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Passos N.111, Dezembro 2009

UM DIA... NO PRESÍDIO DE PÁDUA

Fim da pena: aqui e agora

por Paola Bergamini

Bledar “aprendeu a trabalhar” (e quis ser batizado). Alberto, com alguns amigos, fez a adoção à distância de trigêmeos. Wu, hoje se chama André, como um dos apóstolos... Entramos na penitenciária Due Palazzi, onde os dias atrás das grades se repetem sempre iguais. Mas uma pequena comunidade já está vivendo em um modo novo

Às 7h30, o carrinho do café da manhã inicia o seu trajeto. Para diante de cada cela: as portas abrem-se e, terminada a entrega, se fecham. Em uma das celas sente-se o perfume do café que algum detento já fez em seu fogareiro. Começa o dia no Due Palazzi, o presídio de segurança máxima de Pádua: 800 detentos, dez alas comuns, duas de alta segurança, duas de protegidos, aqueles que não podem entrar em contato com os outros detentos. Antes das oito, algumas celas abrem-se novamente para os presos – uma centena – que desenvolvem atividades de trabalho ou estudam, se dirigirem ao pavilhão e ao pólo universitário. Os outros esperam a hora de tomar sol, depois há o almoço e, se é dia de visita, o encontro com os familiares ou com o advogado. Depois disso, mais uma hora de sol, o jantar... Tudo igual, tudo se repete. No corredor da ala V, Marino e Salvatore se encontram. “Fiquei tocado com aquilo que você disse no sábado. Sobre o seu erro, a sua dor.” “Eu também, quando você falou das suas filhas. Senti-me em família. Quem sabe depois, se houver um minuto de pausa no Call Center, podemos conversar outra vez.” O tempo passado aqui dentro não é igual para todos. Há um ano, para alguns, insinuou-se uma novidade, uma semente de vida nova que mudou o cotidiano, mesmo para aqueles que têm escrito na sentença: prisão perpétua.
Percebo isso quando os vejo na lenta manhã nas cozinhas, na confeitaria, nos pavilhões, todas realidades de trabalho administradas pela Cooperativa Giotto, que há mais de dez anos trabalha dentro do presídio de Pádua (Passos nº 69, fevereiro de 2006). Tudo começou aí: do trabalho como possibilidade de fazer renascer a esperança em um ambiente onde não deveria haver mais esperança. “Nenhum assistencialismo. Aqui precisam trabalhar sério como em qualquer outro emprego. Não olhamos para o crime cometido, mas para a pessoa. Isso devolve a confiança e a dignidade. Nem sempre é fácil, mas a aposta é sobre este ponto”, explicou-me Nicola Boscoletto, então presidente da Cooperativa Giotto e hoje presidente do Consórcio Social Rebus, há três anos quando coloquei os pés no presídio pela primeira vez. Dois anos depois aconteceu a Mostra sobre os presídios, no Meeting de Rímini. Alguns dos detentos, junto com os guardas, saíram da prisão para trabalhar como guias na Mostra. Nós nos reencontramos. Estavam entusiasmados. Este ano, uns dez foram ao Meeting, alguns pela primeira vez. Muitos acontecimentos. Várias peças de um mosaico que se constrói dia após dia.
Na cozinha, reencontro Davide, um jovem napolitano: está distante, parece não me reconhecer, no entanto, na ocasião contou-me sobre si e sua família. “Cada um deles tem seu caminho pessoal para percorrer. Passado o entusiasmo de quem, como ele por exemplo, esteve no Meeting e viu uma coisa nova, inesperada, e voltou para esses quatro muros onde tudo parece negar a beleza vista, é necessário perceber que aqui também é possível viver a mesma experiência. Requer paciência porque os tempos não são os nossos”, me diz Roberto Fabbris, que há anos supervisiona o trabalho na cozinha. Nada é óbvio, nem mesmo para aqueles que vêm de fora trabalhar aqui. Nesse momento, do fundo, alguém me chama: “Estou fazendo isso para você. Vamos nos ver depois”. É Giovanni que, com as mãos, me mostra o talharim que sai da máquina de macarrão.
Na confeitaria, já começou a produção dos panetones natalinos, além da produção normal de doces para algumas importantes padarias e sociedade de catering de Pádua. Conversam enquanto continuam a encher forminhas com precisão e enfeitar biscoitinhos. “Estou satisfeito, aprendi uma profissão. Será útil quando eu sair daqui”, me diz Pjerin. No corredor, enquanto andamos até os pavilhões, Nicola cumprimenta um detento: “Até mais”. E ele respondeu: “Se você vier aqui, vai me encontrar sempre!”. Rimos.
Nos pavilhões onde são feitos trabalhos de reciclagem e na sala do Call Center(onde se efetuam as marcações para a rede hospitalar de Pádua) revejo alguns rostos: Franco, Salvatore, Alberto, Marino... Conversamos e tenho a impressão de que algo mudou. As pessoas são as mesmas, as incumbências também – à produção das malas e embalagens para objetos de valor, somou-se o concerto de bicicletas –, mas em alguns há uma consciência – se poderia dizer: uma paz – nova na execução dos gestos usuais. “Este ano, minha mãe veio me visitar”, me conta Bledar, albanês, em seu italiano fraco: “Não nos víamos há doze anos. Quando nos encontramos, nós dois choramos. Ela me disse: ‘O Senhor quis você na prisão para salvá-lo’. Ela tem razão. Tenho uma velha foto com meus amigos: todos morreram, alguns assassinados nos confrontos de gangues, outros por causa de droga. Se não me prendessem, ou estaria morto ou teria feito muitos estragos. Pensa, eu que nunca quis trabalhar, aqui aprendi isso também”. O que mais você aprendeu, Bledar? “A aceitar todos. Aqui, alguém me amou e me ama. Pedi para ser batizado. Escolhi como nome, João. Estou fazendo o catecismo com padre Lucio. Encontramo-nos na Escola de Comunidade aos sábados de manhã. Eu agora sou livre. Depois de um mal vem um bem.” Quando você vai sair daqui, Bledar? “Nunca. A gente se encontra no almoço.” Sorri.

“Apostamos tudo”. Nicola e Andrea Basso – presidente da Cooperativa Giotto – me contam que, há um ano, depois da experiência do Meeting, surgiu a ideia de fazer Escola de Comunidade ali aos sábados de manhã com Gino Gatti, um adulto da comunidade de Pádua, que não tem nada que ver com o presídio. “No início, estavam cautelosos. Não acrescentaria nada ao currículo carcerário deles. Para que poderia servir? Pedimos que ficassem conosco. E nós com eles. Apostamos tudo. Para mim, foi como o reacontecer daquele encontro ocorrido há tantos anos. É um gesto de uma pureza essencial. Agora, no almoço, eles podem lhe contar. Doze participam do grupo.” Agora, começo a intuir: um Acontecimento que muda.
Às 13h, comemos em uma saleta atrás dos pavilhões. Lanço a pergunta: então, o que mudou? Marino é o primeiro a responder: “Eu mudei. No dia 15 de junho vieram alguns frades aqui na prisão para celebrar a missa de Santo Antônio. Nesse dia, conheci padre Lucio. Pedi para me confessar. A última vez foi há doze anos e só falei mentiras. Desta vez, fui sincero. Chorei durante toda a missa. Fizemos Escola de Comunidade. Olha, é um lugar onde se pode falar, somos como uma família. Coisa que não acontece na prisão. Não forçar soluções. É preciso pedir. Aprendi a pedir não apenas as coisas materiais, mas algo mais. Por exemplo, peço para aprender como mostrar o caminho aos meus filhos. Peço por eles. Você pede e basta. As respostas superam as expectativas”. Franco intervém: “Na Escola de Comunidade posso falar porque não sou julgado. Na prisão, você é visto por todos – detentos e guardas – só e apenas pelo crime que cometeu. No bem e no mal. Aquilo permanece para sempre. Nós mudamos. Entenda: nós somos uma pequena comunidade”.

