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HISTÓRIA

Carlos I de Habsburgo: o homem da paz, o último imperador

por Alessandro Banfi
01/09/2014 - A figura fascinante e intensa de um homem que não queria nem o trono nem a guerra. Mas foi forçado a atravessar ambas as coisas. História do último Imperador católico, beatificado no dia 3 de outubro de 2004 por João Paulo II
Beato Carlos I.
Beato Carlos I.

“Um amigo da paz” foi definido pelo Papa no dia da sua beatificação. Carlos de Habsburgo, o último imperador católico da história moderna, tornou-se oficialmente bem-aventurado exatamente enquanto o mundo está ainda atravessado por guerras, atentados, destruições. Com ele, esclareceram no Vaticano, não se quis santificar um determinado sistema político, ainda que fosse do passado, mas sim o homem, a pessoa. E uma pessoa fascinante e intensa foi realmente este Imperador que não buscava o trono, que não queria a guerra (o único que seguiu Bento XV, o qual pedia para deter “a inútil matança”), a Primeira Grande Guerra na qual é envolvido todo o mundo. Um homem da paz radical, um obstinado seguidor de Jesus Cristo, que recusava os privilégios da corte e a quem não interessava a etiqueta e nem o consenso do mundo. Um personagem historicamente também trágico, aquele que regeu os últimos meses de um grande Império multiétnico e federalista que si estendia do Adriático ao centro da Europa. Personalidade fora dos padrões e difícil de narrar e, no entanto, protagonista de um período fascinante e terrível para os historiadores, e não só. Basta ler uma das poesias de Ungaretti dedicadas à vida na trincheira, ou o esplêndido Um ano no Planalto de Emílio Lussu ou as cartas do fronte de Winston Churchill, que também inventou e ajustou naqueles meses o tanque de combate, formidável máquina da guerra moderna para destruir o inimigo. Pois bem, Carlos se encontrou aos vinte e nove anos sobre o trono com o conflito já iniciado, quando aquela terrível Primeira Grande Guerra de massa, um massacre sem precedentes, “a inútil matança” precisamente, tinha começado, irrefreável. Ele tentará se lhe opor com todas as suas forças e todos os seus atos, até pagar pessoalmente com o exílio e com a morte. Eis, portanto, o primeiro paradoxo desta beatificação: é proclamado beato o último Imperador católico não porque tivesse vencido, pois pela história já dissemos que é um perdedor, mas porque testemunhou até o fim. Giuseppe Dalla Torre, que escreveu na década de Setenta um “retrato espiritual” dele recentemente reeditado (Carlos d’Áustria, Ed. Âncora), conta um episódio que é esclarecedor. A quem lhe observava que distribuir mantimentos e bens da corte aos cidadãos em tempo de guerra não o tornava popular, respondeu: “Eu seria realmente bem miserável se tivesse feito tudo isto somente para obter gratidão e aprovação. O bom Deus, para quem eu o faço, me recompensará depois, qualquer dia, muito abundantemente por tudo isto. Para que eu teria necessidade já agora da aprovação deles?”.

Descendente quase esquecido
A sua vida até então é a história de um descendente quase esquecido de uma grande família real europeia, que teve a sorte de ter mestres católicos e uma esposa de grande fidelidade e concretude. Nasceu na beira do Danúbio em 1887, estudou línguas, arte militar, direito em Praga. Em 1911 casou com Zita dos Bourbons de Parma, que lhe dará oito filos; o último nascerá após a morte de Carlos. Zita, italiana de origem e francês de cultura, sobreviveu até a década de Oitenta, guardando a memória de um esposo santo e, sob certos aspectos, mártir do mesmo poder que também havia exercido. O historiador Gordon Brook-Sheperd (na Itália foi publicada A tragédia dos últimos Habsburgos) é quem mais longamente hauriu de suas narrações vívidas.
O assassínio do tio Francisco Ferdinando em Sarajevo abre de fato em 1914 o período bélico, a morte do tio-avô Francisco José dois anos depois marca a improvisa subida ao trono de Carlos I de Habsburgo. O jovem catoliquíssimo rei herdou um amplo Império em grande declínio: a Providência lhe preparou meses duríssimos. Ele, como soldado, vai frequentemente ao fronte, ajuda os feridos, expõe-se pelas tropas, manda celebrar missas na geral desaprovação do círculo da corte. Quer a paz e se move política e diplomaticamente neste sentido, com obstinação. Trabalha também em uma negociação separada com a França. Até em uma tentativa secreta encaminhada pelo cunhado, o príncipe Xisto de Bourbon Parma. Mas a máquina da história armou algo monstruoso. Justamente os especialistas o explicam.

A vitória a qualquer custo
Escreve François Fejtö em seu fundamental Requiem para um império defunto: “No decorrer da guerra - que se atolou mais de uma vez em pontos mortos, dos quais tradicionalmente se saía com a negociação ou com o acordo - apresentou-se uma ideia inédita: a da vitória total a qualquer custo. Tratava-se não mais de forçar o inimigo a ceder, a retroceder, mas de infligir-lhe feridas incuráveis; não mais de humilhá-lo, mas de destruí-lo. Este conceito da vitória total condenava a priori ao fracasso qualquer razoável tentativa de pôr fim, com um acordo, a um inútil massacre. Mudou a guerra não só “quantitativamente”, mas também, para usar o conceito hegeliano, qualitativamente (…). Havia um acento quase místico. Era ideologia. Consistia em demonizar o inimigo, fazer da guerra de potência uma guerra metafísica, uma luta entre o Bem e o Mal, uma cruzada”. Descrição perfeita e que ilumina uma anotação de diário pessoal sobre aquele período, deixado inacabado por Augusto del Noce entre seus papéis: “A recusa da cumplicidade com o mal coincidiu para mim com a “fuga sem fim” diante daquilo que me aparecia como mal, a progressiva destruição do que restava do Sacrum Imperium. A fidelidade ao compromisso de agosto de 1916 antes que para mim iniciasse a escola”.

