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Passos N.105, Junho 2009

RUBRICA

Cartas

“VOCÊ É DO MOVIMENTO OU ESTÁ NO MOVIMENTO?”
Caro padre Julián, estes Exercícios me despedaçaram. Fui embora muito entusiasmada, desejosa de viver este momento como uma ocasião de grande retomada. Digo-lhe de boca cheia: em vinte anos de Exercícios, esta é a primeira vez que me acontece voltar com uma sensação de angústia profunda. Mas como? Depois de trinta anos de Movimento você chega para me desnortear dessa maneira? Estou com raiva e você sabe por quê? Conto um episódio: Era 25 de setembro de 1988, meu filho tinha um mês. Meu diretor me telefonou (sou anestesista) e disse: “Esta noite, precisamos cuidar de um paciente terminal, alguém do seu grupo e também está aqui um padre, também do seu grupo. Venha!”. O paciente era o pai de Cilla e o padre era Dom Giussani. Cumprimentei a todos e, depois, me voltei com ar francamente imbecil a Dom Giussani e disse: “eu sou do Movimento”. Ele, sussurrando com sua voz rouca, olhando-me nos olhos, disse: “Mas você é do Movimento ou está no Movimento?”. Não respondi e carreguei essa pergunta durante anos e anos. Acho que encontrei a resposta verdadeira há um ano, acompanhando passo a passo o “Donda”, quer dizer, padre Danilo Muzzin, na companhia concreta feita de vigílias silenciosas mas permeadas pela Presença do Mistério que se fazia tangível, palpável naquele corpo transformado e sofrido e em suas poucas palavras capazes de testemunhar uma maneira diferente de morrer, porque, por Graça de uma história encontrada, tinha vivido de uma maneira diferente. Então, ali, me disse: essa é a eloquência silenciosa de uma humanidade verdadeira, eu também quero viver assim e essa história que nos colocou juntos (foi o próprio “Donda” que me arrastou para o Movimento em 1978) é a resposta às minhas perguntas mais profundas. Então, finalmente, eu estava pacificada, sentia-me “no” lugar e “em” meu lugar. E agora, você chega e me diz que “no fundo, nós também nos damos conta de que normalmente a imponência de uma experiência feita tende a desaparecer no dia seguinte...” e me fala de fé reduzida a sentimento, a ética ou cultura, etc, etc. Sabe qual é o problema? É que eu sei que você tem razão, porque se é verdade que na minha história me foi dado viver acontecimentos imponentes, também é verdade que eles ainda não mudaram radicalmente a minha vida, as minhas escolhas, as minhas decisões. Em poucas palavras, por meio destes Exercícios você me disse que tenho que refazer tudo. Você deve estar se perguntando por que lhe escrevi. Simples: porque levei um tombo, porque quando alguém sai de uma anestesia sente uma dor surda misturada com náusea e confusão mental e precisa de alguém que cuide do seu mal estar. Este alguém é apenas Ele, o Senhor, mas o seu abraço, sinal de uma história de trinta anos que me trouxe até aqui e veículo do abraço do Senhor Jesus é indispensável, neste momento, para que eu possa recomeçar.
Laura, Milão – Itália

