Na periferia de Turim, dedicando-se aos filhos dos operários e aos órfãos, ele cria escolas, tipografias, oficinas de costura e bibliotecas para que os jovens aprendam um ofício e muito mais. Neste capítulo sobre os santos que revolucionaram a sociedade, a história de um “padrezinho” que dedicou a vida a fazer (bem) o bem
Domingo à tarde, no aglomerado de casebres do Borgo Vanchiglia, na periferia de Turim, na Itália, ecoa o badalar de um sino. Os jovens acorrem. “O padrezinho chegou!”. A notícia se espalha rapidamente. Em poucos minutos, grupos de adolescentes cercam o jovem padre. “Padre Leonardo, o que vamos fazer hoje?”. São filhos de operários, vivem na miséria, geralmente abandonados à própria sorte; a maioria deles, durante a semana, trabalha até dez horas por dia, por alguns trocados, como ajudantes de obras, garçons... Padre Leonardo chama cada um pelo nome. “Vamos ao Oratório. Depois do jogo, eu vou contar a história de quando Jesus multiplicou os pães para todas as pessoas que tinham fome. Depois, a missa”. Em fila, acompanham o jovem padre, alto, de olhar bondoso, e seguem para o Oratório do Anjo da Guarda, o primeiro oratório de Turim, fundado pelo padre Giovanni Cocchi, em 1841. Padre Leonardo percebe que um jovem fica parado. “E você? Não vem?”. “Ele tem dor na perna, não consegue andar, pois caiu de um andaime. Mas amanhã precisa ir trabalhar, do contrário perde o emprego, e aí apanha em casa!”, explica um deles. “Venha, eu te ajudo. Não se preocupe, depois eu falo com o seu patrão”.
Estamos em 1851, o Oratório do Anjo da Guarda, que ficou sob a responsabilidade de Dom Bosco, é dirigido agora pelo padre Roberto Murialdo, que chamou o sobrinho, Leonardo, 23 anos, para ajudá-lo na educação dos jovens pobres. Ali, entre aqueles rapazes, tem início a obra educacional – que, com o passar dos anos, abraçará milhares de jovens – de São Leonardo Murialdo. Oitavo filho de uma família burguesa de Turim, com boa educação católica dada pela sua mãe, que nunca soube o que é a miséria, Leonardo é chamado pelo Senhor para cultivar a sua vinha entre os mais pobres, para que vissem que, em qualquer circunstância, Deus não abandona seus filhos. Na noite de Natal de 1851, durante uma pregação às freiras de Nossa Senhora da Caridade, padre Leonardo diz: “Imploremos para que Ele nos faça santos, e grandes santos. Nesta noite de mistérios e de prodígios, podemos duvidar de que Deus deseja fazer-nos santos?”. E o Senhor o escuta.
REDE DE AJUDA. Murialdo é um bom pregador e um atento observador. Percebe que o contexto social está mudando radicalmente: em Turim, o crescimento econômico e o processo de industrialização atraem famílias inteiras do campo; as quais, porém, têm que se adaptar a trabalhos muito pesados, geralmente ganhando muito pouco, vivendo em casebres onde a delinqüência e a indiferença predominam. E os cristãos? Em 1833, Federico Ozanam, junto com oito estudantes, funda as Conferências de São Vicente de Paulo, em Paris, com o objetivo de viver a fé por meio da caridade. Em 1850, justamente em Turim, nasce a primeira Conferência. Seus principais fundadores: Dom Bosco, padre Roberto Murialdo e, como colaboradores, Leonardo Murialdo e seu irmão Ernesto. É uma verdadeira rede de ajuda para os marginalizados. Mas é preciso começar pelos jovens. E a Providência age. Dom Bosco observa o modo de atuação desse jovem padre e lhe faz uma proposta: dirigir o Oratório São Luís, do bairro San Salvario, sempre na periferia de Turim.
VONTADE DE CORRER. Dia 26 de julho de 1857, Leonardo começa esse trabalho. Não é fácil trazer os rapazes para o Oratório, aproximá-los de Deus. É preciso inventar alguma coisa nova, ir ao encontro das demandas deles. Nascem as escolas noturnas e os cursos de verão, a escola elementar diurna, iniciativas de apoio para os jovens operários e aprendizes, a escola de canto e a banda musical. Quando acaba o dinheiro, mete a mão no próprio bolso ou pede ajuda aos ricos. Todos o procuram, sua jornada diária não tem um minuto de folga: atende confissões, joga com os garotos, prega e estuda. Porque, como escreve padre Eugenio Reffo (seu colega e primeiro biógrafo): “Ele era tomado pelo um grande desejo de trabalhar pela glória de Deus e percorrer todo o imenso campo que se abria diante de si pela saúde das almas. Incluindo logo duas coisas importantes: a primeira, que, nos novos tempos de lutas políticas e religiosas, devia o sacerdócio revestir-se de uma virtude mais forte e mais radiante do que no passado; a segunda, que uma doutrina medíocre não bastava mais contra os inimigos da Igreja, então aguerridos e terríveis”. Por isso, passa um ano em Paris, no seminário de São Sulpício. Na capital francesa tem a oportunidade de conhecer as instituições caritativas francesas em favor da juventude. Em 1866, quando retorna a Turim, tem muitos projetos para o Oratório e os pobres das periferias, mas a Providência reserva-lhe outra coisa. Na capital dos Saboia atua, desde 1849, a Obra dos Pequenos Artesãos, fundada pelo padre Cocchi para dar um teto aos jovens órfãos da cidade e oferecer-lhes uma educação profissional, ensinando-lhes uma profissão. Em 1866, padre Murialdo é chamado para dirigir o colégio. Já sob a direção do padre Cocchi tinham sido constituídas oficinas internas para o aprendizado dos jovens; Murialdo dá continuidade ao trabalho, aperfeiçoando seu perfil educativo. O colégio abriga oficinas de sapataria, carpintaria, de encadernação, alfaiataria, tipografia. Os jovens frequentam dois anos de aprendizado geral, aprendendo vários ofícios, depois, com quatorze anos idade, escolhem a especialização, continuando a freqüentar a escola até os dezenove anos. Formação longa, porque Murialdo quer que os jovens possam amadurecer tanto do ponto de vista humano quanto espiritual, não entrando prematuramente no mundo do trabalho. Não por acaso é o primeiro a batalhar contra a praga do trabalho infantil. Seus jovens devem, por meio do trabalho, aprender a ser, antes de tudo, bons cristãos; só assim podem levar para dentro do mundo operário a semente de uma vida nova, dispostos a enfrentar as dificuldades da vida sem se deixar atrair pelo ateísmo e pelo materialismo.
