Eu leciono Italiano e Latim no Liceu clássico de minha cidade. Quero contar-lhes uma bela surpresa que me abriu os olhos e o coração no começo deste ano letivo, obrigando-me a uma reviravolta total em relação às ideias que eu tinha sobre uma turma. Sim, pois, quando no início de setembro descobri a composição de meus horários de aulas, fiquei decepcionada, e mesmo com raiva: eu estava muito ligada a uma outra turma, da qual fazia questão por diversos motivos. Assim, ainda que tentasse aceitar a realidade com a idéia de que certamente haveria algo positivo lá para descobrir, atuava sempre sem acreditar nisso de verdade, dominada pelo meu próprio sentimento.
Porém, não renunciei a propor também àqueles jovens a aventura que teríamos de enfrentar estudando literatura. No primeiro dia de aula eu lhes propus a leitura de um trecho tirado do ensaio “A literatura em perigo” de Todorov, no qual o célebre crítico relata como nasceu e cresceu nele a paixão pela literatura, chegando a dizer que ela nos ajuda a responder à nossa vocação de ser homens. Eu o li, o comentei e o silêncio falava de tiros que haviam acertado no alvo: os alunos, confusos mas fascinados e curiosos, escutavam e me olhavam. Enfim, eu tinha sido capaz de conseguir o que queria. Dei um trabalho: redigir um comentário pessoal sobre o trecho lido, como já fiz tantas outras vezes. Depois saí da sala. Terminei um trabalho e terminou também a manhã.
No sábado houve a Jornada de Início de Ano com Carrón. Ali, em silêncio, eu fiquei fascinada e marcada como os alunos. Fiquei em silêncio até a hora de dormir. Não podia escutar outra coisa a não ser aquilo que me tinha acontecido.
No dia seguinte me dediquei à correção daqueles trabalhos. Eu precisava me livrar daqueles cadernos que, havia muitos dias, ficavam amontoados ocupando espaço sobre a minha mesa.
Mas eis que o Mistério se introduziu justamente ali, na poeira acumulada sobre as capas e sobre o meu coração. Com um sopro levantei o véu sobre um horizonte inimaginável, que me revelou o rosto verdadeiro e a estatura humana daqueles adolescentes. Agora era eu que devia responder à altura dos desejos que, um após o outro, um maior do que o outro, ia descobrindo ao ler aqueles trabalhos. Virei a noite para preparar um Power Point com os trechos mais bonitos de cada texto, porque em cada um, olhando bem, até o fundo, encontrei uma pérola preciosa, de tal modo que poderia mostrar-lhes quem eles são, como é grande o seu coração, o seu desejo de vida. Transcrevo a seguir algumas frases:
Para mim é importante chegar a descobrir a própria vocação, porque cada um foi colocado no mundo para um fim preciso e não devemos desperdiçar esta ocasião que nos foi dada. Devemos viver cada dia aspirando sempre ao melhor e nunca desanimar diante das dificuldades, pelo contrário, devemos valorizá-las porque, graças a elas você consegue crescer. Logo, se a literatura puder ajudar-me no percurso da minha vida, serei feliz de estudá-la.
Neste ano letivo tenho tantos desejos e tantas esperanças. [...] Espero não ver mais na literatura somente uma nota, um trabalho para executar, mas uma ocasião para enriquecer-me e, a longo prazo, "para responder melhor à minha vocação de ser humano" como afirma Todorov.
Não lembro quem, no passado, me sugeriu fazer perguntas, sempre, em qualquer lugar, de qualquer tipo. Não lembro quem, mas agora eu sei que tinha razão: é preciso interrogar-se, perguntar, refletir, descobrir, descobrir-se. É difícil, porque frequentemente a gente se detém na superfície, talvez porque entrar demais em profundidade pode machucar, ou talvez porque simplesmente nos contentamos. […] Portanto, eis onde procurarei empenhar-me neste ano, eis que entendi que devo ir além.
Pessoalmente, devo ainda descobrir o gênero literário que me fascina mais e que poderia me ensinar alguma coisa acerca da vida. [...] Espero que a literatura me faça descobrir outros mundos, mas também que me possa ensinar os valores da vida que até agora não consegui aprender.
A literatura permite olhar o mundo com olhos diferentes, mais ávidos e desejosos. Quem não se arrisca em tais aventuras fica ancorado num estilo de vida no qual apenas sobrevive, sem abrir a própria curiosidade às maravilhas que o mundo nos oferece. Deste modo o tédio e a monotonia se apossam do homem, o qual nunca descobrirá os infinitos modos de amar que a literatura pode oferecer.
Porém, professora, a senhora hoje descreveu a literatura de modo que se apresentasse, aos meus ouvidos, uma promessa. A promessa de compreender qual seja a minha vocação e o meu futuro, já que ainda não é claro para mim.
Eu não tinha entendido mesmo nada daqueles adolescentes, dando tudo por óbvio, fechada que estava em mim mesma. E talvez teria corrigido esses trabalhos sem ver a beleza que neles descobri depois de ter sido tomada, comovida, ferida pela Beleza de Cristo novamente visto e tocado no encontro com Carrón.
Alessandra, Cesena (Itália)
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