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Passos N.107, Agosto 2009

RUBRICA

Cartas

A correspondência não é sentir-se preparado
Caro Carrón, sou professor. No ano passado, uma aluna minha de 15 anos ficou grávida e, por motivos óbvios, não veio à escola por algum tempo. Há cinco meses nasceu a menina e, na última segunda-feira, vieram me encontrar na aula, mãe e filha. Passados os clássicos cinco minutos de comoção, a menina deixa a criança nos braços de uma colega e, quando perguntei “como está?”, começou a falar sem parar sobre todos os problemas e dificuldades, inclusive as graves, que a vida e a presença daquela criança lhe estavam causando. Sobre a dificuldade econômica, sobre o fato de que começa a perceber claramente que não pode mais pensar na vida apenas a partir do que ela deseja, sobre as noites sem dormir e a dificuldade de estudar... Mas, sobretudo, me falou dos grandes problemas com o pai da menina e com sua família. Mas em um instante, no meio da conversa, a colega lhe devolve a criança. Ela se aproximou, pegou-a nos braços, a beijou, apertou-a contra o peito e, olhando para mim, disse: “Professor, como eu a amo!”. Aquela menina, que até um instante antes era fonte de todo problema de sua vida, logo depois tornou-se o ponto mais verdadeiro e belo. Sentei-me e entendi, naquele momento, que a correspondência não tem nada que ver com a tranquilidade, o “estar bem” ou o sentir-se preparado. A correspondência é um dado objetivo do real, um fato (aliás, um Fato) que se impõe e nos obriga, se somos honestos conosco mesmos, a dizer sim e abraçá-lo. Um Fato que não nos deixa em paz, mas que enche a vida de alegria e significado. E como é verdadeiro o que o senhor continua a repetir: o método é o do encontro! Sempre, não apenas no início. Do encontro com testemunhas da Sua presença, como na última segunda-feira com uma mãe adolescente. E a verificação da verdade daquilo que tentei lhe contar, da verdade daquilo que está acontecendo a ela é que, no ano passado, tinha na turma uma menina imatura e cheia de problemas. Na segunda-feira, vi-me diante de uma mulher – mas não apenas porque tornou-se mãe – madura, séria (é impressionante como ela estuda agora), que aceita até o fundo as circunstâncias da vida, pedindo ajuda. E que me educa.
Carlo

As flores nascidas
das ruínas

Esta manhã, saí de casa com um cansaço incrível tanto físico quanto moral. Continuava a pensar nas minhas ruínas pessoais. Mas, quando me assentei no banco do ônibus, meus olhos recaíram sobre um monte de entulhos empilhados em um canteiro de obras onde nasceu um tapete de papoulas vermelhas: “que maravilha!” No dia seguinte, quando fui ao terminal, tirei uma fotografia... Logo depois, comecei a pensar no trabalho que me esperava no escritório, e estava contente. É o trabalho mais bobo do mundo e, sobretudo, o menos gratificante, mas agrada a mim e a minha colega. Nosso trabalho consiste em jogar fora fichas velhas do arquivo e substituí-las por novas. Parece bobo, mas esse trabalho dá uma ordem e uma certa harmonia ao armário do escritório. Depois, chegou a condução e lá estava eu novamente pensando nas minhas misérias. Teria toda a viagem para pensar, mas quando entrei ouvi um coro gritando: “Oi Ilaria”. Pensei: “Quem diabos será?”. E eis ali os meus alunos de catecismo! Um mexia os braços para dizer “olha, também estou aqui”, outra veio até mim, pulou no meu pescoço e me beijou. Fizemos toda a viagem juntos conversando banalidades, eu, eles e sua professora. Chegamos no ponto e me despedi. Enquanto andava para casa, olhei para eles e pensei: “estas são as flores que nasceram das minhas ruínas!”. É realmente verdade que se temos o coração preparado e aberto, Cristo o vê em qualquer lugar.
Ilaria

