No dia 2 de setembro, última noite da Assembleia Internacional, em La Thuile, Batistine, de Madagascar, elegantíssima em seu tailleur de seda amarelo ouro, me presenteia com um porta-moeda colorido. Fico sem palavras. Eu a conheci no primeiro dia do encontro quando fui cumprimentar Guenda, uma amiga que nos apresentou: “Ela é médica no hospital do padre Stefano. Ele também foi convidado, mas não pôde vir. Ela só fala francês”. Isso não é um problema, pois eu não falo nenhuma língua estrangeira de modo decente e, por isso, preciso mendigar tradutores entre os amigos. É sempre um bom exercício de humildade.
Pensei que aquele seria mais um dos tantos encontros daqueles dias. Como o encontro com Pierre, jovem arquiteto parisiense que também estava participando da Assembleia Internacional pela primeira vez. E, no entanto, sentamo-nos próximos muitas vezes: no salão, no bar, no almoço. Para ambos, tudo era novo. Inconscientemente, foram companheiros de caminho, quando falavam sobre sua vida ou simplesmente quando bebíamos um café juntos; uma presença simples que desperta um instante antes de tentar colocar a máscara para enfrentar o cotidiano. Como um belo dia em que inesperadamente tudo se ilumina, cada relacionamento, até aqueles mais antigos, já projetados. Todo ano é uma surpresa e, no fim, dizemos: vale a pena vir. Então, a narração da história desses dias tem por objetivo, apenas, dar uma ideia dessa Presença que se curvou sobre o homem e “torna novas todas as coisas”. Inclusive através desses companheiros de caminho inesperados.
Ainda buscamos? Sexta-feira à noite. “Não sou quando não estás aqui”: com esse verso de uma canção de Guccini, Carrón começa. A única coisa essencial para a minha vida é uma Presença que me faz existir. Devemos fixar o nosso olhar sobre ela, como nos solicitou o Papa na mensagem que enviou ao Meeting. Uma presença atraente, da qual fazemos experiência: um testemunho disso são os irmãos cristãos que, nestes tempos, são perseguidos. Atraente porque dá esperança, isto é, a possibilidade de viver cada instante como irrepetível, portanto, com plenitude. Lembro-me de uma frase de São Gregorio Nazianzeno, tão cara a Dom Giussani: “Se não fosse teu, Ó Cristo, me sentiria criatura finita”. Mas se não fazemos experiência dessa presença, permanece apenas uma intenção, um pensamento bom. Porém, de repente, a vida nos pega de surpresa e, nesse momento, percebemos o essencial, como aconteceu para Zaqueu, para João e André. O sinal evidente dessa Presença essencial – continua Carrón – é que nós a buscamos sempre. Aliás, a verdadeira pergunta é: Ainda O buscamos? Agora, nestes dias. Isso elimina um pertencer formal. Para poder buscar, é preciso seguir. É aí que se joga a nossa liberdade. Deixar-se atrair para viver e não, como escreveu Eliot, “vivendo e em parte vivendo”.
“O que buscais?”, é a frase que se vê acima do palco, ao lado da lista dos 71 países presentes. No bar, Batistine me diz: “Estou feliz. O título é bonito. Eu procuro Jesus em La Thuile porque Ele me chamou. Ele está aqui”. E eu, que tinha quase considerado óbvia essa pergunta!
Sábado de manhã: Assembleia. “Em uma sociedade como esta não se pode criar nada de novo a não ser com a vida. Não existe organização; e a vida é minha, irredutivelmente minha”. A frase de Giussani é o desafio que Carrón lança. Somente uma experiência em ato muda. Nós somos testemunhas disto: Cristo é essencial porque gera um a mais de humanidade que todos desejam. Dentro da vida cotidiana; um a mais não porque somos melhores. As mãos se levantam.
Onde você está? Nacho conta sobre uma assembleia que aconteceu na comunidade espanhola,na qual estava presente uma senhora muito cética e fechada em seus problemas. A certo ponto, intervém Rose, da Uganda, convidada àquelas férias. Ela tinha conhecido aquela mulher e a chama porque está escondida entre as pessoas. “Onde você está?”. As análises, mesmo as mais justas, não a teriam movido sequer um milímetro, enquanto Rose, que a chama... Carrón interrompe: “Rose, onde você está? O que você disse naquela assembleia?”. Provavelmente, Rose não tinha nenhuma intenção de falar naquele dia. Vai até a frente, abaixam o microfone: “Repeti a ela o que Giussani me disse quando eu tinha 17 anos: se eu fosse a única mulher na face da terra, Cristo viria me procurar. Naquele momento, minha vida adquiriu um valor, apesar do meu nada. Era a mesma coisa para aquela mulher”. Este é o tesouro do encontro cristão: alguém que o chama pelo nome, e você existe por inteiro. A nossa companhia existe só para isso. As colocações se sucedem. E Carrón direciona sempre o foco para a experiência, para algo que acontece. Porque, como disse Costantino, na experiência não há divisão entre o eu e a realidade. Assim como foi para Zaqueu. Como disse o Papa: “A verdade é um encontro”. Giorgio impressiona a todos quando fala da tristeza que sentiu enquanto escutava algumas colocações e pensava no tempo que desperdiçou; muito diferente, porém, foi acreditar naquilo que estava acontecendo diante dos seus olhos. A tentação é a de fixar o olhar sobre os nossos aborrecimentos, nossos problemas, mas Cristo toma a iniciativa até o último instante, assim como foi para o bom ladrão.
