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Passos N.98, Outubro 2008

DESTAQUE - Meeting Rimini 2008

Ser protagonistas é dizer “Sim” ao Mistério

por Vicky Aryenyo

Ela estava desesperada por causa da sua doença e da solidão que vivia. Eis que um dia, chegaram Rose e os voluntários do Meeting Point. E, com eles, “o encontro que fez a minha vida ressurgir. Porque se ela é capaz de me olhar assim, imagine como será, então, o rosto de Deus!"

Estou feliz por estar aqui. Trago o amor da Uganda, da minha família e de toda a família do Meeting Point Internacional. Quero compartilhar com vocês a viagem da minha vida. Cresci em uma pequena vila na Uganda oriental, onde vivia sozinha com minha mãe. Num determinado momento, ela ficou doente de câncer e, sendo a única fonte de renda que tínhamos, precisei parar de estudar para ajudá-la a sobreviver. Em Kampala, encontrei trabalho no setor de contabilidade do hospital, onde trabalhei por dez anos; depois, casei-me e tive dois filhos. Em 1992, durante a terceira gravidez, começaram os problemas com meu marido: ele queria que eu abortasse, dizia que se eu não o fizesse nosso casamento estaria acabado. Não conseguia entender, mas escolhi levar a gravidez até o fim. Devo dizer que meu marido tinha dito a verdade, porque me deixou. Em 1996, meu filho mais novo manifestou sintomas de tuberculose; os médicos me explicaram que essa doença se desenvolve apenas quando o sistema imunológico não consegue mais responder. Segundo eles, assim que meu filho começasse a se alimentar, o sistema imunológico seria restaurado. A vida continuou. Porém, alguns meses depois, tive herpes, sintoma de uma outra doença; mas, na época, ninguém conseguiu me dizer a verdade.

Por que eu?
Em 1997, senti-me muito mal e precisei parar de trabalhar. Assim, perdi meu emprego e a vida ficou mais difícil. A doença continuava a progredir, até que um dia desmaiei e acordei no hospital. Lá, me perguntaram se eu estava disposta a fazer um teste de HIV (naturalmente aceitei, o que mais poderia fazer?), e o resultado foi positivo. Foi um período muito difícil. Eu me perguntava: “Por que eu?”. Tinha sido casada e sempre fui fiel ao meu marido. Ali, entendi porque ele não queria a gravidez: provavelmente sabia que eu ficaria doente ou daria à luz uma criança doente. Quando, duas semanas depois, recebi alta, já era um milagre, porque via muitos morrerem perto de mim. Porém, não sabia que seria o início de uma outra viagem.
Quando cheguei em casa, descobri que meu filho estava gravemente doente. Fizemos o teste de HIV e, efetivamente, o resultado foi positivo. Foi ali que sofri mais, me perguntava: “Por que ele?”. Estava condenado a morrer ainda no útero de acordo com a vontade de seu pai, mas eu o protegi até seu nascimento; no entanto, aquele destino continuava a persegui-lo. Se meu marido estivesse doente, eu ficaria feliz porque ele era a causa de tudo. Mas, ao contrário, estava muito bem de saúde, tinha se casado novamente e não se preocupava mais conosco.
Não conseguia entender Deus: se apenas eu estivesse doente, poderia suportar, mas não meu filho. E parecia-me que Deus ficava em silêncio. Até 2001, vivi como se estivesse em outro planeta, nenhum dos meus amigos vinha mais me visitar. O que eu tinha feito para eles? Não tínhamos dinheiro, ninguém sorria para nós, todos nos odiavam como se tivéssemos provocado a doença pelos nossos atos.
Um dia, algumas pessoas vieram à minha casa. Eram voluntários do Meeting Point International, que provavelmente tinham sabido que na vila alguém estava morrendo. Vieram e me contaram o que faziam, encorajando-me a me unir a eles. Para mim eram mentiras! Nunca os tinha visto antes... Era impossível que quisessem realmente me ajudar, estavam fingindo. Voltaram outras vezes; eu simplesmente me negava a escutá-los, fechada em um casulo. Nesse período, meus filhos maiores não iam mais à escola; o terceiro também a tinha abandonado porque o professor o chamava de “esqueleto” e toda a escola ria dele. Eu não tinha ninguém com quem compartilhar essa dor e, quando pedi para falar com este professor, impediram-me de vê-lo.
Os voluntários falaram a Rose sobre a minha situação e, um dia, a trouxeram à minha casa. Rose sentou-se ao meu lado. Eu me afastava, porque não cheirava bem. Além disso, saía pus do meu nariz e da minha boca. Estava viva, mas meu corpo parecia estar em estado de putrefação. Continuava me afastando, mas Rose continuava a se aproximar, até que eu não sabia mais onde me colocar. Rose falava comigo, mas também daquela vez fechei o coração. Uma coisa era certa: não esperava nenhuma ajuda dela. Depois que eles foram embora, lembrei de uma frase de Rose, que tinha me provocado: “Se você não quer vir ao Meeting Point, dê-me pelo menos o seu filho, porque ele pode viver”. Essas palavras continuavam a ressoar em meus ouvidos. Então, um dia, resolvi ir até lá.