Ter tudo e não ter nada
Caríssimo Julián, a carta que lhe envio é de Eleonora: sua tia faz Escola de Comunidade comigo e, vendo-a em crise, convidou-a para os Exercícios dos Jovens Trabalhadores.
Giulio
Tenho 22 anos e não me falta nada: tenho uma bela família, sucesso na universidade, uma pessoa ao lado que me ama, uma vida construída com empenho e dedicação. No entanto, um dia, aquilo tudo que tanto preenchia a minha vida e me levava a uma felicidade bastante assegurada, foi destruído sob os meus pés. A inquietude, a tristeza, um profundo sentimento de angústia chegaram com a impetuosidade de um furacão e tomaram o lugar de uma vida serena e tranquila. Mil perguntas sem resposta e mil por ques que não encontravam sua razão de existir, encheram a minha cabeça durante meses. E assim, mesmo que possa parecer estranho, sobretudo hoje em uma sociedade que nos ilude com a sacralidade do material, podemos estar desesperados até com 22 anos. Desesperados pelo medo de perder tudo, pelo medo de não conseguir ser coerentes com um projeto de vida pré-fixado por nós. No entanto, só agora compreendo que houve Alguém que quis embaralhar as cartas. Depois, recebi um telefonema: “Quer participar dos Exercícios Espirituais em Rímini?”. Fui, sem expectativas e, sobretudo, sem saber o que eu estava indo fazer (pensei que seríamos um grupo de umas vinte pessoas!). Pois bem, eu, crente mais por instituição que por vocação, naqueles três dias escavei com as mãos dentro da minha dor e comecei a ouvir não mais apenas o meu grito, mas o grito das outras nove mil novecentos e noventa e nove pessoas que estavam ali comigo. Mesmo que meu coração sempre tivesse percebido este grito nesses anos, foi mais simples (ou mais covarde) fazê-lo calar, concentrando-me nos mil empenhos. Só agora, depois desses três dias em que encontrei as respostas, compreendo que o sofrimento pelo qual eu passei, e pelo qual passo sempre, tinha um sentido profundo, muito grande para poder ser ignorado. Deus estava me chamando para si com a força e a paciência que só um Pai sabe usar com o próprio filho. Em um choro libertador, no aperto de um abraço que nunca tinha experimentado tão forte, disse sim. Sim à aceitação da minha dor como meio do qual Deus se serve para chegar até mim, sim à aceitação de um percurso que já sei que será cheio de dificuldades, sim ao amor a mim mesma, na consciência de uma fé verdadeira, autêntica, na presença de Cristo, que experimentei tão nitidamente em Rímini. Tinha tudo, mas me faltava tudo e com extrema alegria vi-me novamente pobre e mendicante.
Eleonora

Um chamado e um imprevisto
Tudo começou de forma tímida no ano de 2006, quando aceitei o desafio de me dedicar a montagem de um Curso de Bacharelado em Agroecologia para a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), onde leciono. Em fevereiro de 2007 o curso foi aprovado pelo Conselho Superior e, em abril de 2007, fui nomeado Diretor Adjunto do recém criado Centro de Ciências Agrárias e Ambientais (CCAA). Com estas duas grandes vitórias, iniciou-se um segundo desafio que foi montar o Projeto Político e Pedagógico do curso (PPP). A partir daí, eu e o coordenador, professor Francisco, começamos a trabalhar juntos. Após exaustivas e gratificantes horas de trabalho o PPP tomou forma e já era possível sonhar como seria o nosso primeiro curso superior. Nas etapas intermediárias e finais da montagem do projeto tive que me dedicar mais às atividades da Direção Adjunta do Centro, procurando agir rápido na infra-estrutura do curso. Portanto, o coordenador assumiu quase que sozinho o restante das tarefas. Em outubro de 2007, o coordenador concluiu a primeira versão do PPP e me chamou para entregá-la na Pró-Reitoria de Graduação. Alguns dias depois, realizamos uma reunião para tratar do projeto. Fomos muito elogiados pelo nosso trabalho, mas em seguida, uma professora fez uma indagação a respeito de uma disciplina que o coordenador havia colocado. Tratava-se da disciplina Ciências da Religião. Ela questionou a necessidade desta disciplina no curso e nos sugeriu retirá-la. O coordenador não aceitou e procurou justificar a inclusão da mesma dizendo que a religiosidade deve fazer parte da formação profissional dos estudantes, pois todo ser humano na sua trajetória de vida deve buscar entender o seu sentido. Depois deste encontro desejei dar alguma contribuição para a disciplina. Procurei Dom Petrini, Bispo Auxiliar de Salvador, e pedi sua valiosa orientação, pois queria incluir as obras de Dom Giussani na bibliografia da disciplina. Ele me indicou alguns livros e também pontos fundamentais para a ementa, como o tema da fé e razão. Em seguida, procurei o coordenador do curso e num papo descontraído propus as sugestões. Ele é Hare Khrisna e é uma pessoa bastante humana e aberta ao diálogo, e aceitou a proposta. Mas não bastava ter os livros de Dom Giussani elencados nas referências bibliográficas do curso. Foi aí que na qualidade de Diretor Adjunto, e aproveitando uma grande compra de livros que a UEPB iria fazer para todos os cursos da universidade, solicitei à Biblioteca Central a compra de vários títulos de diversas áreas do conhecimento e entre eles estavam os livros de Dom Giussani para compor o acervo da Biblioteca Setorial do CCAA. O tempo passava e nada de chegarem os livros até que, em abril de 2009, o nosso bibliotecário Zailton foi convocado para catalogar livros e me informou ter manuseado livros de Giussani entre milhares de outros exemplares empilhados. No dia 5 de junho de 2009, os livros já estavam prontos para serem distribuídos para toda a UEPB. Neste dia, peguei meu carro e me dirigi até a Biblioteca Central na companhia de Zailton para pegar os livros da Biblioteca Setorial. Ali, ao abrir as caixas, percebi o milagre que Cristo operou em nossas vidas. Entre livros de física, matemática, biologia, etc, os de Dom Giussani se destacavam para mim. Reuni os alunos que estavam ali pesquisando e não contive a minha alegria e comemoramos este grande acontecimento. Agora tenho a certeza de que muitos poderão ler as principais obras de Dom Giussani e muitos milagres irão acontecer para os que estiverem abertos a essa novidade. O meu trabalho também é minha comunidade e por ela e com ela eu aprendo o meu destino.
Messias, Campina Grande – PB

