por causa da disposição última da misericórdia de Deus, que Ele os quer salvos”, escreveu no adendo de sua tese, quando, com apenas 23 anos, formou-se em Medicina, com louvor e publicação do texto. No mesmo ano, ganhou o concurso para ajuda temporária a doentes incuráveis e, depois de poucos anos, tornou-se efetivo, como diretor de ala. Em 1922, aos 38 anos, uma comissão designada pelo Ministério da Educação conferiu-lhe a livre docência em Clínica Médica Geral. Depois disso, continuou as pesquisas e publicou artigos em revistas de prestígio. Foi um dos primeiros, na Itália, a usar a insulina em pacientes diabéticos, fazendo-a chegar diretamente dos Estados Unidos por meio de um ex-aluno seu. Uma referência, um personagem importante para muitos colegas, que não entendiam aquela sua maneira “estranha” de agir em relação aos pacientes, tanto que um dia, um deles o parou para lhe dizer: “Você é uma celebridade no mundo médico, não é conveniente que aconselhe os doentes, enquanto os atende, a se confessarem e a comungarem”. Giuseppe respondeu seco: “Acima de nós está o Senhor. E a Ele, antes de mais nada, deve se referir tudo o que fazemos e operamos. Em outras palavras: primeiro Deus, depois as outras coisas”. Naquela mesma noite, escreveu: “A dor é tratada não como uma alteração ou uma contração muscular, mas como o grito de uma alma, a quem um outro irmão, o médico, acode com a ardência do amor: a caridade”.

Deus, se existe, não incide. Quando matriculou-se em Medicina, a posição de seus professores era bem diferente: o homem é um conjunto de gânglios, “uma forma transitória no eterno círculo da natureza, uma molécula na imensidão do mundo” (definição dada pelo professor Arnaldo Cantani na abertura do curso de Clínica Médica, em 1868). É o afirmar-se do positivismo científico, para o qual Deus, mesmo que exista, não incide. Para Giuseppe não era assim! Tinha começado a sua batalha. Estudou, apaixonou-se pela ciência, que nunca viu em contraposição com sua fé. Para ele, a ciência era e é um instrumento de investigação que revela que cada coisa é desejada por Deus para o homem porque “o seu criador não desdenhou fazer-se sua criatura” (Dante, A Divina Comédia, Paraiso XXXIII), amando-o até a morte, tendo piedade dele. Este amor permeia cada gesto seu, cada instante do seu dia. Faz com que ele seja um mestre para seus alunos, que queriam aprender com ele essa maneira diferente de “ser” médico. Por isso, ao amigo Benedetto Croce, quando em 1923 surgiu um problema em que foi proibido o ensino livre nos hospitais, escreveu: “Querem romper os laços que nos unem aos estudantes. Como se a única coisa a ensinar a eles fosse a ciência, os conceitos. É preciso que aprendam a caridade: a caridade transformou o mundo em alguns períodos. Muito poucos homens passaram para a história pela ciência, mas todos poderiam permanecer imortais se se dedicassem ao bem. E quem melhor do que o médico pode fazer isso?”.
Já é final de tarde quando Giuseppe sai do hospital. Debaixo do braço, carrega as teses de alguns alunos; passará a noite lendo-as e fazendo apontamentos meticulosos. Nada, para ele, pode ser deixado ao acaso. Por um instante, volta-se para olhar os rostos dos doentes. Uma voz o tira de seus pensamentos. “Professor, me desculpe, posso lhe pedir uma coisa?”. Giuseppe reconhece um de seus alunos. “Gostaria de acompanhá-lo até sua casa, se não for incomodar”. Giuseppe sorri: “Não, ao contrário, será um prazer. Estava me lembrando das palavras que meu pai disse – um grande homem, era presidente da Corte de Apelação de Nápoles – quando eu era um menino, uma noite na varanda de casa, a mesma em que agora moro com minha irmã Nina. Disse-me: ‘Olhe. Quanto sofrimento entre aquelas paredes. A dor é acalmada com os remédios que o homem encontrou pela pesquisa e, onde estes não podem fazer mais nada, a piedade cristã faz. Ali, no sofrimento, o Senhor leva o seu conforto se existem pessoas boas que não têm medo de anunciá-lo. A dor é vencida porque o Médico veio para medicá-la: a morte foi vencida’. Naquele momento intuí que o Senhor me queria entre aquelas paredes”. Durante um tempo caminham em silêncio, depois, o jovem médico diz: “Agora entendo porque no Instituto de Patologia o senhor quis que fosse afixado um cartaz com a frase: Ero mors tua, o mors (serei a tua morte, oh morte)”.
Estão no meio do caminho quando Giuseppe pergunta ao aluno: “Eu vou parar por alguns minutos aqui na Igreja do Santíssimo Sacramento. E você?”. “Eu o acompanho”, não hesitou em responder o jovem médico. Inveja a fé certa de seu professor, que o diferencia de todos, não há nenhuma carolice no seu modo de agir, mas uma maneira de enfrentar a vida que o torna especial. Por isso quer ficar com ele. Naquela igreja, alguns anos antes, Giuseppe fez voto de castidade ao Senhor. Em silêncio, sem clamor. Escreveu: “Tenho um ímpeto de ternura por Nossa Senhora do Bom Conselho, que me sorri da mesma maneira como a imagem da Igreja do Santíssimo Sacramento. Diante desta imagem e nesta igreja eu renunciei aos afetos terrenos impuros”.

