Padre ANTONIO SPADARO, o autor da famosa entrevista com o Papa, explica por que para o Pontífice a fé encontra uma contínua confirmação, e revela a sua força, na realidade. Francisco é um homem de oração, que aprende daquilo que lhe acontece
“A reflexão para nós deve partir sempre da experiência”. Esta frase está na famosa entrevista que Papa Francisco concedeu à La Civiltà Cattolica. Tivemos a oportunidade de aprofundar este assunto com padre Antonio Spadaro, de 47 anos, diretor da revista da Companhia de Jesus, especializado em internet e literatura. É o “segundo jesuíta mais famoso do mundo”, como foi rebatizado depois do furo de reportagem naquele diálogo realizado em três fases e publicado simultaneamente no mundo inteiro. Diálogo que é fundamental para seguir o Papa. E também para ler a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, para entender por que “não se pode perseverar numa evangelização cheia de ardor, se não se está convencido, por experiência própria, que não é a mesma coisa ter conhecido Jesus ou não conhecê-Lo”. “Por experiência própria”. Só aí, só na realidade, a fé pode encontrar a sua confirmação. Só julgando até às últimas consequências tudo o que nos acontece, comparando-o com as nossas necessidades, as nossas exigências mais verdadeiras, podemos perceber a diversidade radical que Cristo introduz na vida.
Por que é tão decisiva a experiência no Papa? E em que consiste para ele?
O Papa Francisco é uma pessoa que não gosta de pôr em primeiro plano o conceito. Não parte de ideias claras e distintas para depois aplicá-las: parte sempre do contato com quem tem diante de si, pessoas ou grupos. Por um lado é uma categoria enraizada na sua espiritualidade, na formação jesuítica: para a pedagogia de Santo Inácio, o ponto de partida e de trabalho é sempre o contexto e a experiência. Ele disse isso claramente na Evangelii Gaudium, mas já havia dito também no passado: a realidade “é”, ao passo que a ideia é fruto de uma elaboração que pode sempre correr o risco de cair em sofismas ao destacar-se do real, arriscando-se até a cair no totalitarismo se a ideia quiser se impor à realidade. Para o Papa a realidade é sempre superior à ideia. É um dos seus quatro princípios fundamentais de leitura da realidade. Assim, se uma reflexão pode ser feita, é só à luz da experiência. E só depois desta reflexão vem a avaliação para relançar a ação. Por outro lado, para o Papa conta muito a sua experiência pastoral. São os rostos concretos das pessoas que encontrou que, em certo sentido, o converteram à experiência. Durante o seu trabalho em Buenos Aires, por exemplo, amadureceu muitíssimo a importância deste contato direto com as pessoas. Não é uma categoria intelectual: é a própria experiência que o move a partir da experiência. Sem contar um outro aspecto.
Qual?
A pertença. A experiência, para o Papa, não é unicamente individual, é também a experiência de um povo: a Igreja. O sentimento de pertencer a um povo tem para ele um valor incomparável. No fundo, Deus se revela a um povo e não a um indivíduo. E, portanto, a experiência da fé é contextualizada sempre dentro de uma pertença. O subjetivismo está fora de questão.
Também quando o Papa fala da fé como algo que nasce do “maravilhamento de encontrar alguém que está à nossa espera”, há um forte chamado de atenção para este aspecto: é um acontecimento, um fato objetivo que só pode ser conhecido através da experiência...
Certamente. Mas o conceito de objetivo nunca pode se entendido como absoluto, avulso. O que guia a reflexão e depois a ação é a noção de que Cristo se encarnou. O Papa diz com clareza, na entrevista que nos concedeu, que não se faz discernimento sobre as ideias, mas sobre histórias. Não existe uma objetividade inerte, existe sempre uma objetividade que se torna rosto, história, experiência. A objetividade é Cristo. A novidade é o Evangelho. O ponto é este. Todo o resto vem depois. Não porque seja pouco importante, mas porque há uma prioridade absoluta: o anúncio. E o Evangelho é chamado a ser anunciado a todos, seja qual for a situação em que a pessoa vive.
