É a festa dos 50 anos de Alice Howland, e também está presente sua bela família: o marido John, químico com a ambição de seguir carreira acadêmica, e os filhos Ana, Tom e Lydia. Alice é uma brilhante lingüista da Universidade de Columbia, com razões suficientes para ser feliz, dado tudo que construiu na sua vida. O seu ambiente é aquele da burguesia intelectual de Nova York, agitada e educada, tomada pelos sentimentos liberais mais nobres, por si mesma e pelo mundo. A casa na cidade é elegante e acolhedora, e aquela da praia, ainda mais, cheia de luzes e de recordações. As cores primaveris de Nova York são suaves; não há sombra de drama nesta atmosfera alienada, que sintetiza o melhor do nosso Ocidente. Julianne Moore é muito talentosa; não é por nada que venceu o Oscar e já recebeu outros prêmios. Alex Baldwin também, grisalho e acima do peso, está perfeito no papel de marido e bom pai, apesar de a atenção que dedica à família ser um pouco prejudicada pelo zelo com a carreira.
O drama surge por meio de pequenos flashes, momentos breves de esquecimento e palavras inoportunas, na vida perfeita de Alice. Chega o diagnostico: uma forma particularmente agressiva, genética, de Alzheimer precoce. Pouco normal para uma mulher naquela idade. Mas inexorável. Todo o filme (toda a vida), no seu andamento natural e sem exageros, torna-se, assim, a história da progressiva e angustiante perda de si – perda do eu – vista através dos olhos de Alice, “do seu lado”, que vê esvair-se na perda de cada lembrança e de cada percepção do real. A perda das palavras provocada pelo Alzheimer (para uma linguista, ainda pior) é o início do esvanecer-se da memória e da autoconsciência. A perda de tudo. E diferente de outras doenças, porque te priva exatamente do essencial: o eu pessoal. A autora do romance do qual “Para Sempre Alice” foi extraída, Lisa Genova, é uma neuropsiquiatra; um dos autores, Richard Glatzer, é doente de esclerose amiotrófica múltipla: não se pode dizer que nesta obra faltem participação humana e competências particulares.
Essa é história que o filme conta. Mas, então, do que se trata realmente esse filme, destinado a interrogar e comover também um público mais experiente? Para entendê-lo, é necessário que também nós nos esqueçamos de Alice por um momento, e prestemos atenção ao mundo em que ela vive. Às vezes, é a moldura que dá significado ao quadro. Dessa forma, descobre-se que o filme fala de Alice, mas também fala da coerência moral, se é possível dizer assim, com a qual se tenta anestesiar esta doença hoje em dia. Conta o que o homem de hoje pensa sobre a vida (e sobre a morte) enquanto vive sobre este céu vazio que construiu. Quando é diagnosticada a causa genética da doença, e os filhos também realizam o exame, a única que tem um comportamento positivo é a filha que está programando uma gravidez por meio de inseminação artificial. Prosseguir ou não? E como viver sabendo que um dia você também vai desenvolver aquela doença? A medicina preventiva é um dos totens do nosso tempo: saber e se programar com antecedência (poder “escolher”) não só os passos da nossa vida, mas, acima de tudo, os da nossa saída de cena.
Alice fala ao telefone com a filha e o ponto principal da conversa é um humaníssimo “sinto muito”. E é realmente inevitável e radical essa consciência de doar, junto à vida, também a raiz da sua natureza incompleta. “Nasce o homem com fadiga / e é risco de morte o nascimento”. A diferença está no modo com o qual esta dramática constatação do poeta Leopardi é acolhida ou ignorada. O nosso mundo, a civilização na qual estamos imersos e da qual esse filme sabe ser – talvez isto esteja além de suas intenções – um espelho sincero e transparente, é a civilização que, com grande desespero, tenta diminuir aquele grito, aquela dor, aquele “sinto muito”, até a irrelevância, até que não mais pareça pertinente. Talvez não seja o caso da nossa Alice (talvez a continuação da história confirmará esta intuição, talvez não). Mas o filme consegue, a esse ponto, trazer à tona a questão essencial da realidade. E é a esta evidência que Alice deve, mas não quer, se render.
Assim, deixa um vídeo para uma Alice que não é mais a mesma, mas que um dia poderá casualmente assisti-lo. São instruções, feitas com calma e em perfeita solidão, de como suicidar-se: “então, deite-se e tenha bons sonhos”. A perda de si, até a inconsciência, é de fato a maior das tragédias. Torna-se incomensurável, sem valor algum para si e para os outros, quando acontece debaixo de um céu que se esvaziou de presenças e de destino. Abaixo do lindo céu de Nova York não existe nada além dos nossos singulares “eus”. Se perdermos estes, perdemos realmente tudo. Assim, Alice sofre quase mais pela reprovação social dos outros – era considerada, agora não é mais nada – que pela própria doença. “Viu, você ensinava ali, você era válida”, diz John à esposa, já praticamente sem memória. E o faz com amor. Porém, suas palavras se perdem sem resposta.
É realmente assim? Quando parece não restar mais nada de Alice, e até mesmo John acredita ser melhor seguir a sua estrada, há a filha, atriz e um pouco rebelde (mas nem tanto), que volta para a casa. Lê para a mãe uma história e ela não entende. Resta somente o relacionamento entre elas. E este, ao contrário, vale muito. É como uma presença irredutível que rasga, impetuosa, o céu vazio. E vai bem além.
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