“Você tem um valor”
Quando cheguei, vi que havia música: estavam dançando! Não conseguia entender como os doentes pudessem dançar e ser felizes. Disse a mim mesma: “Não é possível!”, e voltei para casa. Os voluntários continuavam a acompanhar meu filho e, no fim, conseguiram me “capturar” por meio dele: quando começaram a prepará-lo para o tratamento, entendi que talvez poderia confiar e comecei a ir encontrá-los.
Um dia, Rose me convidou para ir à sua sala. Olhou-me nos olhos e disse: “Vicky! Você tem um valor e este valor é maior do que a doença! Você pode superá-la, só precisa reencontrar a esperança”. Fiquei em silêncio enquanto ela continuava me olhando. Só disse essas palavras, mas seus olhos falavam muito mais do que sua boca e me convidavam a acreditar neles, como se me dissessem: “Há algo acima de você no qual deve colocar a sua esperança”. Olhava-me com olhos cheios de amor que, para mim, eram como um raio de esperança. No entanto, com os lábios repetia apenas estas palavras: “Você vai ver que o tratamento fará com que seu filho sobreviva. Você precisa reencontrar a esperança, deve viver para ver seus filhos crescerem”. Porém, eu pensava: “Mesmo que meu filho se salve, onde encontrarei dinheiro para a comida? Como posso sobreviver, que milagre poderá acontecer?”. Quando cheguei em casa, algo continuava a se passar diante dos meus olhos, como num filme. No início da doença, fechei-me em mim mesma, rejeitada por todos. Desde então, aquelas eram as primeiras palavras que alguém dirigia a mim. Sentia dentro de mim algo que não consigo explicar. Assim, comecei a olhar aqueles olhos, que falavam comigo. Naquele dia encontrei Rose. Eu já a tinha visto tantas vezes, mas nunca tinha feito um encontro com ela. Mesmo agora, que estou falando sobre isso, eu o vejo como num filme.

Nos ombros de Cristo
Comecei, assim, a reconquistar a esperança e a frequentar o Meeting Point. Rose nunca repetiu aquelas palavras, mas seus olhos falavam comigo todas as vezes que ela me olhava. Quando percebi que, com o tratamento, a vida voltava em meu filho, foi o início da alegria na minha vida e comecei a entender que eu também poderia viver. Não importava em que condições. Todas as vezes que lembrava do rosto de Rose, pensava: se ela pode me olhar assim, como não será o rosto de Deus? Deus, de algum modo, também me olha pelo rosto de Rose. Ela me ofereceu seus ombros: foi Cristo quem me deu aqueles ombros para que eu pudesse me apoiar quando ninguém mais estava perto de mim, Cristo veio a mim e me deu esperança (a verdadeira!). Tudo começou com um encontro que fez minha vida ressurgir. Quando as minhas esperanças voltaram, até meu corpo começou a reagir: hoje, eu sou prova dessa realidade. Não sei explicar como tudo isso aconteceu, mas tenho um companheiro, um Amigo. Rose sempre esteve perto de mim e fez-me entender que Cristo sempre está ao meu lado, neste processo de sofrimento, que não consigo descrever de outra maneira.
Um ano depois, eu também comecei o tratamento, que continuo, desde então, junto com meu filho. Fizemos um encontro no qual nos apoiamos ainda hoje, que nos devolveu a dignidade. Tudo começou com Rose, que respondeu “sim” a um chamado. Como no episódio dos dez leprosos: Rose ajudou muitos, eu sou um daqueles dez que voltou até ela (mas onde estão os outros nove?).

Um milagre? Eis aqui: sou eu
Não conseguia entender porque Rose agia daquele modo. Foi só por isso que voltei. Vi que o Movimento é vivo, que não é uma simples associação, mas uma pessoa; o Movimento tem uma vida e gera a vida. Nós também podemos nos esquecer de Lázaro, que foi ressuscitado há tantos anos... Se nunca viram um milagre, aqui está um: eu! Porque estava morta e reconquistei a vida. É por isso que agora sou “escrava” deste Movimento, que me ajudou a entender qual era o meu destino e a reconquistar a esperança, acompanhando-me ao longo do caminho. Sobretudo, agora, sei que tenho uma família, a família do Movimento. Não tenho mãe, nem pai, não tenho marido, mas tenho um ombro sobre o qual me apoiar. Sou “escrava” do Movimento pela humildade que encontrei em vocês. Aqui no Meeting visitei a Mostra "A liberdade buscando vai, que é tão cara. Vigiando, redimir" (“Libertà va cercando, ch’è sì cara. Vigilando redimere”) e, quando soube que alguns detentos estavam lá, disse: “Eu também sou prisioneira, eu também fui condenada (o vírus mata), mas tenho a minha liberdade”. Todos podem ser livres, só há uma coisa a fazer: é preciso dizer “sim” quando o chamado chega. Negar dizer “sim” ao chamado significa permanecer prisioneiros.
Quando recebi os resultados do teste fiz um voto: nunca faria a ninguém a coisa terrível que meu marido fizera; mantive este voto até hoje e nunca deixarei de respeitá-lo; aprendi que Deus é meu marido e pai dos meus filhos. Eu o vi por meio de Rose, de padre Carrón, no Movimento; vi Deus operar em minha casa. Alguém poderia me perguntar o que aconteceu com meu marido: não sou o Juiz, eu o perdoei. Desde então, a minha liberdade tornou-se total. Aprendemos a dizer “sim” à cruz que devemos carregar e Rose aceitou ajudar-nos a carregá-la. O Movimento está conosco e não desistiremos desta tarefa. Obrigada.

Padre Carrón, que alegria ter lhe conhecido! Aquilo que mudou a minha vida foram os olhos de Rose, cheios de amor e de esperança, tão cheios de atração. Mas depois chega um momento, outros olhos, um olhar de vida e ressurreição. Não consigo explicar os sentimentos que tive assim que lhe vi. Senti o poder da ressurreição me atingir de repente, e por isso caí em prantos. Foi tão imprevisto e tão forte que até os meus joelhos começaram a tremer e não consegui controlar as minhas lágrimas, mesmo se estávamos em público. O seu olhar fará com que cresçam muitas pessoas que Deus sempre conduzirá a você. Eu sou simplesmente uma entre muitas. Isto me deu um vivo e renovado empenho em relação ao Movimento. Esta realidade é tão viva que eu me tornei escrava dela, tornou-se o início do caminho rumo ao destino. Aceite o meu amor. Sua filha, Vicky

(de uma carta escrita por Vicky logo após o Meeting)