Mas isso não implica também o fato de que o homem, em qualquer situação e independentemente das diferenças de cultura e tradição, tem dentro de si um critério que lhe permite julgar e reconhecer essa objetividade? Há um acontecimento que se manifesta na história – o anúncio de Cristo –, mas há também o coração do homem que é capaz de perceber esta unicidade, porque O espera. Acho que o Papa também aponta para isso.
Sim. Há algo que é interior ao homem, uma abertura, que o Papa identifica com uma ferida. E essa abertura implica o desejo fundamental de Deus. Esta figura da ferida deve se entender como apelo profundo, inscrito no coração do homem. E a Igreja dirige-se substancialmente a uma humanidade que adverte, sente, experimenta esta ferida.
O próprio Papa parte desta ferida. Quando diz “sou um pecador”, quer dizer que para definir a si mesmo vai buscar a experiência mais radical que o homem pode fazer: o limite. E é um dado com o qual, sabemos muito bem, não podemos trapacear, a experiência é implacável com relação a isso...
Sem dúvida. No fundo, a experiência de fé e de adesão a Cristo é dada precisamente pelo reconhecimento de ser pecador. Uma pessoa que não sinta esta ferida, que a negue, torna-se praticamente impermeável ao Evangelho.
Impressiona muito como esta dinâmica entre o coração e a realidade para o Papa se torna um fator de conhecimento contínuo. De certo modo, ele quase só fala de coisas que descobriu vivendo. O que diz está com frequência ligado a episódios que presenciou: a fé da sua avó, o dia da sua vocação, as freiras que cuidaram dele... até o fato de abrir uma catequese falando de Noêmia, uma menina doente que conhecera pouco antes. Por quê?
Justamente porque tem sempre como ponto de referência a experiência realizada, que tem contornos bem definidos. São estes que o ajudam a refletir e pensar. Aquilo que diz é sempre fruto de algo que ficou gravado na sua pele: na sua vivência, na sua história. Também os santos são para ele “rostos” bem definidos. Não acredita naquilo a que ele chama, com alguma ironia, “energias harmonizadas”: acredita em rostos. Esta é uma categoria hermenêutica para compreender tudo o que ele diz. Se o seu magistério for interpretado com a categoria de ideia, de afirmações abstratas, acaba-se saindo da estrada.
Mas o que permite esta disponibilidade do coração, graças à qual se aprende continuamente? É o Papa, teria todos os pretextos para pensar que “já sabia o bastante”, especialmente sobre a fé...
A humildade. Que para ele não é uma virtude ascética, mas acima de tudo uma via para se aproximar bem dos outros e da realidade. É, justamente, uma disponibilidade à experiência, que em Francisco está muito enraizada. De onde nasce? Não sei com muita precisão. Mas certamente, pelo que percebo, também tem relação com o fato de ter experimentado o contrário. É interessante, por exemplo, ele pedir desculpa constantemente, não pelos pecados da Igreja, mas pelos seus. Quando conta que foi nomeado provincial muito novo, aos 36 anos, e se declara arrependido de ter sido brusco, quase agressivo em relação à realidade e aos outros, até por inexperiência, no fundo diz que experimentou na pele os efeitos de um fechamento à experiência. Também isto, com o tempo, o tornou dócil. Depois, há uma segunda questão que se converte em método: o discernimento. Que, não esqueçamos, é um dos princípios da espiritualidade jesuítica.
Ele diz explicitamente que “só se pode fazer discernimento na narração, não na explicação filosófica”. Partindo, justamente, da experiência e não das ideias. Mas o que é exatamente discernir?
