As férias de início de ano do Centro Educativo Nossa Senhora das Graças (CENSG) marcam o estilo e o conteúdo de cada ano novo que Deus nos dá para crescermos juntos: adultos, adolescentes e crianças.
Neste início de 2011, o desejo de participar das férias, tanto dos professores como das crianças, se transformou em curiosidade: “Qual será o tema deste ano? Fantasia ou realidade? Quem vai participar: os pequenos ou só os adolescentes? Será que eu irei também?” Para esse ano escolhemos duas temáticas para dois grupos diferentes de participantes: “A criação geme nas dores do parto” para as crianças e “Beleza: paixão infinita” para os adolescentes.
Com as crianças recorremos ainda às histórias de fantasias (“A era do gelo II” e “Kiricu”), mas explicada e vivenciada nas férias no contexto do drama da humanidade que vive na ameaça ao futuro do planeta terra como iria dizer o lema da Campanha da Fraternidade da quaresma de 2011 da CNBB.
Com os adolescentes, dando continuidade ao tema da santidade do ano passado, recorremos à vida de alguns artistas que com a beleza das suas obras (esculturas e pinturas, musicas, arte cinematográfica) nos levaram a uma paixão infinita pela Beleza: Michelangelo, que pintou a Capela Sistina a pedido do Papa Julio II; Amadeus W. Mozart que fez músicas divinas; e umas das obras-primas de Charles Chaplin: “O garoto”, onde o amor totalmente gratuito de Chaplin salva um bebê da morte segura por abandono desesperado da mãe, e esta o receberá de volta, já garoto esperto e genial, educado pelo amor totalmente gratuito do pobre trabalhador.
Nós educadores fomos desafiados pela própria proposta que nos parecia impossível a ser realizada. Antes de entrar no local das férias, uma antiga olaria da diocese, me perguntei qual era a razão de termos preparado tudo com tanto carinho e beleza nestes últimos dois meses: um livro de cantos com músicas populares brasileiras e do Movimento, brinquedos construídos para realizar jogos, várias competições adequados aos temas escolhidos e propostos, preparamos as “palavras chaves” de cada dia, gravamos todos os filmes que íamos precisar durante a semana. Só encontrei uma resposta: confiamos em quem nós estamos seguindo nestes anos: padre Mauro e Dom Giuliano!
Trabalhamos por dois meses para preparar tudo o que iríamos precisar: as adolescentes costuraram as fardas das várias equipes junto com algumas educadoras; com a minha ajuda e a dos demais monitores, os meninos pintaram o “Ícaro” de Matisse e a “A criação de Adão” de Michelangelo, além de prepararem as faixas dos temas e os cartazes das palavras chaves. Quando as férias começaram os dias passavam rápidos, mas nos fizeram experimentar algo novo, como se fôssemos uma única e mesma família. Mesmo com todas as nossas limitações, o que parecia impossível desta vez aconteceu. O segredo desta realização? Simples: nos deixamos guiar!
Apesar do tempo chuvoso, no início do dia, depois dos momentos de oração e cantos, as crianças escutavam o anúncio do tema e sua explicação e durante o dia brincavam obedecendo às indicações dos educadores. O que mais importava, porém, era que além de se divertir e não estarem preocupadas em ganhar ou perder, estavam atentas umas às outras. Com os pequenos, a proposta do tema da Campanha da Fraternidade foi gradual: cada dia uma palavra guiava a nossa convivência – a Criação, o Caminho da Esperança, a Graça. Palavras que nos ajudaram a ver que o maior problema do nosso planeta não está em salvar a natureza, mas sim, a própria natureza humana, o homem inteiro. Como é possível o homem valorizar a natureza, as matas e as águas, os animais e o ar, se a própria natureza humana for destruída, não for levada a sério, não for educada a amar por ser amada? É o “eu” de cada um que está sempre em jogo, o planeta sem a humanidade é nada: Milton Nascimento o ensina com os cantos “Filho” e “Caçador de mim”.
