Histórias de certeza no dia a dia no Chifre da África. A carestia e a guerra. Três milhões não têm ideia de como chegar até o dia de amanhã. Mas Victoria sabe por que vale a pena permanecer ali
Aqui, como em nenhum outro lugar do mundo, a palavra “precariedade” está intimamente ligada à palavra “futuro”. Futuro também em termos de curtíssimo prazo. Estamos no “Chifre da África”, no auge da maior carestia dos últimos sessenta anos: oitenta mil mortos nos últimos quatro meses, três milhões de pessoas se perguntam como chegar até amanhã. Victoria trabalha no Quênia, Nairóbi, de onde coordena as atividades educativas da Fundação Avsi em Dadaab, a uma hora de voo, na fronteira com a Somália, um campo de refugiados atualmente tão grande quanto a cidade de Milão.
Ela chegou à África em 2007, durante os estudos em Ciências da Educação em Milão, graças a um estágio de três meses com a Avsi. Passados quatro anos, ainda está lá. Nos últimos três meses chegaram ao campo cem mil desesperados, 90% somalis, que fugiram da fome, da seca, da guerra, das epidemias, na maioria das vezes depois de ter enfrentado dezenas de quilômetros a pé pelo deserto. Em geral, depois de ter perdido mulher e filhos por inanição ou atacados por animais selvagens.
“Organizamos cursos de formação para professores e construímos escolas no campo”, explica Victoria. Mas como: as pessoas estão morrendo de fome e a Avsi fala de educação? “Muitas vezes fui aos meus chefes e perguntei: Mas por que estamos fazendo isso? Muitas vezes fui tentada a largar tudo e voltar para a Itália. Quando chegamos aqui vemos mil problemas e aqueles olhos que nos pedem tudo! Aí ficamos um pouco com eles, os refugiados, e conversamos; entendemos, então, o que eles precisam, além das necessidades primárias”. As mães querem que seus filhos possam aprender a ler e escrever, querem um lugar seguro onde as crianças possam estar durante o dia; porque a alternativa a isso é acompanhar os adultos na busca de água ou ir brincar no deserto, onde os animais selvagens estão sempre à espreita. O que querem mesmo é uma possibilidade de futuro, de esperança, para que elas e seus filhos possam um dia sair de Dadaab e refazer a vida. “Nós compreendemos que o coração deles é exatamente como o nosso”, continua Victoria.
“Em julho, caminhando em meio àquela fileira de tendas e barracas de trapos, logo ouço alguém falando italiano. É um somali, ex-professor, que aprendeu o italiano com seu avô. Estava recitando o poema À Silvia, de Leopardi. Embora distantes em termos de história, cultura e geografia, tínhamos algo em comum: a exigência de felicidade e beleza. De bem. Tenha o nome que tiver, cada um a busque como quiser, mas é a mesma coisa”.
Uma daquelas mulheres, curiosas ao ver Victoria, se aproxima, recolhe os cabelos de Victoria e faz uma trança, impecável. As mulheres riem: “Agora podemos ver o seu rosto”. “Talvez não as verei mais, em meio aos milhares de refugiados”, comenta Victoria: “Mas o sorriso delas vai ficar para sempre na minha mente”. Não têm mais nada, precisam de tudo. Mas sabem que pode existir algo diferente. “E eu vi esse algo diferente: para mim, a certeza de um bem tem o rosto de Cristo, que anos atrás encontrei através de algumas pessoas. Hoje eu o vejo naqueles que me acompanham diariamente, descobrindo cada vez mais as minhas necessidades e, portanto, desejando que também os refugiados possam ser despertados para essas exigências. Mas é preciso estar seguro de que não se trata de uma enganação; Ele e somente Ele pode satisfazer à necessidade humana, e às vezes se utiliza de nós. Não somos nós que vamos salvar essa gente, nem que fôssemos capazes de resolver todos os seus problemas. Mas não é para consolá-los com a miséria. Em Dadaab, veja, estamos com eles e não perdemos a esperança. Então, o que podemos fazer?, perguntamos. E passamos a ouvir o que eles desejam, de que coisa sentem necessidade. E constrói-se escolas no campo, não mais de lata, mas de tijolo. E coloridas. Basta pouco, mas quando alguém vê alguma coisa bonita, logo a reconhece. E isso foi o que fizeram comigo. Mas é sempre um desafio, um dever reconhecer o Cristo presente cada dia, sobretudo quando vem a vontade de mandar tudo para aquele lugar...”.
Bulle é um aluno do curso de formação, e tem 50 anos. Chegou a Dadaab pela Somália, há mais de quinze anos. Agora tem três mulheres e um monte de filhos. Foi professor do curso fundamental de quase todos os outros alunos do curso, por isso todos o respeitam muito, mas brincam com ele, porque se comporta como uma criança. “Um dia, fui visitar sua classe”, conta Victoria. “Eu estava com alguns professores quenianos. Bulle logo chama a atenção; em vez de pedir que se cale, eu lhe dou a palavra. Ele agradece de coração pelo que estamos fazendo e pela esperança que trazemos para eles e seus filhos. De uma coisa estou certa: vale a pena”.
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