Um ponto de virada
que não acaba

Em abril do ano passado, minha irmã começou a participar do grupo dos colegiais de Comunhão e Libertação. Desde que começou a participar desse grupo, observei nela uma mudança como nunca pensei que fosse possível. Essa mudança deu a ela uma felicidade inacreditável. Este fator me fez desejar a mesma felicidade, a mesma profundidade com a qual ela agora percebe toda a vida. Embora, naquele momento, não entendesse o que tudo aquilo significava, intuía que, seja o que fosse que a tornava tão contente, eu também queria fazer experiência daquilo. Foi uma correspondência ao meu coração e, em novembro último, eu também decidi entrar para esse grupo. Seguindo o seu exemplo, experimentei a maior revolução na minha vida até agora: tomar consciência da Graça na minha vida e desejar poder reconhecê-la todos os dias. O que é ainda mais inacreditável é que me vejo vivendo essa experiência com a minha melhor amiga a quem, ironicamente, aprendi a conhecer melhor nesses quatro meses do que em quatro anos. Nos colegiais, a nossa amizade ficou mais forte, a maneira como a olho é mais bonita e somos mais tolerantes uma com a outra. Dom Giussani nos diz que nem todos recebem a graça de Deus ao mesmo tempo, mas aqueles que a receberam deveriam fazer todo o possível para levá-la aos outros. O Movimento despertou os desejos para minha vida e para a vida dos outros. A coisa mais bonita dessa revolução na minha vida é que não começou e não termina comigo.
Elisa, Toronto (Canadá)

Aqueles minutos antes do trabalho
Às 7h55 da manhã, Laudes, a seguir, leitura de uma página do livro da Escola de Comunidade, café e o dia de trabalho pode começar. Já faz dois anos que eu e meu amigo Silvio, às vezes acompanhados de outros colegas, começamos o dia desse modo. Às 7h55 ainda se está sonolento e, às vezes, por causa do cansaço, ao ler o texto pulo uma linha ou troco uma palavra por outra. “Não importa”, digo a mim mesmo, “amanhã ficarei mais atento” e, no dia seguinte, chego cinco minutos mais cedo, leio tudo antes da chegada de Silvio e dos outros, para tentar fazer aquele gesto melhor do que no dia anterior. Começar o dia de trabalho com o pedido de que Jesus me dê a graça de reconhecê-Lo nos colegas, ou nas dificuldades do trabalho ou quando o chefe nos dá uma bronca, me permite viver muito mais séria e serenamente aquilo que eu sou chamado a obedecer naquele instante. O dia torna-se mais pleno, as distrações do cotidiano estão sempre ali, prontas para me absorver, mas o olhar de uma pessoa, um colega ou a foto de Dom Giussani pendurada num canto do meu escritório me lembram o pedido com o qual comecei o dia. E é como se ele tomasse conta de mim novamente ou, talvez seja mais justo dizer que é como se eu decidisse, naquele instante, reabrir os olhos e deixar-me abraçar novamente pelo Mistério, por aquela presença que desde às 7h55 sinto mais próxima.
Alessandro, Brescia (Itália)

