Uma ligação do banco: um depósito foi creditado em sua conta. É uma doação imprevista que chegou em boa hora. Era dirigida à Associação de Trabalhadores Sem Terra de São Paulo, guiada por Cleuza e Marcos Zerbini, que reúne mais de cem mil pessoas: famílias que fazem sacrifícios para se tornarem proprietárias de uma casa e jovens que lutam para conseguir um diploma. Uma realidade que está crescendo, junto com as necessidades. E os recursos financeiros nunca são suficientes.
Um dinheiro doado. Tê-lo nas mãos não eliminou um problema, mas abriu um mundo. Quem o depositou? E por quê? Marcos e Cleuza buscaram e descobriram que a doação era de uma mulher italiana de Rimini, Giuliana Guerra. Assim, em março, quando estiveram na Itália, conheceram a família de Giuliana em Milão: as irmãs e alguns amigos que viajaram horas para encontrá-los. Ela, não, porque morreu pouco depois de fazer a doação. Um tumor no cólon, que chegou até o cérebro. Tinha 55 anos.
Giuliana leu sobre a Associação dos Sem Terra em Passos e ficou profundamente tocada com as histórias daqueles jovens que fazem grandes sacrifícios para estudar, continuando a trabalhar, para constituir o próprio futuro. Sempre repetia: “Não é possível que existam jovens que desmaiem de fome!”. E, assim, decidiu fazer alguma coisa.
“É fácil amar a própria família, disse Cleuza – mas que Giuliana tivesse nos amado tanto, morando do outro lado do mundo, este é o amor de Cristo. O sentido da vida é dar a vida pela obra de um Outro. Ela nos testemunhou isso, essa é a sua herança”.
Giuliana buscou a Beleza durante toda a vida. Era apaixonada por literatura, arte e poesia. Mas sobretudo pela dança. Nos últimos tempos dedicou-se ao ensino: conseguiu a transferência para San Patrignano, como professora de Arte. Também trabalhava na Obras educativa Portofranco, onde ajudava os jovens no estudo vespertino. Envolvia-se com eles sem reservas, compartilhando também experiências radicais, como voar de parapente.
Junto com outros amigos, fundou em Rimini a associação “Stalker – mendicantes do olhar”, um lugar de encontro com professores de artes visuais. Giuliana escrevia muito: reflexões, poesias, comentários sobre pintura que serão reunidos em um livro, ainda em elaboração. “Raramente conseguimos penetrar no mistério do cotidiano e perceber a Beleza. Temos os olhos ofuscados, o pensamento obtuso, por isso raramente fazemos experiência da realidade, daquilo que temos diante de nós, como passagem e acesso à possibilidade de gozar da Beleza”. Este é o comentário que escreveu sobre As Lavadeiras, de Abram Archipov. O poeta Davide Rondoni, convidado para escrever a introdução da coleção, citou essa frase de Giuliana indo a fundo no coração de sua amiga: “Ela não vivia um espiritualismo, mas uma consciência objetiva, fatal, combatida e conquistada de que a realidade é uma 'passagem'. Nada foi poupado a ela. Giuliana não se poupou. Atravessou, e suportou, a passagem da vida. O amor, a solidão, a doença, a arte: tudo é aquela ferida, aquela passagem”. Durante todo o tempo da doença, “Giuliana pediu muito a cura ao Mistério”, conta Laura, a irmã mais velha, “mas depois abandonou-se totalmente”. Sempre repetia: “Amo a vontade de Jesus”. No último mês de vida, a dor no fígado e na cabeça tornou-se lancinante. Dizia: “Jesus bateu na minha porta com a cruz. Talvez eu lhe diga: ‘Ajude-me com essa cruz, não foi você que me deu’?”.
Pouco antes de morrer, disse: “Quero oferecer tudo a Cristo, pela salvação dos mais duros de coração”. E, também: “Ofereço tudo... mas quando morrerei, quando planarei, quando estarei diante d’Ele? Parece que este momento nunca chega, no entanto, sofro e ofereço. E, depois, quando estiver com Ele, não acontecerá aquilo que disse às mulheres depois da Ressurreição ‘Noli me tangere’, não me toquem, vou enchê-lo de beijos”.
Mesmo morando muito distante, vivia seu cotidiano em comunhão com aqueles que sentia como amigos, em missão: irmã Paola na Venezuela, padre Aldo no Paraguai, padre Bepi em Serra Leoa, os padres da Fraternidade San Carlo... Para cada um deles se doava como podia, enviando materiais e aquilo que podia ser de ajuda. “Um espírito vivo e grande como o de Giuliana tinha consonância com outros espíritos e testemunhos verdadeiros de Cristo”, disse padre Claudio Parma durante a homilia no funeral. E é a mesma descoberta de Cleuza: “O que mais aprecio de Giuliana não é o dinheiro que nos enviou, mas o seu pertencer a Cristo porque, quando alguém sofre, pensa em si, mas ela pensou em nós, e não nos conhecia. Giuliana é um exemplo. Existem muitas ideias, a pessoa pode até ter boas ideias. Porém, o cristianismo não se funda sobre ideias, mas sobre as testemunhas que O tornam presente. E as testemunhas permanecem para sempre”.
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