Recentemente visitei um pequeno povoado de camponeses no vale de Trebbia, a poucos quilômetros de Piacenza, na Itália. Rezava e admirava a beleza da natureza que estava à minha frente: os campos cultivados, verde e amarelo, e a montanha. De repente, o silêncio daquela paisagem foi quebrado pelo som dos sinos da igreja do povoado vizinho. Isso me fez lembrar de Neide, uma amiga da minha paróquia no Brasil que durante um encontro disse que o som dos sinos indica não só o horário, mas também a presença de Deus no nosso bairro. Fiquei pensando quais são os verdadeiros sinos da minha vida. Seguramente não aqueles que ficam pendurados nas torres das nossas igrejas, mas aquelas pessoas e aqueles fatos que me chamam a atenção para a doce e fiel presença de Jesus. Quero falar sobre alguns desses sinos que fazem da minha vida uma sinfonia.
O primeiro sino é uma mulher da minha paróquia, que vive num beco do nosso bairro e a casa dela é muito pobre. Ela trabalha como empregada numa família e ganha, penso eu, mais ou menos um salário minímo dos quais um terço doa por meio do dízimo para o paróquia. Um dia, depois de ter assistido na televisão uma reportagem sobre uma Igreja da África me disse: “Pe. Inácio, quero ajudar aquela igreja porque também eles são meus irmãos”. Aquela senhora tornou-se para mim um sino tocado por Jesus, que me fez vibrar, e o som ainda reverbera nas minhas entranhas, nas minhas veias. Ela tornou-se para mim sinal de um grande coração e de como a fé nos abre para o mundo.
O segundo sino é padre Emilio. Há um momento em particular em que o som deste sino se torna evidente. Todo domingo à noite, quando jantando, julgamos juntos os fatos da semana partindo da amizade com Jesus. Alguns domingos atrás, fiquei cheio de admiração quando ele me disse que muitas vezes buscamos a perfeição nos amigos e não a encontrando ficamos escandalizados e fez a seguinte afirmação: “Jesus não é assim conosco. Pelo contrário, Ele entra na nossa imperfeição e nos abraça”. Durante esses jantares fica clara uma característica dele que me fascina e consiste na sua paixão por Jesus, que o leva a não perder tempo, tentando de várias formas envolver novas pessoas na nossa amizade.
Em nossa condição, somos solicitados a usar ao máximo a nossa criatividade para nos aproximarmos das pessoas, para que possa acontecer o encontro com Cristo. Essa criatividade levou-me a decidir não usar o carro na nossa paróquia, para que indo a pé possa encontrar mais pessoas e depois de alguns meses posso confirmar de como, indo a pé, de verdade, é uma possibilidade de fazer encontros imprevistos. Por exemplo, num domingo, visitando uma paroquiana, soube que na noite anterior tinham assassinado o filho de uma senhora que morava ali perto. Aproveitei para ir visitá-la. Entrando, vi que segurava a última camiseta que seu filho tinha usado e ela me disse: “Padre, este é seu último suor”. A partir daquele momento nasceu um relacionamento com ela. Outro exemplo dessa fantasia foi organizar uma festa para as crianças no domingo de Páscoa, durante a qual convidamos um palhaço e na semana anterior, o padre Emilio e eu fomos pelas ruas do bairro para convidar o maior numero de crianças possível. Fomos na maioria das escolas, parecíamos garimpeiros em busca de algo precioso, porque cada criança é uma pepita de ouro que Deus nos dá.
Quarto exemplo desta criatividade é o gesto mensal da “Caritativa”, que consiste em brincar com as crianças numa praça do bairro e não como todos os anos na paróquia. Essa nova modalidade é interessante porque dá a possibilidade a mais crianças de participar e se torna ocasião de conhecer novos adultos como foi no mês de agosto quando um pai que “estava enchendo a cara” deixou a geladinha sobre a mesa e veio ficar com a gente e brincar de cabo de guerra. Esta iniciativa é muito significativa porque nos educa a perceber que Cristo não está numa parte separada da vida, mas está dentro da vida, está dentro do bairro e por consequência nos ajuda a ficar próximos do povo: se torna um gesto popular, é uma alegria, é “folia de Reis” cotidiana que dura o ano todo.