A fidelidade ao encontro
Meu primeiro encontro com CL foi no ano de 2002. Morava no Rio de Janeiro e fui me confessar com padre Gilson, pois estava muito triste por ter terminado um namoro. Então ele me disse: “Venha conhecer meus amigos”. Naquela época eu estava terminando o colégio e conheci o padre Paulo e a Inês, que eram fascinantes. Num desses encontros conheci a Maria Helena (Lena), professora de enfermagem de uma universidade pública. Era o meu sonho estudar lá, porém era quase impossível. Estudei minha vida inteira em escolas públicas, não estava preparada. Depois desse encontro eu nunca mais a vi e mudei de bairro. Entrei em uma universidade particular e depois de um ano e meio consegui transferência para a universidade pública, pois tinha boas notas. Foi um grande milagre na minha vida. Em 2004, na aula de Saúde Pública, entrou na sala um rosto familiar. Pensei de onde eu conhecia aquela pessoa, até que consegui me lembrar: era a Lena. No segundo dia de aula eu me sentei na primeira fila. De repente a professora para e diz: “Eu conheço você. De onde é?” Meio sem graça, disse: “do Movimento”. Ela ficou radiante em me encontrar. Disse que procurou por mim, mas ninguém tinha meu contato. Aí nasceu nossa amizade e o reencontro com o Movimento. Começamos a fazer Escola de Comunidade na universidade, rezávamos o Ângelus, almoçávamos sempre juntas. Em 2006 me formei e vim morar em Brasília. Aqui tudo se tornou difícil: eu queria encontrar aqueles mesmos rostos que tinha deixado no Rio, e tinha que andar 50 Km para fazer Escola de Comunidade. Deixei de ir aos encontros, mas sentia muita falta. Podia tudo estar bem ou tudo estar mal, mas faltava “Aquele Algo”. Conversei com a Lena várias vezes e ela sempre me dizia “fique perto da Sêmea”... Desde março desse ano eu aceitei e tantos milagres aconteceram. Cíntia e Ana Maria vieram à minha casa e falaram sobre a experiência delas no Movimento para seis casais da minha comunidade. Todos gostaram do que ouviram. Há três anos que moro aqui e sempre desejei esse momento e ele aconteceu. Fiquei cheia de gratidão por Ele. Ana Maria me disse: “Seja fiel, mesmo que seja só você e seu esposo”. A partir daí começamos um grupo de Escola de Comunidade e desde o primeiro encontro veio só um casal: a Marinete e o Nazin. Na última Escola de Comunidade eu estava triste por não ter ido ninguém novo, só nós novamente. Mas eles me disseram: “Para mim esta sala é como se estivesse cheia, não viemos só pra te agradar. Viemos porque isso é para nós”. É incrível como Cristo responde e como Ele está presente em tudo. Rezo para que sejamos fiéis àquilo que Ele nos confiou.
Audréia, Planaltina - DF

Aqueles minutos antes do trabalho
Às 7h55 da manhã, Laudes, a seguir, leitura de uma página do livro da Escola de Comunidade, café e o dia de trabalho pode começar. Já faz dois anos que eu e meu amigo Silvio, às vezes acompanhados de outros colegas, começamos o dia desse modo. Às 7h55 ainda se está sonolento e, às vezes, por causa do cansaço, ao ler o texto pulo uma linha ou troco uma palavra por outra. “Não importa”, digo a mim mesmo, “amanhã ficarei mais atento” e, no dia seguinte, chego cinco minutos mais cedo, leio tudo antes da chegada de Silvio e dos outros, para tentar fazer aquele gesto melhor do que no dia anterior. Começar o dia de trabalho com o pedido de que Jesus me dê a graça de reconhecê-Lo nos colegas, ou nas dificuldades do trabalho ou quando o chefe nos dá uma bronca, me permite viver muito mais séria e serenamente aquilo que eu sou chamado a obedecer naquele instante. O dia torna-se mais pleno, as distrações do cotidiano estão sempre ali, prontas para me absorver, mas o olhar de uma pessoa, um colega ou a foto de Dom Giussani pendurada num canto do meu escritório me lembram o pedido com o qual comecei o dia. E é como se ele tomasse conta de mim novamente ou, talvez seja mais justo dizer que é como se eu decidisse, naquele instante, reabrir os olhos e deixar-me abraçar novamente pelo Mistério, por aquela presença que desde às 7h55 sinto mais próxima.
Alessandro, Brescia (Itália)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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