Sob a lava do vesúvio. Chegam à rua Cristerna dell’Olio já quase noite. Diante do número 10, onde mora, Giuseppe para e despede-se do aluno. “Então, até amanhã”. O jovem médico não desiste: “Professor, posso acompanhá-lo no atendimento que fará agora no ambulatório?”. “Não sei quantas pessoas estão lá. Pode ser que fique tarde...”. “Não tem problema”. “Tudo bem”. Assim que entram na porta da casa, umas vinte pessoas de todas as classes sociais estão ali para recebê-lo. Nina, a irmã, vem ao seu encontro: “Veio aqui seu amigo Bottazzi para falar sobre a viagem a Edimburgo e um rapaz deixou este bilhete”. Giuseppe o abre, seu rosto se enruga. “Há um menino que está muito mal, depois do jantar vou visitá-lo”. “Onde mora o menino?”. “Nas imediações da avenida Vittorio Emanuele”. “Não é uma região boa...”, comenta Nina. Giuseppe a olha nos olhos: “Nina, o Senhor chama aonde quer. Você sabe, entre os doentes, no hospital está minha família. Ali, o Senhor me chama todos os dias. Não se preocupe, este jovem médico vai me acompanhar. Não vai acontecer nada”. É verdade, ninguém ousa fazer nada contra o médico.
Começam os atendimentos. “Doutor, é grave?”. “Não, mas você precisa tomar os remédios que estou lhe prescrevendo”. “Doutor, sabe que, indiretamente, eu conheço o senhor? Minha avó me contou sobre quando o senhor chegou em Torre del Greco. Era 8 de abril de 1906, o dia funesto da erupção do Vesúvio”, e, voltando-se ao jovem médico que estava curioso, disse: “Lembro do rio incandescente que descia da montanha, o céu estava preto. Parecia o Apocalipse. Todos fugiam. No hospital de Torre del Greco os doentes eram, na maioria, pessoas idosas, não podiam se mover. Quando evacuaram o hospital, ninguém pensou neles... exceto o doutor Moscati. Chegou à noite em uma carroça. Com poucas ordens precisas, começou a fazer com que todos os doentes saíssem. Eu mesmo o vi levar alguns para fora nos ombros. Assim que o último doente foi colocado em um carro, o edifício desabou. Entre os que ele salvou, também estava minha avó”. “Eu não salvei ninguém. Foi tudo obra da Providência. Fui apenas um instrumento. Porém, não percamos tempo. Qual foi a última vez em que você se confessou? Parece-me que a oração seja uma lembrança distante”. O homem enrubesceu... “Como ele sabe?”, pensa consigo. E, em resposta, lhe diz: “Quanto lhe devo?”. Moscati levanta o olhar num impulso: “Leve o dinheiro à igreja e aproveite para visitar o santuário. A Providência fará o milagre também para você”. O jovem médico fica admirado: bastaram apenas alguns indícios para perceber como era o homem e um olhar para entender onde estava sua alma. Ninguém duvidava da capacidade de Moscati diagnosticar – no hospital, um importante professor afirmava que “era algo miraculoso” –, sobretudo depois que, a despeito de tantos expoentes de fama internacional, foi o único a descobrir qual era a doença do famoso tenor Enrico Caruso, que voltou para a Itália para se tratar. No entanto, já era tarde demais, não houve possibilidade de cura. Ao tenor, Moscati teria dito: “Você consultou todos os médicos, mas não consultou Jesus Cristo”. Caruso teria respondido: “Professor, faça aquilo que o senhor quiser”. Um padre foi chamado e os sacramentos foram ministrados.
Giuseppe sabia o que o homem precisa, o Senhor lhe deu o talento de entender a doença e de sondar o coração das pessoas. Como aconteceu em fevereiro de 1927. Naquele dia, a aula magna da Universidade de Nápoles estava lotada de professores e alunos, vindos para escutar Leonardo Bianchi, vice-presidente da Câmara, conhecido por sua atividade científica e também por suas ideias anti-religiosas. Giuseppe sentou-se na segunda fila. No final da palestra, durante os aplausos, o professor, subitamente tomba. Cai no chão, não consegue falar, mas com os olhos, procura Moscati, que nesse ínterim tinha se aproximado. Giuseppe entende a gravidade da situação e pede a um colega para ir chamar um padre. De joelhos, fala com ele, tira um crucifixo do colete e o dá para o moribundo beijá-lo. O homem continua a olhá-lo, não há terror em seu rosto. Depois de alguns minutos exala o último suspiro. Reina o silêncio, todos os olhares se voltam para Giuseppe. Uma coisa é clara: o professor Bianchi, o homem que sempre acreditou apenas na ciência, na hora de morrer, quis que Moscati estivesse perto dele. Para se converter.
Dois meses depois, no meio da tarde do dia 12 de abril, Giuseppe interrompe as visitas. Não se sente bem. Nina é obrigada a mandar embora as pessoas que lotam o corredor. Quando volta para o quarto do irmão, está caído sobre a poltrona. Emite o último suspiro sem dizer uma palavra. Sobre a escrivaninha, o livro aberto de Santo Afonso Maria de Ligório, que estava lendo. Depois de poucas horas, a notícia agita a cidade. Nápoles para. Diante do palácio da rua Cisterna dell’Olio forma-se longa fila. Padres, religiosas, políticos, aristocratas e populares rezam em silêncio. No livro de assinaturas, entre muitas frases cheias de afeição, lê-se: “Não quis flores nem lágrimas. Mas nós o choramos, porque o mundo perdeu um santo. Nápoles, um exemplar de todas as virtudes, os doentes pobres perderam tudo”.
Giuseppe Moscati foi canonizado por João Paulo II no dia 25 de outubro de 1987, durante o Sínodo dos leigos.

(Publicado em Passos n. 105, junho 2009)

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