Recusa do acordo
A ideia deveras diabólica da recusa do acordo, da vitória do Bem sobre o Mal, encontra seu objetivo no Império habsbúrgico. Carlos é a vítima de uma cruzada ideológica e até mística. Eis o segundo paradoxo da sua santa e terrível existência: o Imperador católico é derrotado e morto não por uma firmeza sobre os “valores católicos”, mas porque quer o acordo. Entretanto hoje a história e os próprios acontecimentos pessoais de Carlos testemunham como era verdade que o progresso, as reformas, os princípios democráticos estavam presentes em Viena mais que em outros lugares. Basta dizer que naquela época as mulheres austríacas votavam, as italianas não. É lembrada ainda, de Carlos I, a grande anistia de 1917, feita para favorecer a pacificação social, e a criação (primeiros na Europa) do Ministério da Saúde e daquele da Ação Social. Contudo, como escreve Alain Besançon, é um fato que “as democracias, uma vez que se permite que entrem numa guerra, são ferozes, porque elas pensam ter absolutamente razão e que os próprios adversários estão absolutamente errados”. A história, como se vê, repete-se de maneira impressionante.
A armadilha contra Carlos dispara através de seu ministro do Exterior Ottokar Czernin, nomeado em 1916. Logo após uma vitória contra a Itália em Caporetto, no ano de 1918, na alternância dos fatos de guerra, é um momento positivo para Viena. O Imperador leva adiante o projeto de um acordo com os franceses, conforme o desejo do Papa. É Czernin quem revela ao mundo, na hora em que a paz tecida por Carlos parece finalmente possível, que a França de Clemenceau pediu o armistício. Não é assim e isso basta para irritar Paris e mandar tudo pelos ares: destruir o Imperador aos olhos das potências, em cima de todas a Alemanha. O Kaiser Guilherme não renunciou ainda ao sonho da expansão prussiana (Hitler irá recolher esta herança), e exigirá a humilhação da Áustria- Hungria. A Revolução Russa fará o resto, dando aos cidadãos da Boêmia e da Hungria a bandeira do resgate nacional contra a monarquia. Escreveu John W. Mason em O ocaso do império habsbúrgico: “Se o governo absolutista dos czares podia ser destruído com tanta facilidade, que garantia tinha o sistema absolutista na Áustria?”.
O fim da guerra chegará de repente, mas a energia de inimigos e aliados explodirá toda contra Viena. No final de 1918, Carlos assina uma paz, a de 4 de novembro após o revés do rio Piave na Itália, que o obriga a uma pesada deslegitimação. Os acontecimentos de sua vida pessoal se entrelaçam com uma doença (a famosa epidemia de “espanhola” ceifará quase tantos homens quanto o conflito) que o acometerá no coração e um progressivo exílio que coincidirá com o fim da monarquia habsbúrgica. Findará seus dias na ilha portuguesa da Madeira, em 1922, pronunciando o nome de Jesus.
Anos depois, pensando no papel deste Imperador, o socialista radical francês Anatole France dirá acerca de Carlos: “É o único homem decente, revelado durante a guerra em um cargo diretivo; mas não foi ouvido. Ele desejou sinceramente a paz, e por isto foi desprezado por todo o mundo. Negligenciou-se uma grande ocasião”.

A vida
1887, 17 de agosto:
Nasce em Persenbeug na Baixa Áustria, filho de Francisco José Otto de Habsburgo, irmão de Francisco Ferdinando, herdeiro ao trono da Áustria
1903: Entra no exército.
1911: Casa com Zita de Bourbon-Parma.
1914: Depois do assassinato de Francisco Ferdinando (Sarajevo, 28 de junho) torna-se herdeiro ao trono do império habsbúrgico.
1916: À morte do imperador da Áustria Francisco José I, ascende ao trono de Áustria e Hungria com o nome de Carlos I da Áustria e Carlos IV da Hungria. Logo assume o comando das tropas nos vários frontes da Primeira Guerra Mundial, conseguindo significativas vitórias nos frontes romeno e italiano.
1917: Primeiras tentativas para chegar à paz com as potências da Entente. A 2 de julho concede a anistia aos presos políticos.
1918, 15 de outubro: Publica o Manifesto dos Povos. Dia 26 de outubro: Rompe a aliança com o Reich guilhermino. Dia 3 de novembro: Firma o armistício. Dia 11 de novembro: autosuspende-se.
1919: Deposto pelo parlamento austríaco, inicia o exílio na Suíça com a família.
1921, março: tenta reobter o trono húngaro sem êxito e é expulso. Tenta novamente em outubro, mas é preso. Com a mediação da Inglaterra parte para o novo exílio na ilha da Madeira.
1922, 1° de abril: Morre na ilha da Madeira.
1972, 1° de abril: Quinquagésimo aniversário da morte. O túmulo é aberto e o corpo é encontrado intacto.
2004, 3 de outubro: É beatificado por João Paulo II.

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