ARRASTADO POR UMA INTENSIDADE DE VIDA
Minha família já faz parte do Movimento há 13 anos. Desde então, eu e meu irmão também temos participado. Sempre fui às férias dos colegiais, depois dos universitários (CLU), participei de retiros e assembleias. Apesar disso, nunca estive inteiro em nada do Movimento. Não conseguia reconhecer que essa companhia também era para mim, entendia o Movimento como uma experiência de minha mãe. Sempre me vi como alguém de fora, alguém capaz somente de observar como as pessoas viviam aquela experiência, mas nunca me vi dentro daquilo. Tudo no Movimento era muito difícil para mim. Desde entender o que Dom Giussani dizia até me comprometer com aquilo tudo. Na verdade eu simplesmente não me comprometia com nada e a Escola de Comunidade foi se tornando cada vez mais um dever, uma obrigação e, assim, uma coisa maçante de se fazer. Tudo parecia muito abstrato, um monte de teorias que eu não conseguia relacionar com nada em minha vida. Desse jeito vivi toda minha época de CLU. Em 2007 fui trabalhar nos Estados Unidos. E lá fiquei por quase um ano e meio. Foi nessa época que tomei a decisão de abandonar o Movimento completamente. Durante todo esse período decidi não ler a revista nem os livros de CL, e me afastei dos amigos que tinha conhecido na época do CLU. Ouvir minha mãe falar do Movimento me dava um mal estar muito grande, não queria escutar nada daquilo, mas mesmo assim ela sempre me mandava a revista Passos do mês que, claro, eu não lia. Eu sempre achei que para viver a Igreja Católica eu não precisava do Movimento. O que se provou uma grande besteira já que até mesmo minha fé eu passei a viver superficialmente. Eu escolhi viver assim e, tomando essa decisão, vivi o nada em tudo. Nada tinha sentido, nada tinha gosto, acordar cedo para trabalhar era um sofrimento e o trabalho mais me irritava do que me satisfazia. Minhas amizades eram superficiais, eu sabia e não me importava. Deixei-me levar pelo consumismo e pela superficialidade. Voltando ao Brasil em setembro do ano passado, tive o choque com uma realidade completamente diferente. Durante o período que estava fora, o Movimento em Campinas cresceu muito, tanto em número quanto em intensidade. Ver aquilo imediatamente me fez lembrar como eu tinha decidido viver nos Estados Unidos e o quanto tinha perdido com essa decisão. No começo deste ano o sinal que me faltava. O CLU organizou uma viagem ao Paraguai e meu irmão foi com eles. Na época eu estava em Brasília estudando e via à distância a animação dele com a viagem. Minha surpresa foi maior ainda quando ele voltou e vi como tinha mudado completamente. Estava muito mais vivo, vivendo tudo com mais intensidade. O Encontro. Olhando aquilo, a única coisa que eu pensava era que eu queria o mesmo, queria aquele olhar para mim também. A partir disso senti uma vontade muito grande de participar dos Exercícios do CLU, mesmo já estando formado. Era o que realmente me faltava. Lá me dei conta que quando reconhecemos Cristo presente em tudo e em todos é impossível que não mudemos nosso jeito de nos relacionarmos com a realidade. O Movimento me fez enxergar isso e, se aqui eu encontro pessoas que me ajudam a fazer memória de Cristo sempre, é aqui que quero ficar. É assim que quero viver, com toda intensidade e vivacidade possível. Por isso, depois de tudo que vivi nos últimos anos e, principalmente, nos últimos meses, resolvi entrar para a Fraternidade de CL, finalmente dando meu sim ao Movimento.
Luiz Guilherme, Campinas – SP

PRECISEI DAR UM NOME ÀQUILO QUE ACONTECE
Nesses últimos meses precisei encarar o sofrimento de meu filho que se manifestou novamente. Quando tudo estava se encaminhando para o melhor, minha família viu-se diante de um problema muito grande para ser resolvido, ao qual eu e meu marido nos sentíamos e nos sentimos impotentes e despreparados. Com todas as perguntas e a ânsia pelo presente e pelo futuro: o que está acontecendo com nosso filho, como ajudá-lo, como acompanhá-lo? E, depois: por que isso está acontecendo com ele e conosco? Ao mesmo tempo, no trabalho, aconteceram fatos surpreendentes. Minha colega, enquanto discutíamos sobre um assunto, me disse: “Você é a única pessoa que encontrei na vida (ela é atéia de extrema esquerda) que moveu em mim um ponto de curiosidade em relação à experiência da fé, é como se você tivesse aberto uma ferida que não cicatriza. Pensei que já tivesse resolvido essa questão na minha vida”. Durante uma reunião muito difícil com o chefe de polícia, enquanto discutíamos sobre uma questão muito grave e o policial tentava me encurralar de todas as maneiras, o responsável do meu departamento interveio: “Olha que minha funcionária é de CL”, como dizendo: é uma pessoa séria, deve lhe dar crédito. Você pode imaginar meu espanto ouvindo-o dizer aquilo, um militante convicto de esquerda, usar a nossa experiência para tornar crível e razoável o seu argumento. E, enfim, a experiência com o grupo de estudos dos colegiais. Com maravilha, olho para esses jovens que chegam entusiasmados na quarta-feira, cada vez mais numerosos e fiéis a este gesto simples de ajuda. Percebo que estar diante deles e da espera que demonstram em nossas conversas, me leva a perguntar por que, para quem eles olham e para quem eu olho. É bonito voltar para casa e, ao olhar os filhos, mesmo chateada porque eles não são como eu queria, recuperar um olhar de misericórdia e o pedido de conversão para mim e para eles. O que aconteceu não foi uma dinâmica natural ou imediata, mas o ceder à presença de rostos amigos capazes de olhar para meu filho, para mim e para aquilo que estava acontecendo de um modo que eu não era capaz. A grande novidade foi, então, surpreender-me de que havia algo de real que estava me desafiando, que desafiava tudo de mim e me constringia a dar um nome àquilo que estava acontecendo: Cristo. Aos poucos, volto a ter certeza de que aquilo que estava e que está acontecendo, seja de forma dolorosa ou aparentemente bela, era e é a meu favor e não contra mim. Começar a acreditar com certeza que é o Mistério que fez e faz todas essas circunstâncias certamente não está tirando o cansaço, a dor, o pedido de que a cruz me seja tirada ou que pelo menos seja poupada ao meu filho, mas me permite, neste momento, olhar e dizer sim ao caminho que Cristo está me indicando para que meu destino bom se cumpra.
Lucia

