Assemelha-se muito a O aviador, a obra-prima fracassada de Martin Scorsese, J. Edgar, a obra-prima fracassada de Clint Eastwood. As mesmas grandes ambições – falar de uma época na sombra de um personagem –, o mesmo cuidado com os detalhes, o mesmo perfeccionismo de atuação, o mesmo gosto cinéfilo, um surpreendente elenco de atores. E os mesmos problemas: muito material para ser utilizado, uma narração nem sempre equilibrada e, no caso de J. Edgar, uma falta de pathos e um roteiro que não decide qual é o foco. É preciso dizer que o projeto no qual o octagenário diretor californiano embarcou era uma daquelas missões quase impossíveis: a cinebiografia de um verdadeiro dominus da vida política e civil por quase cinquenta anos nos Estados Unidos, John Edgar Hoover, o ambíguo e legendário inventor do FBI, que prestou serviços a oito presidentes norte-americanos. Uma figura que está no meio do caminho entre a lenda e a história, problemático na vida privada e nas relações sociais (semelhante, também nisso, ao carismático e louco Howard Hughes de O aviador). Projeto difícil por causa da antipatia e do mistério que sempre circundaram Hoover e o seu trabalho. Eastwood se aproxima do personagem segundo as regras estilísticas e narrativas da cinebiografia tradicional: a narração de Hoover, contrastando com sua biografia oficial, comenta e recorda as vicissitudes, as amplia e fantasia sobre elas um pouco. Em suma, contrói em torno de si uma aura de lenda que era típica do personagem, e de que Eastwood desfruta para se aproximar dos tons de um dos filmes de faroestes de que ele mais gosta: o nostálgico O homem que matou o facínora (1962), com o qual John Ford recordava, mitificando-a, a epopeia da Frontiera. Não é apenas a referência cinéfila num filme culto: a esplêndida fotografia de Tom Stern lembra a temporada dos filmes noir, e não faltam reminiscências dos grandes filmes interpretados por James Cagney, entre os quais o memorável Inimigo público (1931), de William A. Wellman.
O ponto nevrálgico está no roteiro de Dustin Lance Black (que ganhou o Oscar por Milk) que não é equilibrado. Não o é do ponto de vista narrativo, com muitos flashbacks que se cruzam, e com a escolha, bastante discutível, de manter como fio condutor a voz do velho Hoover que torna a narração pesada. A gestão dos diretores é um pouco cansativa: o tom é muito melodramático quando a câmera se detém sobre a homossexualidade mais ou menos aceita do protagonista (e para na cena fundamental, quando Hoover coloca em sua boca uma frase de Oscar Wilde) e, pelo contrário, se torna frio e doutrinal quando se pergunta sobre as sujeiras e as obsessões que agitavam o coração do velho homem de poder. Sobrepõem-se muitas situações intrigantes e intrincadas, sem um real aprofundamento e sem uma escolha verdadeira: a política norte-americana, antes de tudo, com o escândalo Kennedy, o relacionamento com Bob Kennedy, a autêntica obsessão contra Martin Luther King, o atentado de Dallas, até a tomada do poder por Richard Nixon. É um pecado também da direção que não consegue infundir no espectador o mínimo de paixão pelo personagem e nem mesmo consegue transmitir aquela comoção autêntica diante da queda do inocente de que Clint é mestre (como mostra bem a sequência ao longo do sequestro de Lindbergh e o seu trágico epílogo). Tudo é dito com cuidado e elegância: o relacionamento ambíguo com a mãe (uma atuação ótima de Judi Dench), a relação de Hoover com a sua secretária, os almoços e jantares recorrentes, as férias junto com o amigo e amante Clyde Tolson (interpretado pelo jovem Armie Hammer, o melhor do elenco, mais do que Di Caprio). Tudo está no lugar certo, mas tudo é muito engessado: o amor gay de Hoover não sai dos clichês de tantos filmes do gênero e, na sequência central, a do hotel, beira o patético e se distancia demais da gestão discreta dos afetos que Clint foi capaz de esboçar em As pontes de Madison; o relato das ambições viscerais de Hoover, a invenção do método científico de investigação e, ao mesmo tempo, a espetacularidade das prisões são eventos sobrepostos, deixados à curiosidade e à atenção do espectador, mas não são ocasião para um relato profundo de um homem ambíguo e corajoso, sozinho e popular, em luta mais do que com os comunistas, os criminosos e os políticos, consigo mesmo. Tudo está no lugar certo, da mesma maneira que aqueles enfeites, aquelas estátuas e aquelas fotografias no final, naquela que talvez seja a sequência mais bonita do filme, outra citação elegante da cinebiografia por excelência, Cidadão Kane (1941), e que quem sabe condense o sentido último de um filme sem solução: mais do que o amor, as façanhas e o poder, a morte é que poderia ser a verdadeira, se não a única, protagonista dos últimos filmes do grande Clint.
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