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CINEMA/VÍDEO

Uma história "direita" até o céu estrelado

02/02/2016 - Alvin Straight tem 73 anos e não vê o irmão Lyle há dez. Quando fica sabendo que este sofreu um infarto, decide ir até ele, utilizando um velho cortador de grama para percorrer as trezentas milhas que o separam de Mount Zion, no Wisconsin…

“Você percorreu tanta estrada com essa caranguejola para vir até mim?”. Uma história real, como recita o título em português, é uma história ocorrida realmente em 1994 no Iowa. Mas é também uma história “direita” como o sobrenome de seu protagonista (Straight, “direito” em inglês): a de Alvin é uma vida que, não isenta de erros e fraquezas, tem uma direção certa. Linear como este filme aparentemente fora de lugar, pela sua simplicidade desconcertante, na filmografia do autor de Twin Peaks, o diretor “da desordem assustadora, perturbadora e grotesca” (F. La Polla). Certo, algumas ideias nos lembram que atrás da câmera está ainda David Lynch (o lento começo, com os barulhos de fundo, tem o sabor de Veludo azul; ou então a cena da mulher e do cervo revela o seu gosto por um surrealismo inquietante enxertado dentro da trama da normal cotidianidade); mas neste road-movie (filme de estrada) atípico, também western crepuscular de um modo todo seu, o protagonista não tem nenhum angustiante mistério a esconder, mas só o desejo de pôr finalmente ordem na própria vida.

Alvin é um velho teimoso e ao mesmo tempo um homem de um realismo fulgurante: “Para que lhe serve uma garra de pegar objetos?”, perguntam-lhe os amigos antes de partir. “Para agarrar objetos!”. Com a mesma lógica rigorosa se dá conta de que “um irmão é um irmão”, aquele que te conhece mais do que todos. O que por dez anos o manteve longe de Lyle é uma história antiga como a Bíblia, a mesma de Caim e Abel. Agora chegou o momento de empreender a viagem: mas “o velho e esfarrapado Alvin não viaja por viajar. Não tem nada do viajante moderno, daqueles que partem para partir, não para chegar. [...] Parte para chegar, tem uma meta de nome bíblico e um fim” (B. Fornara). E esta meta é o perdão, ou melhor: a necessidade visceral de ser perdoado pelo irmão.

Por isto, a absurda ideia de percorrer todas aquelas milhas com um cortador de grama é no fundo dramaticamente realista: aquela viagem só ele pode fazê-la, tal como ele é, com os meios de que dispõe. Ninguém pode tomar o seu lugar; com efeito “esta viagem é dura de engolir para o meu orgulho”. Durante o percurso Alvin ajuda uma moça grávida que fugiu de casa, é acolhido por um grupo de ciclistas, por uma família que o ajuda a consertar o cortador de grama; encontra um padre que simplesmente o escuta, deixa-se ajudar por um condutor de trator, o qual o aconselha em um momento de desconforto quando o motor fica na necessidade de reparo a pouca distância da meta (mas nós espectadores não ouvimos nada daquilo que eles conversam). Cada um com a própria tarefa e a própria responsabilidade, acompanha e se deixa acompanhar por Alvin. Até a casa do irmão: “Você percorreu tanta estrada com essa caranguejola para vir até mim?” pergunta-lhe Lyle. Com essa velha sucata, mas sobretudo com o seu orgulho nutrido há dez anos de teimoso silêncio? “Sim, Lyle”.

“Ouvi dizer que no Wisconsin fazem festas grandiosas”, havia dito a Alvin um jovem ciclista. Certamente naquela noite Alvin e Lyle Straight fizeram a festa mais bela de sua vida. Sentados em silêncio na varanda a contemplar juntos, como quando eram jovens, as estrelas do céu.

Uma história real (The Straight Story, Usa/Can 1999) de David Lynch com Richard Farnsworth, Sissy Spacek, Harry Dean Stanton, Jane Galloway Heitz, Dan Flannery, Ed Grennan, Joseph A. Carpenter, James Cada, Wiley Harker, Barbara E. Robertson, John Lordan.

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