Continua a nossa viagem pela vida dos santos que souberam construir uma humanidade nova mesmo em momentos de grande dificuldade. Nesta edição, uma freira italiana que sonhava ser missionária no Oriente, mas ouviu do Papa: “O seu destino são os Estados Unidos”. E obedeceu...
“Nas últimas semanas, mulheres de pele escura em vestes de irmãs de caridade percorreram as ruas italianas da pequena Itália, subindo por escadas estreitas e escuras, descendo em subterrâneos sujos e em cavernas onde nem mesmo um policial ousaria colocar os pés sem estar acompanhado. A líder desta congregação é a Irmã Francesca Cabrini, mulher com grandes olhos e um sorriso atraente. Não fala inglês, mas é mulher de atitude” (New York Sun, 30 de junho de 1889). Francesca desembarcou há poucos meses na metrópole americana, junto com sete irmãs da ordem fundada por ela – as Missionárias do Sagrado Coração de Jesus –, e sua presença e sua obra já suscitam interesse. Mas quem é esta freira de aspecto delicado, que no período de trinta anos atravessara 28 vezes o Oceano fazendo florescer na Europa e nos Estados Unidos orfanatos, escolas e hospitais? Na época, como hoje, o que impressiona é, sobretudo, uma presença que, respondendo às necessidades concretas, torna visível o amor de Cristo ao homem.
Última de doze filhos, Francesca nasceu em 15 de julho de 1850 em Sant’Angelo Lodigiano, na parte baixa da Lombardia. Aos onze anos já tinha decidido o que queria fazer na vida: ser missionária na China. É uma pessoa decidida, mas sua saúde é frágil, por isso várias ordens religiosas negam seu pedido de admissão. Só um certo doutor Morini comentou, a propósito de sua constituição física: “Deus ajuda seus santos e brinca conosco”.
Em 1874 começa a trabalhar no Hospício da Divina Providência, em Codogno, do qual se torna Superiora e, em 1881, o bispo de Lodi aprova a Regra de sua Ordem: a das Missionárias do Sagrado Coração de Jesus. Exatamente em Codogno abre sua primeira casa para moças, depois, uma escola fundamental em Grumello, em Milão, em Casalpusterlengo, um convento em Roma... Mas ainda não é a China.
Em Roma, Francesca conhece Dom Giovanni Battista Scalabrini. O bispo de Piacenza acabara de publicar A emigração italiana para a América da Norte, um opúsculo onde fala sobre a situação dramática que experimentam os imigrantes italianos nos Estados Unidos. Para ajudá-los, enviou a Nova York alguns padres da congregação São Carlos Borromeu, fundada por ele. Mas não é suficiente. Há a necessidade de irmãs que ajudem, sobretudo na questão educativa. Procura a ordem das irmãs Missionárias e faz uma proposta a Francesca. Ela, num primeiro momento, argumenta, antes de tudo porque quer que o Instituto seja “livre de qualquer laço material, moral ou espiritual, e portanto, completamente independente” e, depois, por ser uma mulher concreta, não vê um projeto preciso com o qual colaborar.
Scalabrini volta a insistir quando chega de Nova York o pedido para a gestão de uma escola que os padres querem abrir na igreja de São Joaquim. Francesca, para decidir, pede uma audiência com o Papa Leão XIII. O Pontífice conhece bem a situação dos imigrantes italianos e, sobretudo, tem consciência de que está ocorrendo uma verdadeira obra de descristianização. São necessárias pessoas que, com sua presença, com seu modo de agir, mostrem que apenas Cristo, dentro da experiência da Igreja, é o caminho da salvação. Por isso, diz a Francesca: “Não para o Oriente, mas para o Ocidente. O Instituto ainda é jovem. Precisa de fundos. Vá aos Estados Unidos e você os encontrará. E, com eles, encontrará também um grande campo de trabalho. A sua China são os Estados Unidos. Lá, muitos italianos imigrantes precisam de ajuda”. Francesca não tem mais dúvidas e obedece.
DE PORTA EM PORTA. No dia 31 de março de 1889, junto a outros 1.500 imigrantes, desembarca em Nova York e não há ninguém esperando por ela e suas irmãs. Naquela primeira noite, dormem em dois quartos sujos de um albergue. Francesca não perde o ânimo, em toda situação difícil e na sua vida – será sempre assim – vê a mão de Deus, uma possibilidade a mais que o Senhor lhe oferece para afirmar a sua Presença. No dia seguinte, começa sua obra. Junto com as irmãs, visita as famílias, reúne as crianças para o catecismo. Com a ajuda do bispo, em um primeiro momento hesitante nas suas discussões, abre um orfanato. Depois, um asilo e uma escola. E o dinheiro? Faz a coleta de porta em porta, pedindo dinheiro ou frutas, verduras, móveis. Tudo serve. Em pouco tempo os imigrantes sabem que, se estiverem em dificuldade – trabalho, família, filhos – têm alguém a quem recorrer. Mas, sobretudo, as irmãs os ajudam a reconquistar um aspecto fundamental de sua identidade: a fé católica.
Francesca é incansável. Compra prédios e terrenos, consegue ajuda até de judeus e do diretor do Metropolitan Museum. Ninguém resiste a ela. Por trás do seu sorriso há muitas ideias, porque, como lhe ensinaram, pode-se muito bem estar na graça de Deus e aproveitar as oportunidades. É a sua presença que quase “impõe” as doações. O que a move é a caridade, o amor a Cristo para cada homem e o ímpeto para que Cristo seja conhecido. Uma caridade que faz com que “os filhos de Deus ajam com mais tenacidade, sagacidade e paciência por terem consagrado suas forças à vinda do seu Reino e correm para um ganho incorruptível”, escreve em uma carta. E que faz com que um leigo insensível como Filippo Turati diga: “Não somos da mesma paróquia, mas posso assegurar que aprecio muito a obra de Cabrini”.
AMÉRICA DO SUL E EUROPA. As vocações florescem, sua obra é solicitada em outras cidades americanas: Nova Orleans, Seattle, Chicago... Em todos os lugares que a chamam, ela vai e constrói orfanatos, escolas, asilos, hospitais. Ela é um exemplo para suas companheiras irmãs: ensina-as a cozinhar, a arrumar, a cuidar da contabilidade e a tratar os humildes como faz com pessoas importantes.
Depois dos Estados Unidos, é a vez da América do Sul: onde moram muitos imigrantes italianos. Nicarágua, Panamá, Brasil, Chile, até a Argentina, atravessando a Cordilheira dos Andes no dorso de uma mula. Não tem um instante de trégua e, no entanto, na sua obra não há inquietação nem ânsia de fazer mais coisas, porque “se eu me ocupasse apenas das coisas exteriores, por boas e santas que sejam, me tornaria débil e enfraquecida, correndo o risco de me perder se me faltasse o sono da oração e se não procurasse repousar e dormir tranquilamente no coração de meu dileto Jesus. Dá-me, ó Jesus, em abundância, deste misterioso sono”. Essa é a sua força: o amor a Cristo. Suas viagens a levam, também, muitas vezes, à Europa, onde funda Institutos na Espanha, França, Inglaterra e Portugal porque, visto o caráter internacional assumido pela missão, as irmãs devem estar aptas para falar e ensinar os idiomas dos vários países.
A morte a surpreende em 22 de dezembro de 1917, em Chicago, sentada em sua escrivaninha.
(Publicado em Passos n. 108, setembro 2009)
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