Quinto exemplo deste impeto novo é o fato de destacar as procissões, como aquela da festa paroquial, no domingo seguinte à Páscoa, durante a qual o padre Emilio usou toda a voz que tinha para que todos os passantes pudessem participar daquilo que estávamos celebrando. Neste ano, pela primeira vez, fizemos a procissão de Corpus Christi, no dia 7 de junho. Foi significativo percorrer as ruas do bairro com o Santíssimo Sacramento. Foi interessante ver, por exemplo, um homem que estava bebendo a sua cerveja e quando viu o “Santíssimo Sacramento jogou fora a “geladinha dele” e, no final, aconteceu um pequeno milagre: uma motoqueiro, por causa de um carro que cortou o caminho dele, perdeu o controle da moto que parou a poucos centímetros da procissão. Eu acho que Jesus pôs uma mão sobre a nossa cabeça.
Agora vou terminar com esses exemplos e vou continuar com o concerto de sinos, que pode ser também um “roda de samba”. Eu e os meus amigos dos quais estou contando somos os tocadores e vocês os espectadores, não parados, mas prontos para dançar esse belo samba que é a vida da qual o autor é o bom Deus.
Falando de amigos, queria contar sobre o terceiro sino: Otoney. Dele me comove a paixão que ele tem pelo trabalho como advogado, pela família dele (a mulher e os três filhos) e pelos amigos com os quais procura a verdade das várias circunstâncias da vida. Um dia, ele disse, durante um encontro: “O melhor amigo é aquele que o Senhor coloca ao seu lado e não aquele que você imagina". Como não se deixar tocar pelo reverbero desta frase que é como uma nota musical que não esqueço.
Continuando nesse “ trio elétrico” que é a amizade, vamos conhecer Jean, o quarto sino, um jovem de 17 anos que participou no mês de julho das férias dos colegiais em Minas Gerais. Durante um almoço ele comunicou para os amigos dele e para mim quanto foi significativa aquela viagem, sobretudo um passeio que devia durar 4 horas e ao invés durou 9 porque perderam a trilha. Ele nos disse que naquela ocasião aprendeu que na vida não devemos dar por óbvio nada e devemos seguir sempre os grandes desejos do coração. Compartilhou também a experiência que provou durante a Santa Missa no final daquele dia, no momento que estava recebendo a Eucaristia disse a si mesmo: “Mas quem sou eu para merecer o corpo de Jesus?” Este testemunho tornou-se para mim um sino que está tocando com toda força, considerando o ambiente não facíl no qual vivemos, onde os jovens com facilidade são vítimas da violência, porque foi sinal de como os sinos de Cristo podem tocar mais alto que o barulho das balas.
Falando dos jovens quero mencionar o quinto sino que são duas irmãs: Denise e Carla. Esta última é cega desde quando ela tinha 9 anos de idade, e as duas estão participando da preparação para receber o sacramento da Confirmação, no dia 25 de novembro. É belíssimo ver o carinho que as duas têm uma pela outra, que foi possível notar desde o primeiro encontro durante o qual eu cometi uma “gafe”, porque tomado pela distração mostrei um vídeo, e durante o documentário eu ouvia o murmúrio de uma voz na escuridão da sala e assim procurei descobrir de quem fosse e com surpresa descubro que aquela voz era de Denise que estava explicando para Carla as cenas do filme e quando tinha algo de divertido Carla ria como se estivesse vendo: o verdadeiro o amor faz ver também os cegos, dentro da escuridão.
Dando continuidade a este ritmo juvenil gostaria de compartilhar uma iniciativa, eis o sexto sino, que começou por meio da disponibilidade de uma profesora chamada Olivia, que todas as quintas-feiras ajuda gratuitamente quatro jovens a estudar. Falando dos jovens não posso não falar de uma outra nova proposta que brotou este ano que é um almoço mensal de domingo no qual os jovens podem copartilhar aquilo que os está provocando, o número varia de 8 a 12. Durante um desses momentos, uma garota chamada Geisa contou como a nossa amizade ajuda-a a levar a sério as necessidades mais profundas da sua vida e que em outros lugares seriam ignoradas. Ela, durante um desses almoços, no qual eu usei a palavra “banal” ela me corrigiu dizendo:”Padre Inácio, na vida nada é banal.”
