Os primeiros dias de uma paróquia na montanha, onde não havia ninguém para acolhê-lo. Muros que precisavam ser derrubados, luta contra o liberalismo, projetos que “fracassavam”. E uma preferência incondicional pelos enfermos. História de uma vida dedicada à obediência, em que nasceram grandes obras de caridade, e muito mais
Padre Luís percorre, com andar apressado, a rua principal de Prosto, na periferia de Chiavenna (região de Sondrio, na Itália). Vai ao encontro das crianças do catecismo. Depois, precisa preparar a aula para a escola noturna; em seguida, visitar aquele pobre demente... Há poucos meses é o vigário da paróquia, desde o dia da sua ordenação sacerdotal, 26 de maio de 1866. Tem 25 anos de idade. Quanta coisa por fazer! O relacionamento com o pároco não é muito fácil, pois ele gostaria de ter mais tranquilidade e, no entanto, este vigário não para um minuto. Preocupa-se o tempo todo com seu povo. A Palavra de Deus torna-se carne. Obras.
Num momento histórico em que a relação entre Estado e Igreja é cada vez mais tensa – justamente naquele ano o Parlamento suprimira, por uma lei, as congregações religiosas e decretara a conversão do patrimônio imobiliário –, o jovem padre Luís Guanella não se contenta com uma vida sossegada: o povo não pode ser enganado. Imerso em seus pensamentos, naquele dia quase não percebe o homem que bruscamente o segura: “Sei que o senhor foi transferido para Savogno: ontem nasceu o meu filho, e ficaria muito agradecido se o senhor o batizasse amanhã”. Padre Luís fica pasmo: a notícia da sua transferência chegara primeiro aos paroquianos, e não a ele próprio. Responde prontamente: “Sou um servo fiel, embora não esteja sabendo de nada”. O velho pároco, ao que parece, não tinha resistido àquela confusão. Não importa, é preciso obedecer. Significa que o Senhor tem em mente um outro projeto.
No dia seguinte, 17 de junho de 1867, encara os dois mil degraus de uma escada que o leva a mil metros de altura, sua nova destinação. A longa caminhada lhe dá prazer: nasceu na montanha, em Franciscio, próximo de Campodolcino, no vale de San Giacomo. O nono de treze filhos, até o momento em que entrou no seminário para jovens pobres de Gallio, em Como, estava acostumado a esse tipo de vida. Não se entristece com o fato de nenhum dos quatrocentos habitantes o estar esperando. O povo da montanha é assim mesmo: é preciso vencer seu natural acanhamento. Logo se põe a trabalhar: faz o papel de pintor, de pedreiro, para melhorar a igreja, constrói uma cobertura para proteger as mulheres que vão até a bica para lavar roupa. Abre a casa paroquial para a escola diurna, das crianças, e para a escola noturna, dos adultos. Aproxima-se de todos, transmite-lhes a certeza da fé. Os paroquianos prestam atenção a esse jovem padre, que fala da Eucaristia com tal ênfase que torna transparente o Mistério. Toda a comunidade se une em torno dele. Como em Prosto, tem um zelo especial pelos doentes (do corpo e da mente); várias vezes ao ano leva alguns deles a Turim, à Pequena Casa da Divina Providência. Suas viagens à capital da região são também para acompanhar os jovens que manifestam o desejo de aprofundar a própria vocação. Muitos ingressam nas congregações de Dom Bosco e de Cottolengo, ao ponto de ser acusado – pelo jornal anticlerical Il libero alpigiano – de querer encher a região de padres e freiras. Em 1872, publica o Ensaio de orientações familiares para todos, especialmente para a população da zona rural, impresso em Turim na tipografia de São Francisco de Sales, no qual adverte os camponeses para se “defenderem das artes malignas com que os sectários maçons, junto com os liberais do dia, procuram arruinar a alma, e depois também o corpo, das pessoas de bem. (...) No presente devemos demonstrar grande coragem em opor escolas, livros e instituições católicas às escolas, aos livros e às instituições dos maçons”. Isso – além da sua firme decisão de manter o ensino religioso, contrariando as disposições ministeriais de 1862 – o coloca entre as pessoas especialmente vigiadas. É acusado de subversão e intolerância. Não pode continuar morando em Savogno. Mas em seu coração há o desejo de ir ao encontro das necessidades do povo.
“Senhor, faça com que eu veja”. Em suas viagens a Turim, estabeleceu estreita relação com Dom Bosco e conheceu sua obra. Talvez seja essa também a sua estrada. Pede ao bispo que lhe permita transferir-se para Turim, onde o fundador dos salesianos o acolhe de braços abertos. Recebe como atribuição a direção do Oratório de São Luís, com setecentos meninos, e depois a do colégio de Mondovi. Mas os jovens, para ele, não são tudo; seus pensamentos voltam-se para os doentes sozinhos, abandonados. Várias vezes sua prece é: “Senhor, faça com que eu veja”. Decorridos três anos, o bispo de Como o chama de volta para a diocese. Padre Luís obedece. Sua nova paróquia é Traona, na baixa Valtellina, onde o arcipreste foi acometido pela paralisia. Dom Carsana deu-lhe a missão com estas palavras: “Lá, como o senhor sabe, há casas e conventos sem uso, que o senhor pode utilizar para as fundações que acalenta no coração; cuidado, porém, que não sejam meras fantasias, fruto de cabeça quente e ilusões funestas. Tente. Eu lhe abençôo”. São muitas as dificuldades que encontra. Mas não desanima. Organiza o catecismo, abre escolas diurnas e noturnas. As autoridades civis estão de olho nele, não querem que leve para lá “os projetos obscurantistas aprendidos na escola de Dom Bosco”. Obstinado, ele vai em frente. Prega e também ali restitui àquele povo o prazer de se sentir cristão. Com o dinheiro de uma herança, compra o convento de São Francisco, onde institui um pequeno colégio. Parece a primeira pedra da obra que tem em mente. No entanto, chega-lhe logo a ordem para fechar o colégio, porque “seu fundador é considerado um subversivo”. Não só. As autoridades civis fazem chegar à Cúria a orientação de “dar a Guanella a função de cuidar de almas em algum povoado no alto da montanha, onde ele não poderá exercer suas perigosas influências”.