Quando voltei para o hotel, encontrei Pierre, que, num italiano com aquele sotaque tipicamente francês, me diz que está “Feliz e muito bem”. E começa a falar sobre a sua vida, sobre a viagem para a praia que fez com alguns amigos em busca de algo ao qual não sabia dar nome. Lugares belíssimos, mas, e depois? Não estava descontente, mas faltava alguma coisa. Falou sobre o encontro com Sara, na universidade de Paris, o convite para as férias. “Foi um momento bonito, suscitou muitas perguntas, mas estava convencido de que a dimensão religiosa não precisaria existir na minha vida. Depois... numa outra vez, eu lhe conto”. Almoço com Vanessa e Silvia, peruanas, e me sento ao lado de Batistine.
O testemunho de Dom Silvano Tomasi, observador permanente da Santa Sé nas Nações Unidas, em Genebra (ver Passos, n. 136, abril/2012), esclarece a ação paciente da Igreja pelo bem da família humana. No palco, em conversa com Roberto Fontolan, o sacerdote scalabriano fala sobre seu trabalho. A Santa Sé é reconhecida como autoridade moral e sujeito de direito internacional. O Papa Francisco é visto como o símbolo confiável da religião no mundo. O interesse comum por relacionamentos e amizades cordiais existe pelo fato de sermos, todos, pessoas humanas. Mas este não é um trabalho simples, sobretudo quando se discutem temas éticos e econômicos. Estamos em posições opostas, existe hoje um individualismo absoluto. A Igreja não restringe a liberdade individual, mas a insere dentro de um contexto de um bem para todos, feito de relações entre os homens. Os cristãos são testemunhas disso, às vezes, chegando até ao martírio. Os cristãos, de fato, são o grupo mais perseguido do mundo, mas nem por isso podem abandonar o diálogo. Porque garantir a liberdade religiosa, isto é, a possibilidade de que cada indivíduo possa professar o seu credo, individualmente e em um contexto comunitário, é o único caminho para o respeito de todos os outros direitos.
Surpresa final. Lucia, jovem professora e minha companheira de quarto, antes de dormir, comenta: “Impressionante, o testemunho! Se penso em quão pouca paciência tenho quando encontro quem não pensa como eu... Eu tento quase impor o meu pensamento com definições... O método da Igreja é realmente uma outra coisa”.
De Norte a Sul: oito meses em viagem pela Itália. Alberto Savorana, autor do livro Vita di Don Giussani, conta o que aconteceu durante as apresentações da edição italiana do livro. As luzes se apagam, sobre a tela desfilam alguns breves trechos das apresentações. Luciano Violante, Ezio Mauro, o cardeal Marc Ouellet e todos os outros falam de Giussani sempre no presente. Não é uma vida fechada no passado, mas algo vivo. Depois, no fim, um presente inesperado: um trecho da apresentação do livro de Dom Giussani Por que a Igreja? em Buenos Aires. Relator: o cardeal Jorge Bergoglio, em 2005. No dia seguinte, uma amiga me disse: “Muito bonita a noite de ontem, e bonita a surpresa final. Mas o que mais me impressionou foi Savorana. Somos amigos há muito tempo, mas, agora, depois de ter feito esse trabalho, é como se tivesse readquirido o frescor do encontro feito na juventude. Um novo início também para ele”.
Segunda-feira de manhã. Carrón retoma o tema dos novos direitos a partir do documento sobre a Europa. “É possível um novo início?” (no site de Passos). Com ele, estão Valentina Doria, ginecologista, e Marta Cartabia, juíza da Corte Constitucional italiana. “Um mundo em tão rápida transformação pede aos cristãos que estejam disponíveis a buscar formas ou maneiras para comunicar, com uma linguagem compreensível, a perene novidade do cristianismo”, escreveu o Papa. Isso vale em todos os campos, em todos os âmbitos, é preciso, antes de mais nada, compreender essas transformações e viver. Como aconteceu na história da Igreja. É sempre um novo início. A verdade nunca pode ser imposta de fora. “Muitas vezes, é melhor diminuir o ritmo, colocar de lado a ansiedade para olhar nos olhos e escutar a quem ficou caído à beira do caminho”. Este, no fundo, é o verdadeiro desafio. Mais do que mil discursos e rigidez. A aposta é alta. Marta, jovem advogada, lida com esses benditos novos direitos no trabalho. À mesa, fala sobre eles com Massimo e Chiara, professores universitários. Quer entender. Todos nos envolvemos na discussão. No fim, dá de presente a Massimo um dvd do musical dos jovens das irmãs da Assunção, onde ela faz caritativa. Ele diz: “Que presente! Vamos nos encontrar novamente”.