O desejo de sair
da neblina

Caro Carrón, estava na Escola de Comunidade (EdC) em que nos pediu para contarmos uma experiência de “inevitável incerteza” e sobre a maneira de enfrentá-la e fez com que todos fôssemos nos sentar de volta. Indo para casa, me perguntava: o que Carrón quis dizer – e o que queria dizer Dom Giussani – quando nos disse: “A razão serve para enfrentar a neblina da inevitável incerteza! Serve ao humano! Serve ao eu”? Na manhã seguinte, acordei com raiva. Com um certo incômodo em relação a mim mesma, continuava pensando que eu não era como gostaria de ser, que não sou capaz de fazer como os outros, que queria converter o pessoal do escritório e, no entanto, não sei dizer uma palavra. Se essa minha tendência a medir é a inevitável incerteza, é a não realização da esperança segundo a imagem que está na minha cabeça, pronto: já na manhã seguinte depois da EdC estava em meio a uma neblina muito densa. Tudo estava claro na noite anterior quando o ouvi explicar isso! O Mistério que fascina, que preenche a vida, que usa uma misericórdia humanamente não explicável esteve de maneira muito potente diante dos meus olhos no dia anterior”. Está diante dos meus olhos há meses, na verdade. Rostos, de carne, e músculos, que dizem que é possível estar pleno, sempre, mesmo na circunstância mais difícil. E eu estava ali, medindo. Então, pensei que era exatamente isso que queria nos dizer: que era preciso o meu eu. Porque eu, exatamente no dia seguinte, precisei refazer todo o percurso. Olhar novamente para a Escola de Comunidade, para o Retiro da Fraternidade, para os rostos, para os encarcerados de Pádua, para todos esses meses, até voltar àquele momento e àquela hora em que Seus traços inconfundíveis me fascinaram, fizeram-me perguntar: Quem és Tu que me quer tão bem? Levando-me a perguntar para quem estava perto de mim: “Mas, como você faz? Vou tentar fazer como você”. Há apenas uma diferença, hoje, em relação a um ano e meio atrás: que aquilo que posso voltar a olhar é realmente tanto que percebo, como você dizia, que todas essas objeções são inúteis, e o desejo é o de sair da neblina o mais breve possível.
Paola

