Nos dias 26, 28 e 30 de setembro foram realizadas, no Presídio Feminino do Distrito Federal (PFDF), rodas de conversa com os alunos do curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB) sobre as poesias da escritora mineira Adélia Prado como parte integrante das oficinas literárias Sob a Custódia do Tempo: a Literatura no Cárcere que pertencem à pesquisa de mestrado de Maria Luzineide Ribeiro orientada pelo Prof. Dr. Robson Coelho Tinoco do Departamento de Teoria Literária e Literaturas da UnB.
Nos dois primeiros dias foram lidos e comentados os poemas Com licença poética, Desenredo, Casamento, A terceira via, Ensinamento, entre outros, que sublinham a beleza dos acontecimentos simples do cotidiano, ressaltam a profundidade dos relacionamentos e expressam os sentimentos, os desejos, as perguntas que permeiam a trama da vida de cada homem e mulher. No terceiro dia, houve um encontro das internas com a turma de Direito Penal II da Universidade de Brasília baseado na leitura e interpretação das poesias adelianas. A conversa começou um pouco tímida, mas não demorou muito para que ao longo da leitura das poesias começassem a surgir comentários, opiniões e histórias da vida daquelas mulheres marcadas pela dor, pela distância dos filhos, pela perda da liberdade, pela exclusão da sociedade. Uma das internas disse: “Eu não sou nada, eu não sou ninguém.” Mas Danilo Morais (aluno da turma de Direto Penal II) responde: “Não é verdade que você não é ninguém, porque nós estamos aqui.” Então, ouvimos de outra interna: “Obrigada por vocês nos reintegrarem na sociedade, por fazer nos sentir parte dela.”
Ao final do encontro era impossível não abraçar cada uma das internas com ternura, pois quando os fatores determinantes dos relacionamentos não são as formas pré-concebidas ou impostas pelo poder social, pode-se olhar verdadeiramente para outro, ou seja, valorizá-lo em sua totalidade como ser humano. Com esse novo olhar torna-se possível o recomeço para muitas dessas mulheres encarceradas fisicamente que, no entanto, podem ser livres porque descobriram que o eu tem um valor infinito, então, uma delas faz o pedido: “Professora, não deixa a gente sozinha.”
Para expressar essa descoberta com sentido e significação, as internas realizaram, no dia 3 de outubro, juntos com alguns amigos de Comunhão e Libertação o sarau Encontro marcado com Adélia Prado a partir das poesias trabalhadas nas rodas de conversa. Na plateia estavam as internas convidadas, a diretora da penitenciária, Deuselita Martins Pereira, o subsecretário do Sistema Penitenciário do Distrito Federal, Dr. Claúdio de Moura Magalhães, o secretário executivo da Secretaria Geral da Presidência da República, Rogério Sotilli, a idealizadora do projeto, Maria Luzineide Ribeiro, o orientador da pesquisa, Prof. Dr. Robson Coelho Tinoco, o vice-diretor da Penitenciária do Distrito Federal I, Marcos Aurélio Sloniak, e o grupo Madrigal da Escola de Música de Brasília.
As internas se preparam para o sarau em todos os sentidos, desde a interpretação das poesias até o cuidado com o visual. Elas estavam simples, mas bonitas. Cada uma deu um toque de beleza em si mesma seja com um batom nos lábios, uma sombra nos olhos ou um penteado diferente. Era perceptível a alegria delas por participarem do sarau recitando e cantando, sendo protagonistas daquela experiência de beleza, confirmando o que Adélia Prado nos disse quando esteve em Brasília no mês de setembro: “a semente da beleza já está em nós, sou faminto de beleza.” (1)
No final da apresentação poética, as internas fizeram um pequeno coral para cantar a música Maria, Maria (Milton Nascimento/ Fernando Brant) acompanhada pela Luana Duarte que definiu essa experiência como a “expressão máxima da humanidade que grita por liberdade. Elas estavam presas, mas naquele momento elas eram livres.” Ou o Felipe Chagas que diz: “São pessoas que cometeram um erro, infligiram a lei, mas eu também erro de outras formas. Isso foi uma oportunidade. Não é o preconceito que me move. É um olhar diferente que devo começar a ter com tudo.” A Marília Ferreira ficou impressionada com a atenção das internas: “fazia vibrar o meu coração, eu reconheci uma coisa grande.” A Camila Souto disse que éramos iguais, não havia diferenças. E a Tamara Souto, na segunda-feira à noite, quando foi para a monitoria na faculdade ficou ansiosa para encontrar alguém e contar o que tinha vivido naquele dia, pois “nós fizemos o sarau para elas e elas fizeram o sarau para a gente.”
Depois do sarau o grupo de canto coral, Madrigal, finalizou maravilhosamente o evento com três poemas musicados. O primeiro é da poetisa goiana Cora Coralina, o segundo de Manuel Bandeira e o terceiro de Vinícius de Moraes.
Na saída das internas para retornar a cela era visível a alegria delas e ao cumprimentá-las pelo belo espetáculo que deram a todos se ouve o pedido: “Não esquece da gente.” É impossível esquecer, por isso, há um grande desafio pela frente que nasce do surgimento de um olhar novo que valoriza o ser humano, apesar dos erros cometidos, em todas as suas dimensões e necessidades, contribuindo de maneira efetiva para uma sociedade verdadeiramente mais justa e uma cultura nova.
(1) Fala de Adélia Prado durante o lançamento do seu novo livro, A duração do dia, Centro Cultural Banco do Brasil em Brasília no dia 14 de setembro de 2011
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