Vemos isso no modo como está conduzindo a Igreja. Muitos consideram que o Papa tem uma espécie de projeto, de ideias claras e distintas para pôr em prática. Não creio que seja uma visão correta. O Papa está profundamente radicado no terreno da experiência concreta. Não vive numa bolha, tem a percepção nítida do que existe ao seu redor. Mas quando se move, relê continuamente aquilo que faz na sua oração pessoal e no diálogo com os outros. Portanto, avança. Num processo que, realmente, podemos definir como discernimento espiritual: aos poucos, procurando e encontrando a vontade de Deus. A visão mais acertada do seu agir é a de que “caminhando se abre o caminho”. Compreende melhor para onde deve ir, no momento em que se põe a caminho. Não é a aplicação prática de suposições teóricas: é uma visão dinâmica.
Que pressupõe outro aspecto: mesmo a Igreja, sendo uma realidade viva, de algum modo toma consciência de si vivendo e refletindo sobre a sua história. O Papa, na entrevista que concedeu ao senhor, citava São Vicente de Lérins: “Mesmo o dogma (...) progride, consolidando-se com os anos, desenvolvendo-se com o tempo, aprofundando-se com a idade”. E na Exortação diz que “a Igreja, que é discípula missionária, tem necessidade de crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade”. Poderia se dizer que, para Francisco, a experiência, além de ser um método decisivo de conhecimento para os fiéis individualmente, é também para a própria Igreja?
É a experiência do povo cristão que adquire expressão. Pense também nesta ideia do questionário enviado às dioceses como introdução ao Sínodo sobre a família. Falou-se dele como uma “pesquisa de opinião”, mas na realidade responde a esta lógica: é reunir a vida do povo de Deus, a experiência vivida. Que é comparativamente mais útil do que partir de documentos e suposições teóricas. O povo de Deus é convidado a interrogar-se e também a olhar a experiência que faz à luz do Evangelho. Depois, claro, isto não é suficiente: é o início para uma reflexão ulterior. Mas também aqui, no fundo, é o método dos exercícios espirituais de Santo Inácio. O discernimento é a base fundamental do juízo. É sentir e saborear as coisas interiormente. Não é um projeto de tipo exclusivamente racional, em sentido abstrato: é a partir do próprio interior que se faz a experiência de como seguir adiante. E emerge uma direção a tomar que não é fruto apenas da nossa capacidade de decisão, mas do Espírito.
O Papa insiste muito na tentação de “domesticar as fronteiras” e deparar-se com uma “fé de laboratório”: algo abstrato, estático, que já não oferece instrumentos para julgar a realidade e leva a um “autismo do intelecto”. Para ele, de onde provém este risco?
O Papa Francisco é totalmente alheio a ideologias. Aliás, um dos piores riscos que ele vislumbra é precisamente a ideologização do Evangelho, que se verifica sobretudo quando é lido por meio de outras categorias. O Evangelho, para ele, se lê com o Evangelho; é uma experiência absolutamente original, única. Não pode ser reduzida com o uso de metodologias alheias. Daí a sua idiossincrasia pelas politizações, as tentações hegemônicas e tudo o mais. Não devemos ficar na fronteira para absorvermos as fronteiras, mas para viver nelas, para fazermos a experiência da própria fronteira. Não é uma lógica de incorporação, mas de confronto, de desafio.
Senão, acaba-se por resumir tudo a algo já sabido.
Certo. Quando ele pede para “abrir as portas da Igreja”, não quer dizer, primeiramente, que é preciso fazer com que as pessoas entrem na igreja: quer escancarar as portas para que o Senhor possa sair. Às vezes nós fechamos tão bem as portas que Cristo fica preso lá dentro... No entanto, a Igreja é um tesouro que tem de estar à disposição de todos. A Evangelii Gaudium está totalmente impregnada deste apelo.