Preferência. À tarde, ao resumir os pontos trabalhados, Carrón começa falando do mundo em rápida transformação. No fundo, quem somos nós dentro dessa imensidão? O método de Deus, desde o início, foi o de apostar no eu de uma pessoa particular para mudar a história. Foi assim com Abraão, com Maria, até chegar em Cristo. É uma preferência que o Mistério exercitou arriscando na liberdade do eu. Uma eleição que tem seu ponto mais alto em Cristo, que coincide com a missão de tornar visível o misterioso desígnio de Deus sobre todas as coisas. Cristo entrou na história e, através da sua Igreja, a transforma, muda a realidade. Mas a Igreja somos nós, isto é, pessoas chamadas a ter uma estatura digna dos desejos mais verdadeiros do coração e que são testemunhas disso. Uma preferência humana que abraça o mundo hoje. Um a mais de humanidade que faz “viver intensamente o real”. “A única condição para sermos realmente religiosos”, dizia Dom Giussani.
À noite, a prévia do vídeo sobre os 60 anos do Movimento organizado por Monica Maggioni, Dario Curatolo e Roberto Fontolan. Na tela, as imagens da vida dessa história tão normal e tão fascinante. Rose, na Uganda, Cleuza e Marcos, no Brasil, mas também as férias na Sibéria, o Alecrim cantado em chinês, depois os Exercícios e a voz de Giussani. No final, Carrón agradece pelo trabalho feito e, de modo particular, diz a Monica e Dario: “Mais do que tudo, vale a amizade que nasceu com vocês”.
Terça-feira: passeio. Antes de sair, Pierre me diz que não pode ir por problemas físicos. Não está triste: “Vou à missa aqui no hotel e depois nos vemos”. Batistine veste uma jaqueta acolchoada e, nos pés, sapatilhas de lona. Tento explicar-lhe que não são adequadas. Guenda me mostra que na mochila trouxe um par de tênis. “Eu lhe disse que são para ela. Ela decide o que quer fazer”. Dentro de uma amizade, não se impõe nada, se oferece. No topo, a vista do Monte Bianco é de tirar o fôlego. O ar límpido de setembro torna os contornos mais nítidos. Comemos e cantamos. Como sempre, há muito o que dizer, porém quando o coro canta “eu olho para você e sinto o coração contente”, penso que é sempre um início, um estupor. Maior do que o que esse panorama suscita.
Viver o real. À tarde, assembleia. Emerge o problema do juízo e da unidade, que é, antes de mais nada, um problema do eu, diz Carrón, e acrescenta: “É preciso arriscar sem ter a pretensão de um discurso que queira impor ao outro a nossa posição. O ponto é se o que nos importa é o destino do outro. Nisso se joga a liberdade do homem. Um dom que não podemos restituir, como disse o professor Eugenio Mazzarella, acrescentando que nestes dias viu nos olhos de muitos, nas suas palavras, nas cantos, os sinais da predileção de Deus, da sua escolha, e que “certamente, esperamos ser escolhidos, mas quem pode saber? Quanto a mim, não sei se me escolheu, mas mesmo que não tenha me escolhido, ficarei por aqui. Assim, talvez Ele lance um olhar, me chame pelo nome e diga: ‘Espera-me, que agora estou aqui, há muita gente, mas depois virei a ti. Espera-me’. Pois bem, eu espero”.
O que nos faz existir? É a pergunta de Carrón, no início da síntese. Basta um nada, uma centelha que nos faça fazer a experiência de um bem. É aquilo que Gaber chama, em uma de suas canções, “ilógica alegria”. Algo que entra na vida e me torna presente no presente. Quem não desejaria essa centelha em todo instante? Por isso, é preciso um caminho para não nos endurecermos nas coisas do cotidiano. Volta a pergunta: “O que buscais?”. Não basta afirmar um pertencer formal, é preciso seguir, isto é, reviver a experiência da pessoa que lhe provocou e lhe provoca com a sua presença na vida da comunidade. É preciso viver intensamente o real, como foi para Giussani. Deus se fez companheiro dentro das circunstâncias. E escolheu você, preferiu você. É a única coisa que podemos testemunhar.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón