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Passos N.105, Junho 2009

TESTEMUNHOS - A FUNDAÇÃO PICCININI

A herança de um homem vivo

por Fabrizio Rossi

Nos bancos escolares, no laboratório, na universidade. E nos melhores hospitais das terras além-mar. Um “sim” a Cristo que continua a gerar frutos inacreditáveis. Depois de dez anos da morte de Enzo Piccinini, aqui está a aventura de amizade nascida de “um cirurgião que sempre preferiu os fatos às conversas”.

“O que nasceu de Enzo? A lista é grande”. Na noite de 26 de maio de 1999, Enzo Piccinini, cirurgião e um dos responsáveis pelo Movimento Comunhão e Libertação na Itália, perdia a vida. Depois de um dia duro no hospital, tinha participado em Milão de um encontro com alguns universitários. Enésimo testemunho de seu “sim” a Cristo, uma adesão que não conhecia medidas nem descanso. Na entrada de Modena aconteceu o acidente. Para Giampaolo Ugolini, que desde seu último ano de Medicina (hoje é diretor do Hospital Sant’Orsola, de Bolonha) trabalhou ao seu lado, “como bom cirurgião, Enzo sempre preferiu os fatos às conversas”. Por isso, dez anos depois de sua morte, continua a gerar uma série de frutos inacreditáveis.
Muitos destes fatos não chegarão às páginas dos jornais, mas existem: ex-pacientes, pessoas que descobriam a fé, muitos jovens que graças a ele encontraram a vida. “São muitos, os seus filhos”, escreve Giancarlo Cesana na introdução do livro recém-lançado por Emilio Bonicelli, na Itália: Enzo. Uma aventura de amizade. Mas alguns deles tornaram-se conhecidos, como a escola “La Carovana”, aberta em Modena em 1979 por iniciativa de Enzo e um grupo de pais, que hoje acolhe mais de 500 alunos do maternal ao ensino médio; o Grupo Amistad, que sustenta à distância algumas crianças de Humocaro, região venezuelana onde vive como monja uma irmã de Enzo. Há, ainda, um desses frutos que se destaca: a Fundação Enzo Piccinini, “criada em 2002 por seus amigos mais próximos para levar adiante os ideais que o moviam”, explica o presidente Massimo Vincenzi. Uma obra que hoje atua em muitas frentes: do apoio a realidades educativas como “La Carovana” à organização de um arquivo sobre a vida de Piccinini, do desenvolvimento de projetos de pesquisa à colaboração com universidades italianas e estrangeiras. E o empenho da Fundação concentra-se exatamente na área em que Enzo trabalhava, continuando assim a sua atividade: “Enzo, como médico e como homem, deixou uma herança que não ficou dispersa”.

DOENTES DE VIDA
. Os relacionamentos, antes de tudo, eram a preocupação de Enzo Piccinini. Cultivados em muitas viagens e períodos de trabalho no exterior (dos Estados Unidos à França, da Inglaterra à Argentina), sem os quais a Fundação não poderia fazer muitas das coisas que faz. Um exemplo? “Em junho, Isacco Montrini, um colaborador meu, irá a Boston – conta o doutor Ugolini – fazer especialização no Massachusetts General Hospital”. Um dos melhores hospitais americanos: 900 leitos, 56 salas de cirurgia e um orçamento de mais de 500 milhões de dólares para investir em pesquisa. Onde, todos os anos, mais de mil candidatos à especialização fazem pedido para conseguir um dos doze postos disponíveis. Como um jovem de Bolonha fez para vencer esta concorrência? “Também por causa da estima que alguns médicos de Boston têm por Enzo, que agora continuam a ter conosco”, explica Ugolini. Por exemplo, o doutor Glenn La Muraglia, cirurgião vascular no Massachusetts General Hospital, que conheceu Enzo em 1987, afirma: “Todas as manhãs eu o via chegar de bicicleta. Percebi que aquele jovem, colocado em um mundo distante anos-luz em relação à formação recebida, precisava de uma ajuda. E resolvi acompanhá-lo”. Diante deste mestre, Enzo entendeu que precisava reaprender a ser médico. É a mesma experiência feita por Isacco que, graças a uma bolsa de estudos da Fundação, em 2006 passou um período no Massachusetts General Hospital: “Aprendi a estar atento a todos os particulares que o cuidado de um paciente requer – conta –, sem esquecer que isso não o define. Se fui aceito em uma das mais importantes instituições dos Estados Unidos, é pelo crédito imerecido que chegou a mim por meio dos relacionamentos firmados pelo doutor Piccinini antes, e por Giampaolo, depois”.
“Sempre nos dizia: ‘Aproximem-se das pessoas!’ Dizia que esses relacionamentos seriam decisivos”, lembra Giampaolo. E eles o escutaram, primeiramente cultivando uma amizade com quem tinha conhecido Enzo, como Lodovico Balducci, oncologista de fama internacional do Moffitt Cancer Center, em Tampa, na Flórida. Maria Lauriola, pesquisadora da Universidade de Bolonha, passou um período no Moffitt graças ao apoio da Fundação e conta: “Tudo nasceu da amizade entre dois grandes homens. Nunca conheci o doutor Piccinini, mas a profundidade dos laços que criou, fala agora por ele. A ponto de fazê-lo um amigo presente também para mim”. Senão, porque um expoente da medicina, que ela nunca tinha visto antes, a convidaria para passar o Dia de Ação de Graças com sua família? “Se me concedeu tanto foi em nome da estima que tinha por Enzo”. E a rede se espalha: “Na Brown University de Providence, conhecemos o cirurgião Victor Pricolo – conta Ugolini –. Queria fazer algo em memória do pai, um conhecido oncologista italiano”. Assim, nasceu um intercâmbio de estudantes. E foi criada até uma Bolsa de Estudos dedicada a Piccinini.
Em suma, os anos passam mas Enzo ainda está agindo. Através das mãos dos seus amigos e das atividades da Fundação. “Os pacientes nos procuram, vêem que o relacionamento com ele continua”, conta Ugolini. De toda a Itália, pedem um conselho, enviam os dados clínicos de um caso delicado. “E nós os enviamos aos amigos dos Estados Unidos, assim, o doente pode receber um parecer dos médicos mais conceituados. Sem se deslocarem: via e-mail...”. Exatamente como fazia Enzo, que de qualquer viagem, voltava com pacotes de diagnósticos debaixo do braço: “Ele os distribuía a nós e, juntos, procurávamos o melhor cuidado para aqueles que lhe haviam pedido”. Uma maneira de trabalhar que não se encontrava com frequência. E que continua a espantar: “Uma paciente nos disse: ‘Nunca vi pessoas assim. Só lhes peço uma coisa: não parem de fazer isso’ “. Não pararam.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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