Outro aspecto forte nos seus apelos: a fé como testemunho. “Mesmo nesta época, a gente prefere escutar as testemunhas: ‘Tem sede de autenticidade [...], reclama evangelizadores que lhe falem de um Deus que eles conheçam e lhes seja familiar’”, escreve na Exortação (150). Também aqui a experiência se mostra fundamental: o caminho para a verdade é uma relação, uma coisa experimentável.
Ele próprio é um Papa que comunica uma mensagem testemunhando-a. Fala do valor da pobreza vivendo a simplicidade. Ou da oração, rezando. Tenta unir o gesto à palavra. Substancialmente, quer sair da lógica da pregação, da palavra enquanto tal, para tornar visível. Assim, um gesto torna-se mais potente. Inácio diz que o amor se demonstra mais por obras do que por palavras. É uma dimensão que instiga à ação.
Há outros pontos em que a experiência parece ser um fator decisivo para o Papa. Em primeiro lugar, o seu método educativo. Na entrevista cita o episódio em que, para despertar o interesse dos seus alunos do ensino médio pela literatura, começa a fazê-los escrever e acaba até por envolver Jorge Luis Borges na relação com a turma.
Bem, aqui podíamos falar de risco educativo. Mover-se desta forma é realmente um risco, porque implica sempre a possibilidade de mal entendidos. Mas naquele caso, por exemplo, ele quis arriscar, pois notou que era a melhor maneira de estabelecer uma ponte de contato entre a experiência da literatura que queria comunicar e a experiência que tinham os seus alunos. E a única via era ir ao encontro deles: partir do seu ponto de vista, da inteligência e curiosidade deles, e ler a necessidade profunda que havia dentro desse pedido. Entrando na literatura com as exigências e interrogações deles, no fim acabou não só por ter os jovens abertos à literatura, como, inclusive, eles próprios se tornaram autores. Sim, a experiência também é de algum modo o cerne da sua ideia de educação.
No livro, o senhor sublinha que mesmo quando fala de arte, das suas preferências – Hölderlin, Manzoni, Caravaggio, Mozart – o Papa parte sempre da vida, não de um discurso intelectual. “A vida é o modelo das palavras”, diz citando O Inominado. É uma boa definição de experiência...
Para ele a arte não se encerra no âmbito estético, autônomo em relação ao resto. O romance, a poesia, a arte em geral, é parte integrante da vida. Também da vida espiritual e pastoral. Neste terreno move-se com grande facilidade e versatilidade. Para explicar a esperança, por exemplo, partiu da ópera Turandot, de Puccini. Achei que não tinha entendido bem... Nós teríamos introduzido o discurso dizendo “por exemplo”, teríamos aberto um parêntese de algum modo. Porém, o discurso para ele é fluido, não há separação. Isso me impressionou. A estética do Papa implica uma relação com a obra de arte em que a obra plasma radicalmente a percepção. De fato, aproveitar dela significa pura e simplesmente fazer uma experiência de vida. Quando se lê um romance, vive-se uma experiência de vida, não se faz uma mera experiência de gosto intelectual. É uma observação que proporciona muitas possibilidades de desenvolvimento.
Último aspecto: a oração. Mais propriamente a sua oração pessoal. O Papa a define como “memoriosa”, quer dizer, “cheia de memória, de recordações, também memória da minha história ou daquilo que o Senhor fez”. Para ele, rezar também é fazer experiência?
Sim. A sua oração não é abstrata: é observação de fatos e reconhecimento de onde o Senhor atua e atuou. Também o diz na sua Exortação: só o encontro com o Senhor pode dar a “alegria do Evangelho”, não uma decisão ética ou a adesão a uma ideia. Por exemplo, ele tem este momento de adoração ao anoitecer, por volta das sete e meia, que é pura contemplação e silêncio. É curioso que não seja de manhã. Claro, de manhã reza, e bastante: as Laudes, a missa... Mas este momento especial é no fim da jornada. Significa que coloca todo o seu dia na presença do Senhor e reza sobre aquilo que viveu. Sobre a sua experiência, em suma.
APROFUNDAMENTOS
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