Fui impelido pelo desejo de falar sobre Ary Barroso após ouvir o CD "AQUARELAS DO ARY", de 2008, que ainda pode ser encontrado nas lojas. A baixo preço, felizmente. É um CD gravado pelo "Núcleo Informal de Teatro", mais que uma banda, um grupo que há pouco tempo encenou partes da vida de Ary Barroso num espetáculo que estreou no Rio de Janeiro, em novembro de 2007.
Compositor brasileiro, cujo centenário de nascimento, em 2003, despertou algumas iniciativas culturais na intenção de homenagear o personagem, que, segundo muita gente, merece muito mais evidência e projeção, tendo em vista sua inabalável consciência como brasileiro, confirmada pela sua história e contribuição à nossa cultura.
Agradável de ouvir, bonito de se ver, emocionante de se lembrar, fascinante de se conhecer, Ary Barroso é aquele tipo "peça rara", figura que fica para sempre na memória e na sensibilidade de quem o conheceu, ainda que não pessoalmente. Seja pelos momentos de mau humor, de situações engraçadas, seja como ator, locutor esportivo, comentarista, humorista, apresentador, seja pelo envolvimento político (foi o segundo vereador mais votado em 1946), seja pela genialidade de suas composições, inovando tanto nas linhas melódicas quando na harmonia, é um ser naturalmente inesquecível. Aqui e no exterior, quem não o conhece ainda, conhece seu samba de 1939, "Aquarela do Brasil", mais inesquecível que o próprio autor. Poucos se lembram que sua música "Rio de Janeiro", feita para o filme "Brasil", nos Estados Unidos, foi indicada ao Oscar em 1944, assim como poucos sabem que ele recusou a oferta de trabalho naquele mesmo país, para ocupar um importante cargo, pois teria que ficar longe do Brasil, idéia totalmente fora de cogitação para ele, mesmo tendo sido convidado por ninguém menos que Walt Disney.
Uma das provas de que Ary Barroso entra na sensibilidade das pessoas para ficar, eu tive em minha casa, durante a minha infância. Mesmo com pouca idade aprendi a reconhecer aquela sensação de emoção espontânea, a cada vez que meu pai pegava o violão e se acompanhava cantando "No Rancho Fundo", pois a maneira como ele se entregava àquela melodia, e como fazia questão da clareza ao pronunciar aqueles versos, era algo para todos ficarem em silêncio até o final da música. Assim, Ary Barroso solidificou minha admiração pela sensibilidade musical do meu pai, e deixa claro ainda hoje porque ambos são tão inesquecíveis. Isso é a música de Ary. Sem limite, sem controle. Só verdade.
Outras músicas de Ary podem causar o mesmo efeito, em várias pessoas, como já pude comprovar. "Tres Lágrimas" é uma delas, tão bela e triste quanto fascinante. "Na Batucada da Vida" é outro exemplo, eternizado em disco por Elis Regina nos anos 70. Ao lembrar a situação degradante do trabalho escravo e da exploração humana, nos emocionamos ao ouvir "Terra Seca", obra maravilhosa, que consegue ser tão triste quanto belíssima. São algumas das inúmeras criações de Ary que não fazem parte desse CD, mas que é imprescindível todo brasileiro saber de sua genial existência. Do lado alegre, Ary nos deixou muitos sambas, sempre contagiantes por seu ritmo e harmonia que aceita todo tipo de arranjo e interpretação possível e imaginável.
Ninguém pode se arrepender ao conhecer nosso Ary Barroso, ao contrário, qualquer um que o conhecer, através de suas músicas ou de sua história, pode, sem vacilar, se orgulhar de ser um terráqueo brasileiro.
Por isso, compreendo perfeitamente a profunda tristeza e emoção que tomou conta do jornalista Sérgio Cabral quando ele terminava um de seus mais importantes livros, a biografia de Ary Barroso. Em algum momento ele teria que falar sobre a morte daquela fascinante criatura. E chegou o momento. Não deve ter sido fácil.
A minha sugestão do CD "AQUARELAS DO ARY" não tem a intenção de mostrar as músicas ali gravadas apenas. Estão com ótimo som, interpretações atraentes e instrumentação impecável. Mas em relação a Ary Barroso seria pobre demais tentar apresentá-lo através de um CD simplesmente.
Minha real intenção é despertar o interesse das pessoas pelo compositor, não apenas o músico, mas o ser humano que era capaz de tudo para demonstrar seu amor pelo Brasil e pela cultura dos lugares que ele conheceu, como a Bahia, por exemplo.
O amor de Ary Barroso por nosso país e pela música também pode nos fazer entender o que é a BELEZA.
Boa audição a todos !
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