O último comunista.Vejo Salvatore na ponta da mesa. Ele também mudou: parece estar com menos raiva, menos tenso. Digo isso a ele e pergunto sobre seus exames universitários. “Parei de estudar. Agora somos em três na cela, e é difícil estudar. De qualquer forma, obrigado pelo cumprimento. Olha, somos sinceros na Escola de Comunidade, nas alas cada um fica no seu canto. Aqui, você se coloca diante da realidade e pode falar sobre o seu crime. É diferente encarar o próprio erro com eles. Estou começando a aceitar a minha situação. Mais: posso construir a minha vida aqui dentro. Tudo isso foi possível porque encontrei pessoas que me fizeram entender o que é o bem e o que é o mal. A partir daí, a pessoa faz a comparação com a própria vida. Como quando Rose Busingye (a enfermeira que acompanha doentes de Aids em Kampala, Uganda; nde) veio nos visitar.” Rose? “Veio aqui no dia 14 de agosto”, me diz Andrea. Mexeu com todos. “Ela me lembrou a Madre Teresa”, me sussurra Bledar, o albanês. “Marino, Alberto e Franco, por intermédio dela, fizeram uma adoção à distância de três gêmeos africanos. Eu também pedi para adotar”.
Enquanto conversamos, um detento, com discrição, se levanta, cuida para que não falte nada à mesa. “É Zahariev, o último ‘verdadeiro’ comunista búlgaro. Define-se ateu, mas está sempre conosco. Gosta de nós. Hoje está feliz por estar aqui”, explica Nicola. Vejo-o na porta, os olhos azuis arregalados. Não perde uma palavra. Marino continua: “A Escola de Comunidade foi uma oportunidade. No início, estávamos curiosos. Depois, entendemos que poderíamos falar com sinceridade. E isso nos aproxima de Deus. Falamos sobre coisas reais que nos levam a Cristo”. “Fico triste, porém, com aqueles que estão mal...”, comenta Alberto. “Escuta, agora olho para mim”, o interrompe Franco, “Olho a realidade de frente. Se estou bem, posso ajudar os outros. Como disse Rose: se você muda, depois, como Deus quiser, mudará o mundo. A partida está sempre aberta”. Max diz: “Agradeço a Deus pela Escola de Comunidade. Ela alegra meu coração. É a primeira vez que faço uma experiência do gênero e sou cristão há mais de quarenta anos. Deus está presente quando nos encontramos, nos disse padre Luigi (o capelão do presídio; nde), algo está se movendo entre nós. Deus está na minha vida, não apenas na Bíblia. Para mim, abriu-se um novo horizonte. Não conseguimos explicar tudo, há o Mistério de Deus. Isso me deixa mais livre porque Deus faz aquilo que deve fazer”.
Voltamos a falar sobre o Meeting. Amin participou pela primeira vez. E também foi sua primeira saída da prisão. “Estava agitado. Sou muçulmano e exatamente naqueles dias começava o Ramadan. Liguei para minha mãe para perguntar o que deveria fazer. Ela me respondeu que poderia adiá-lo por uma semana. A certo ponto, vendo todas aquelas pessoas, me perguntei: como pude cometer tantos crimes?” Giovanni me faz sinal com as mãos: “Você sabe que me tornei avô? Meu neto tem meu nome. Eu também quero lhe dizer uma coisa: nunca rezei a Deus e Ele me enviou essas pessoas que me amam. Vou à Escola de Comunidade porque gosto. Escolhi estar na ‘fraternidade’ da Camorra e recebi apenas mal. Sou do Movimento e a ‘fraternidade’ de CL aconteceu para mim e me trouxe apenas bem”. Perto de mim, Davide ainda tem o rosto sombrio. “Para mim foi apenas um ano difícil. Eu me fechei.” Francesco diz: “Você deve dar a partida”. E Marino conclui: “A iniciativa é de Deus”.

“Por que me ajudam?”.É tarde. Precisam voltar, alguns para a cela, outros para o trabalho. Na prisão, o jantar é às 16h30. Às 20h, todas as celas são fechadas. Um a um, despedem-se de mim. “Olha, quero que você conheça os detentos da condicional que saem todos os dias para trabalhar nas empresas administradas pelo Consórcio Rebus. Vivem em uma ala separada da prisão”, me diz Nicola.
Encontramo-nos no Centro de Convenções Albino Luviani, em Pádua. Alvarez trabalha há seis meses na manutenção do jardim. “Assim que entrei em condicional perguntei a Nicola onde poderia continuar fazendo Escola de Comunidade. Queria me inscrever porque não posso deixar de fazê-la. Nunca trabalhei, só agora entendo os sacrifícios de meus pais. Parei de me lamentar. Sei que preciso pagar, mas nunca pagarei a minha dívida. Aprendi a ser humilde. Tudo mudou com estes amigos. Uma noite, quando estava diante da janela, dei-me conta do que estava acontecendo e comecei a rezar o Pai Nosso.” Alvarez foi ao Meeting no ano passado e neste ano. “Fiquei impressionado pelo fato de eles não terem se esquecido de mim.” Maurizio, que trabalha na restauração, também foi com ele: “Na primeira vez que fui ao Meeting, fiquei muito tocado. Percebi que eu não tinha relacionamentos. Quando voltei para a prisão, chorei. Chorava enquanto lavava as panelas. Não fiz isso nem no dia da sentença do tribunal. A um certo ponto, disse a mim mesmo: como pude fazer tanto mal? Na prisão, encontrei alguém que acredita em mim. Então, Deus existe. Parei no ponto e agora Ele é o meu motorista”. Rimos. Wu Ye terminou de cumprir a pena. Agora é livre. Mas ficou com esses amigos. “Quando entrei na prisão pensei que não tinha mais nenhuma esperança. Tudo acabado. E, ao contrário, no Due Pallazzi, tudo mudou. Eles se empenharam para que eu não fosse extraditado para a China. O que, para mim, significava pena de morte. Perguntei-me: por que eles estão me ajudando? Foi Jesus quem me fez encontrá-los. Então decidi: quero ser batizado.” Que nome você escolheu, Wu Ye? “André.”
Bledar e Wu Ye. João e André. Como os primeiros apóstolos.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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