Dia 26 de agosto de 1881, é transferido para Olmo, pequeno povoado ao longo da estrada que leva ao Spluga. Seu coração está amargurado. Não aceita essa fúria toda contra a sua pessoa, só porque se mostrou “inimigo feroz do liberalismo”, como ele próprio escreve. Em seu “exílio”, reza e pede ajuda a Deus. A resposta vem com a notícia de que em Pianello Lario havia falecido o pároco, padre Carlo Coppini, que havia fundado um orfanato, entregue aos cuidados de piedosas senhoras. É uma semente que pode florescer. Padre Luís vai ao bispo Dom Casarsa e pede que o nomeie para essa paróquia. O bispo hesita: como lidar com esse “fundador falido”, como muitos o definem? No fim, dá-lhe o simples cargo de administrador da paróquia de Pianello. Chega lá às onze da noite e ninguém o aguarda. Mais uma vez, com paciência vai conquistando as pessoas. Sobretudo as religiosas do orfanato, que têm medo desse padre com fama de maluco. Levanta-se bem cedo e celebra a missa para os operários, antes do início dos trabalhos, visita as famílias, organiza o catecismo, abre a escola noturna e prega. Nos poucos momentos de um tempo livre, escreve seus opúsculos. Quando o preposto Mussi renuncia à direção do orfanato, as freiras pedem que o padre Luís assuma como diretor. A semente começa a germinar: é o início de uma obra de assistência e caridade. A instituição adquire novo vigor; há perfeita sintonia entre ele e as freiras. As fronteiras de Pianello logo se tornarão muito estreitas para o padre Luís. A Providência começa a desvelar seus desígnios.
Dia 25 de fevereiro de 1886, vai ao preposto de Sant’Anna, em Como, que lhe indica a casa e o terreno de um certo senhor Biffi. É o lugar ideal para se abrir um instituto para “servas pobres”. Dia 6 de abril, três freiras abrem a casa na Rua Santa Cruz. O número de assistidos aumenta todo dia. Dia 26 de maio de 1890, padre Guanella deixa Pianello para se dedicar inteiramente às duas Casas da Providência. Só em Como são assistidas mais de duzentas pessoas, entre anciãos, doentes, cegos, surdos-mudos, doentes crônicos, estudantes pobres e rapazes metidos na delinquência. Padre Luís dá atenção a cada um deles. Um sacerdote comenta, depois de visitar a obra: “Padre Guanella fazia com reverência as tarefas mais humildes, como carregar e limpar os doentes idosos, como se tratasse com as próprias mãos das carnes de Jesus Cristo”. A quem lhe pergunta como faz para prover às necessidades de tantas pessoas, responde: “Quem provê é a Providência”.
“Deixem-no fazer o bem”.Dia 25 de outubro de 1891, Dom Andrea Ferrari – beatificado em 1987 por João Paulo II – assume a diocese de Como. Logo compreende o alcance da obra do padre Luís. Assim, quando lhe chegam vozes pouco benévolas a respeito dele, corta logo: “Vão visitar as casas e vocês se convencerão de que o que ele faz não está de acordo com a prudência humana, mas com a prudência cristã. Deixem-no fazer o bem ao povo”. Com seu apoio, em um ano é concluído o projeto da igreja do Sagrado Coração.
Os destinos desses dois eclesiásticos se interligam. Em 1894, Dom Ferrari torna-se o arcebispo de Milão e Guanella dá início à sua obra nessa grande cidade. Primeiro, com a abertura de algumas creches e, depois, graças à ajuda do cardeal, adquire um grande prédio antigo da igreja de Santo Ambrósio ad Nemus, onde acolhe seus desvalidos. É incansável. Em Como, adquire um velho barracão da tecelagem Binda. Não dispõe do dinheiro, mas, como sempre, a Providência vem em seu socorro. O novo bispo dá o sinal verde ao novo projeto com estas palavras: “Faça o que quiser, porque com os santos a gente não pode discutir”. Mais de trezentas enfermas encontrarão abrigo ali.
Dia 18 de outubro de 1899, convoca os párocos e capelães da Piana di Spagna, zona pantanosa entre Chiavenna e Colico. Seu projeto? Enxugar a área e tornar utilizável o terreno. Parece impossível. Adquire uma casa e os terrenos contíguos, no coração da área, e com a ajuda de operários especializados venezianos e dos seus “bons filhos”, no espaço de poucos meses o pântano dá lugar a um terreno seco e plano. É a Nuova Olonio San Salvatore. Nascem outras obras e florescem as vocações, sobretudo adultas, tanto masculinas quanto femininas: são os Servos da Caridade e as Filhas de Santa Maria da Providência.
Dia 27 de setembro de 1915, padre Luís está na casa de Como conversando com um amigo. A certa altura, seu corpo cai. É a paralisia. Seu físico de montanhês está esgotado. Morre dia 24 de outubro. O amigo cardeal Ferrari, no momento de benzer o caixão, diz: “Com qual nome preferirias que eu te chamasse? Certamente tu me responderias: servo da caridade”.
(Publicado em Passos n. 109, outubro 2009)
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