No parágrafo precedente eu falei da profesora Olivia, e aproveito de falar agora da sua irmã, Barbara, e do esposo dela, Uelson, que são o sétimo sino. Eles se casaram depois de 9 anos de convivência no dia 14 de julho e foi evidente pela modalidade com a qual eles participaram da celebração, que tal evento faz parte de um processo de conversão que começou há alguns meses. Eles estão sendo verdadeiros companheiros de caminhada e com eles juntos com outras pessoas, no dia de 16 junho, organizamos uma festa junina maravilhosa tradicional: zabumba, triangulo e sanfona da qual participaram 500 pessoas. Os moradores do bairro gostaram muito porque foi como respirar os ares da própria casa, pelo fato que a maioria vem do interior da Bahia. A igreja nos educa a valorizar as origens culturais.
Entre os sinos não posso esquecer o Sr. João, 92 anos, o sino número oito, o qual todas as primeiras sexta-feiras do mês, dia da visita dos doentes, ele me espera na entrada de casa com o coração desejoso de receber o sacramento da confissão e o da Eucaristia e sempre me acolhe com uma grande festa a tal ponto que me prepara um bom almoço. Ele já me falou várias vezes que durante o mês a minha visita é a mais importante, porque atráves de mim recebe o perdão e o corpo de Jesus.
Outro sino é a dona Antônia, a responsável de uma capela da paróquia, que uma noite, durante uma reunião, comunicou o fato que estava enfrentando algumas dificuldades durante a preparação da festa da comunidade, que foi no dia 6 de agosto dia da Trasfiguração e que as oferecia à Jesus e, graças a Deus, como ela existem outras na paróquia.
O décimo sino são as Irmãs de Madre Teresa de Calcutá, que moram perto da minha paróquia e eu vou compartilhar com vocês um fato interessante. Um dia, elas me ligaram dizendo que havia um jovem com o diagnóstico de câncer e que devia se batizar com urgência porque a situação dele era grave. Por esta razão naquele mesmo istante mudei todo o programa do dia, renunciei ao almoço e corri para o hospital. Depois de não poucas dificuldades, porque não era o horário das visitas, conseguimos entrar no quarto do paciente e vejo que este jovem estava de pé e estava brincando. Naquele momento nasceu em mim um sentimento de raiva, que consegui esconder até o Batismo, mas foi suficiente ultrapassar a porta do hospital que da minha boca saíram faíscas de fogo contra essas duas Irmãs, porque disse para elas que não podiam me tratar naquela maneira, pois tinha mudado todo o meu dia para atender o pedido “urgente” delas. Mas o que acontece ... No dia seguinte, elas me ligam de novo comunicando-me que durante aquela noite o jovem morreu, e eu, que no dia anterior tinha ficado bravo com elas, agora fiquei cheio de gratidão pela perseverança delas que permitiram que aquele jovem, escravo da droga, pudesse morrer na graça. De verdade a vida não pertence a nós, e sempre devemos estar prontos a ser instrumentos da misericórdia de Deus.
E agora, podemos passar ao último sino, penso o mais importante, que é o meu coração, do qual, nesses últimos meses, está brotando, com sempre mais força, um sentimento que eu chamo de "Saudade de Jesus", que consiste numa sede profunda dEle, do bom Jesus. Isso se exprime concretamente no meu despertar cedo e, antes de qualquer coisa busco, reconheço o abraço de Jesus, com a oração do Ângelus, com a adoração eucarística, com outras orações e com a meditação (a importantíssima “Escola de Comunidade”). Começando assim o dia, para mim é fácil reconhecer os outros sinos, dos quais alguns citei neste “samba” que compõe a grande sinfonia da vida. Muitas vezes, se realiza debaixo de um belíssimo arco-íris, que na Bíblia representa a aliança de Deus com o povo de Israel.
Peço a vocês que rezem para que eu tenha coragem de não seguir meus sonhos, mas o som dos sinos que o Senhor coloca em minha vida, para fazer parte de Sua sinfonia.
Padre Inácio, Salvador (BA)
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