Com os adolescentes, o ponto em jogo foi descobrir e valorizar o que nos move: “o coração”. É ele que exulta e se apaixona diante da beleza da vida. Aqui ilustramos com mais uma música de Milton Nascimento: “Meu mestre coração”, e com a reprodução da obra de Henri Matisse: o Ícaro. Era necessário saber que temos um coração e que ele deseja coisas que são infinitas. Aquele que tudo sente e reage ao escutar a “Orquestra para Violino” de Beethoven, ou que permite de sentir o próprio drama com o filme “Agonia e Êxtase” de um Michelangelo que é desafiado pelo Papa a pintar a Capela Sistina, uma obra que vai bem além de um teto pintado numa sala do Vaticano no século XVI. Nos filmes: “Amadeus” e “ O garoto” vibramos com a genialidade dos artistas que nos mostraram aspectos fantásticos da vida deles, belíssimos, apesar da luta e da dureza dos momentos difíceis que tiveram que enfrentar. Vimos neles não somente a criatividade dos gênios, mas o caminho que percorreram para ver e sentir de perto a “paixão infinita” que os movia e isso nos levou desejar, também nós, esta misteriosa e infinita Beleza.
Os amigos que nos visitaram e também participaram das férias – uma garota italiana filha de mãe brasileira, dois professores da Escola Agrícola Rainha dos Apóstolos de Manaus – se surpreendiam a cada dia que conviviam conosco. Eles perceberam que nós não estávamos esquecendo nada da vida dos garotos e o comportamento das crianças revelava uma certeza: “Somos amados!”
A realidade cotidiana de cada menino que está conosco é bastante dura. É possível sentir quase fisicamente que lhes falta tudo; mas nestes dias prevaleceu neles o desejo de abraçar quem está com eles, adulto ou colega, porque se sentem amados. Nós não queremos substituir as famílias deles, o que experimentamos nestes dias foi uma “outra realidade”, onde o outro não é uma desgraça ou um inimigo (drogas e violências não faltam no bairro onde vivem), mas sim uma nova relação, um novo encontro que nos faz desejar a vida cada vez mais. Assim, chegamos a descobrir, com Gonzaguinha, na sua música “O que é, o que é?”, a beleza da vida, apesar do drama que cada um ainda enfrenta. No fim das férias com os adolescentes fizemos uma assembleia deixando um tempo de silêncio e ouvindo o “Concerto para violino” de Beethoven enquanto eles escreviam suas experiências nestes dias. São quase vinte e cinco minutos o tempo que leva o violino solista para “abraçar” o tema da orquestra que toca para ele e com ele. Pareceu uma eternidade? Mas é bem mais demorado o tempo que precisa para um adolescente “tocar” a vida em sintonia com seus pais, educadores, professores, amigos e até para aderir à proposta que pretende abraçar totalmente o nosso desejo de felicidade, de liberdade e de beleza: enfim esta paixão infinita! Uma adolescente fez uma observação: “Eu gostei bastante das férias, mas o que não gostei foi das brincadeiras que eram bastante pesadas, difíceis.” Respondi que a vida também é assim, se as brincadeiras fossem fáceis talvez não haveria o gosto de brincar; não que a vida seja uma brincadeira, mas na vida existem algumas regras que nos ajudam a viver. Os meninos se uniam, sofriam ou se alegravam juntos, tanto quem competia como o resto do time que torcia; por alguns instantes cada um era protagonista nas brincadeiras; o nome dele era falado, gritado e incentivado para que terminasse sempre a prova; o importante para todos era que ninguém desistisse apesar da equipe saber que já tinha perdido aquela competição e o primeiro lugar.
Aprendemos e não esquecemos o que a Irmã Marcela nos tinha ensinado anos atrás quando ainda estava conosco: “Mesmo uma brincadeira poderá servir de comparação à nossa vida, porque se não houver regras tudo vira bagunça; sem afirmar os critérios, a vida se torna também bagunça, por isso é necessário ouvir sempre as exigências do nosso coração”.
É possível afirmar que aqueles que estiveram nas férias tiveram a oportunidade grande de aprender, compreender, ver e viver grandes coisas. A realidade passa a ser sinal de que somos amados, mas é necessário permanecer nesta escola onde só educa quem se deixa educar. Somente reconhecendo essa Presença é possível afirmar que o nosso coração é infalível.
Globery
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