A realidade em um minuto nos explicou tudo
“Entre a certeza da fé e a semente que ela é de uma certeza futura há um período que pode parecer incerteza, no sentido de que ainda não está delineada a figura deste futuro (...). Um dos aspectos pelos quais a memória de Cristo é tão frágil em tantos momentos da nossa vida é uma espécie de incerteza sobre Ele”. A circunstância do terremoto em Abruzzo fez brotar, de um lado, a minha imediata insegurança, medo, pobreza de fé mas, de outro, o reconhecimento da verdade do que estamos trabalhando na Escola de Comunidade, no sentido de que o homem não tem esperança se não tem fé, se não tem certeza agora. Sem esperança é possível seguir em frente, mas vive-se na angústia, no medo. É impressionante, raciocinamos durante meses sobre o que é a esperança, a fé, a certeza no presente. Depois, a realidade, em um minuto, nos explica tudo. Entendo porque Dom Giussani sempre nos disse que é preciso olhar a realidade, porque a realidade é o lugar onde a pessoa faz experiência. Depois desse episódio, minha mulher me pediu para rezarmos juntos à noite e para ajudá-la a voltar a se envolver com a nossa companhia, pediu para voltarmos a ler o livro da Escola de Comunidade. Em outras palavras, pediu Cristo para a sua vida, isto é, algo que possa lhe dar esperança e certeza ao olhar para as coisas, para os filhos, para o trabalho. “A fadiga da esperança é permanecer (...), a fadiga da esperança tem um modo de se exprimir. Qual? O pedido. É o gesto de pedir, a mendicância. Pedido ou mendicância de Cristo presente”.
Dino, Pescara – Itália

O que tem a ver a caridade com o trabalho?
Desde que me tornei diretora, antes de começar o meu dia de trabalho, leio o Ato de Caridade: uma caridade que sempre espero ter em relação aos meus funcionários e meus clientes. De fato, para mim, quanto mais se está no “alto”, mais responsabilidade se tem em relação aos outros, então, aumenta o risco de errar uma postura, uma palavra, porque, no fundo, somos humanos. Nunca disse isso a ninguém porque sei que não seria compreendida. Mas o que a caridade tem a ver com o trabalho, o que Deus tem a ver? Tem a ver se damos ao nosso trabalho a liberdade e a dignidade que ele deveria ter, eliminando aquela dimensão de egoísmo e injustiça que faz do trabalho uma experiência que acaba em si mesma.
Antonella, Todi – Itália

UGANDA
De encontro a encontro
Em abril de 2008, em uma carta, Rose, da Uganda, contou que alguns jovens, depois de ter encontrado Carrón, pediram para ser batizados. Ela, em um primeiro momento, pensou que fosse uma brincadeira, que era o ímpeto de um momento. Porém, na noite de Páscoa, 23 deles receberam o sacramento. Na carta, escreveu: “O que esses jovens viram em Carrón? Eu também quero ver esta beleza do Mistério que me lança em direção a Ele através de um testemunho”. Um ano depois, aqueles mesmos jovens tornaram-se testemunhas da novidade encontrada. Na Páscoa deste ano, 39 jovens receberam o Batismo, tendo como catequistas aqueles 23.

Aqueles mesmos jovens, este ano, deram aulas de catecismo aos seus companheiros de escola, prepararam a mostra dos Beneditinos feita no Meeting de Rimini, exposta em Kampala. Participaram dos Exercícios do CLU. E este ano, na noite do Sábado Santo, aconteceu o Batismo de 39 jovens. A partir de um rapaz chamado Luigi, um dos 23, chegou aos 39. Cada um de nós se perguntou: o que viram em Carrón? O que sentiram que eu não vi e não senti? Eu vi a normalidade do fato, não fiquei maravilhada, e pensei: isso vai passar. Conheço o africano! Porém, o tempo passou e não aconteceu o que eu pensei, se soltaram como nunca antes. Quem os encontra é atraído por sua maneira de estarem juntos, pelo olhar que têm, pela maneira como explicam as coisas. Ao explicarem a Mostra dos Beneditinos era como se tivessem entrado na Mostra, ela tornou-se parte deles. Cantam os cantos alpinos melhor do que quem os ensinou. Vi um modo novo de olhar as coisas e de viver verdadeiramente. Olhando para eles, também sinto-me atraída. E penso: mas eu ainda preciso ficar aqui raciocinando? Deus chama quem quer. Eu vi que é Ele e que passa através de um homem que disse o seu “Sim”. O importante é que eu reconheça e diga: “Sim, eu vi”. Eu também, como Dom Giuss, posso dizer: “Tenho este ‘sim’ e basta”, as outras coisas é Deus quem faz. E estou certa de que pertenço a Ele através da minha vocação de Memores. A minha missão é esta: que Deus Pai preferiu uma coisa que era nada e a salvou.

Um abraço.
Rose, Kampala (Uganda)



 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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