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Passos N.106, Julho 2009

IGREJA - SÃO PAULO

Entrevista com Reiner Riesner

por Pietro Alfieri

O mundo do apóstolo de Tarso: “assemelha-se ao nosso: a fé também era reduzida a sentimento ou a uma série de valores éticos”. Também ali a mudança do homem só podia vir de um fato: “Encontrei o Ressuscitado”. RAINER RIESNER, teólogo protestante, explica por que a ruptura entre crer e saber prejudica o homem e o conhecimento. E fala sobre Dom Giussani...

A Europa de hoje está cada vez mais hostil à Igreja. A fé cristã é reduzida a uma das muitas ofertas no supermercado das religiões. A reivindicação de verdade é considerada arrogante, e os preceitos éticos, opressivos. Tudo isso é verdade, mas dois mil atrás as coisas não eram melhores: o que um punhado de cristãos representava frente ao colosso do Império romano, onde predominava a cultura pagã do helenismo? No entanto, São Paulo o percorreu de ponta a ponta com uma certeza: “Tudo posso n`Aquele que me dá força”. Para Rainer Riesner, 59 anos, professor de Novo Testamento na Universidade das Técnicas, de Dortmund (Alemanha), “São Paulo é um dos mais importantes pais da Europa”. De fé protestante, Riesner é um dos maiores estudiosos da Igreja primitiva e autor de numerosas publicações sobre o apóstolo dos gentios.

Professor, como grande estudioso daquela época, quais analogias vê entre a época de Paulo e o mundo de hoje?
Embora com as inevitáveis e óbvias diferenças, entre a época paulina e a nossa há muitas semelhanças, e nem todas secundárias. A analogia provavelmente mais evidente está no fato de que o mundo de então começava a se tornar unitário. E isso acontecia pela difusão do helenismo. O pensamento, a estética e a cultura gregas eram, por toda parte, admirados e imitados, até se tornarem dominantes. Também o mundo contemporâneo está, em certo sentido, se unificando, naturalmente sob outras influências culturais: os meios de comunicação de massa homologam gradualmente os gostos nos âmbitos da música, da arte, da mentalidade. Outra analogia decisiva (e talvez mais delicada ainda) é a copresença – no seio dessa geral unitariedade – de diferenças irreconciliáveis. E exatamente como nos tempos de Paulo, também hoje a leitura que se faz dessas diferenças é marcada pelo relativismo: exclui-se que uma religião possa ser portadora de verdades; no máximo, admite-se que toda religião contém verdades parciais. Com isso, só restam duas alternativas: cada um escolhe o seu culto preferido; ou cada um constrói o sincretismo que melhor se adapta ao próprio gosto ou à própria sensibilidade.

O que o senhor diz leva ao tema das múltiplas formas de redução da fé cristã...
Tal como São Paulo, também nós somos muito desafiados por essa situação. Devemos prestar atenção às perguntas que emergem na sociedade contemporânea, mas não deixar que as contingências determinem a substância das nossas respostas. Nesse sentido, hoje um primeiro perigo é estarmos de acordo com um certo senso popular predominante, o qual gostaria de reduzir a fé a mero sentimento. A essa concepção devemos contrapor de forma absoluta a reafirmação do componente essencialmente racional do cristianismo. Também Paulo era muito claro a esse respeito: experiência e sentimento não podem jamais ser separados da verdade, e esta última é questão eminentemente ligada à razão. Uma outra redução origina-se na moderna sobrevalorização do componente ético. A consequência é que se tende a reduzir o cristianismo a uma série de valores considerados essenciais à manutenção da ordem social dominante. Mas também aí o ensinamento de Paulo não deixa espaço a qualquer tipo de ambiguidade: o Cristianismo é, antes de qualquer coisa (aí incluídas as consequências morais), a ligação da nossa pessoa humana com a pessoa divina de Jesus Cristo.

Torna-se, então, central o papel do testemunho na relação cognoscitiva entre o homem e o Mistério.
Exatamente. A ligação de que Paulo fala não pode ser transmitida somente como conteúdo teórico e dialético. Existe um potencial de persuasão que apela à totalidade da nossa humanidade. Por isso, o papel da testemunha é decisivo, como nos indica, aliás, o próprio exemplo de Paulo. Imaginemos a reação daqueles que, conhecendo-o como um dos principais inimigos do Cristianismo, o viram, de um dia para o outro, apresentar-se como um apóstolo apaixonado! Como isso pôde acontecer? A resposta de Paulo é clara e firme: “Encontrei o Ressuscitado!”. Ora, quem dos seus contemporâneos poderia negar essa origem da sua clamorosa mudança, ou dar outra explicação? Justamente essa evidência incontestável é o que torna Paulo, inclusive para nós, uma testemunha particularmente crível e eficaz.

Um dos pontos centrais da pregação de Bento XVI é o apelo à superação da ruptura entre saber e crença. Como o senhor reage a essa provocação?
A função de Bento XVI é absolutamente decisiva, hoje. Estudando Paulo me convenci de que a fé é uma coisa integral, que envolve o homem todo. E isso é muito lógico, porque estar ligado a Deus tem que coincidir com o estar ligado a toda a realidade. O Papa – ouvido por muitíssimas pessoas no mundo, mesmo que discordando dele – dá uma contribuição enorme ao concentrar toda essa enérgica insistência na indissolubilidade entre saber e crença. Esse discurso, aliás, é verdadeiramente decisivo no âmbito da educação, em particular na educação dos jovens. Eles precisam, antes de tudo, experimentar que o cristianismo leva a sério suas perguntas essenciais. Os cristãos podem, talvez, não possuir de imediato todas as respostas às questões da atualidade – aliás, é sobre essas questões que deveria estabelecer-se um diálogo mais amplo – mas isso não impede que o cristianismo se apresente como a resposta às exigências fundamentais do ser humano.

O senhor conhece há tempo Dom Giussani. Que avaliação faz da obra dele e do carisma que dele nasceu?
Um dos aspectos de Dom Giussani que mais me fascinam é o modo como enfrentou a crise de 1968. Os que, como eu, viveram aqueles acontecimentos pessoalmente sabem como foram anos de profundas mudanças no campo da cultura e dos costumes. Ao mesmo tempo, a característica mais marcante dessa fase – apesar de certas atitudes só de fachada – foi a instauração de um clima de profunda incerteza antropológica, cujas deletérias consequências são bem visíveis até hoje. Também no âmbito cristão nos vimos questionando se, em última análise, o aspecto humanamente decisivo não seria a questão social ou, até mesmo, a revolução social. Em sua parcialidade, essa impostação levaria inevitavelmente à supressão de outras demandas, a primeira das quais seria aquela sobre Deus. A contribuição histórica de Giussani foi a de permanecer firme na atitude de testemunhar que, quaisquer que fossem as condições em que o ser humano vivesse, nada é mais importante para ele do que a pergunta sobre a identidade de Jesus Cristo. Essa intuição profética acabou se confirmando: quem quer construir uma sociedade sem Deus acabará caindo numa sociedade desumana.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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