DA PENA AO CATECISMO. Os Pequenos Artesãos tornam-se uma experiência única na Itália, pelo alto nível profissional. Por outro lado, padre Leonardo costuma dizer aos seus colaboradores: “Façamos o bem, mas façamo-lo bem feito”. E os rapazes – muitos vindos da prisão para menores de idade “La Generala” – são atraídos por esse padre, que é para cada um deles um verdadeiro pai e não os abandona nem mesmo quando terminam o período escolar. Ajuda-os a encontrar emprego e, em 1878, funda para eles a primeira casa-família para jovens operários. Um lugar que, por uma pequena quantia, oferece “comida, alojamento, assistência e educação paterna”. Podem usufruir dela não só ex-alunos do colégio, mas muitos operários que vêm de fora de Turim.
No mesmo ano, Murialdo aperfeiçoa uma intuição do padre Cocchi, que em 1852, em Moncucco Torinese, havia fundado a primeira colônia agrícola. Padre Leonardo sabe que muitos jovens chegam da zona rural e não conseguem se adaptar à vida urbana, que em geral os embrutece. Assim, com a ajuda do sobrinho, o engenheiro Carlo Peretti, abre uma nova colônia agrícola em Rívoli, perto de Turim. Em poucos anos, alcança um altíssimo nível de especialização, ao ponto de obter numerosos prêmios e apresentada como exemplo pela sua eficiência. Alguns jovens vêm do reformatório de Bosco Marengo, na província de Alexandria, do qual Murialdo foi o responsável até 1883, onde a pena de detenção é cumprida num programa alternativo.
Padre Leonardo sabe que precisa de bons educadores. Por isso, no interior do colégio estimula alguns jovens para que se tornem corresponsáveis por acompanhar o andamento da casa e o crescimento dos colegas. Muitos, quando se tornam adultos, permanecem no colégio como mestres e educadores: são a base da Congregação de São José, formada por leigos e religiosos que visam à santidade por meio da “educação cristã dos jovens pobres, órfãos, abandonados ou apenas indisciplinados”, como se lê no Regulamento, estendendo-se para além dos muros do colégio.
O olhar de Murialdo abraça toda a realidade social que o circunda. Está convencido de que só a educação do povo será capaz de levar a um melhoramento da sociedade e ajudar os mais pobres, e não uma educação caritativa que vem de cima para baixo. Não por acaso, num dos seus escritos se lê: “Nas condições atuais da sociedade e da pátria, é preciso formar núcleos educados na doutrina católica, nas obras cristãs, em todos os segmentos sociais, mas sobretudo entre o povo, entre os operários, os pobres, os camponeses”. Quando, em 1871, nasce a União Operária Católica, ele é seu assistente eclesiástico e animador espiritual. Também se engaja nas várias iniciativas que a União promove: comitê de colocação, previdência social e, sobretudo, a educação por meio do catecismo noturno. Em 1883, justamente na tipografia dos Pequenos Artesãos, é impressa a Voce dell´Operaio, folheto católico, porta-voz da União operária. A imprensa, para padre Leonardo, assume um papel particular. Faz parte, em 1883, da comissão que cuida da imprensa católica, a “boa imprensa”. Funda, com alguns leigos, a primeira biblioteca católica circulante de Turim. Em pouco tempo, esse primeiro exemplo expande-se por todas as cidades: nos Oratórios e nas paróquias, essas minibibliotecas oferecem gratuitamente entre duzentos e mil livros para a leitura. É cultura para o povo. Para o povo cristão. Sua atividade é incansável, visando ao crescimento da consciência a respeito da presença cristã na sociedade e na política. No coração carrega sempre os jovens.
Padre Leonardo Murialdo morre dia 30 de março de 1900. Dia 3 de maio de 1970, durante a missa de canonização, Paulo VI diz: “Repetiremos o que foi dito a respeito dele: foi extraordinário nas coisas ordinárias”.
(Publicado em Passos n. 106, julho 2009)
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