Na véspera de cumprir seus 84 anos (e os 60 de sacerdócio), o padre Piero Gheddo está em plena atividade. Livros, conferências, artigos, viagens, emissões de rádio, blog. É um missionário italiano, um homem que ainda se comove ao encontrar-se com pessoas que se convertem à fé cristã em qualquer parte do mundo. Quando era um jovem sacerdote do Pime (Pontifício Instituto das Missões Exteriores) passava muito tempo com Dom Giussani, e esta amizade perdurou com o passar dos anos. Ele lhe enviou um cartão postal da Índia poucos dias antes de sua morte: havia rezado por ele e pelo Movimento no maior santuário mariano da Índia, em Velankanni, onde a cada ano, passam mais de cinco milhões de peregrinos.
Padre Gheddo, quando conheceu Dom Giussani?
Fui ordenado em 1953 e o conheci entre 1955 e 1958. Entrei em contato com Giussani através de Dom Aristide Pirovano, que era então Bispo da diocese brasileira de Macapá. Dom Gius – já o chamavam assim – queria mandar os primeiros voluntários de Gioventù Studentesca (Juventude Estudantil, primeiro núcleo de CL) para a missão na América Latina e pediu ajuda àquele Bispo do Pime e ao doutor Marcello Candia.
O que lhe marcou nele?
Era um sacerdote impressionante, cheio de paixão. Ele me convidou para as catequeses que dava na Rua Statuto, a primeira sede do Movimento em Milão. Fui com um companheiro do Pime, o padre Giacomo Girardi, grande amigo seu. Ficamos fascinados. Giussani era um homem apaixonado por Cristo e não deixava de repeti isso: vocês têm que se apaixonar por Cristo, ele não é um homem do passado, mas sim uma pessoa presente, pela qual pode se apaixonar. Ficamos tocados pela força de sua fé, sua insistência na presença de Jesus Cristo e no valor da cultura. A fé que se faz cultura, que não é algo particular, mas sim que incide em todos os aspectos da vida.
Aquelas palavras eram algo novo para o senhor?
Graças a Giussani meu sacerdócio se tornou mais pleno e verdadeiro. Quero deixar claro que eu estava bem encaminhado. Havia sido educado por dois pais que, se Deus quiser, iniciaram seu caminho para a beatificação, e depois eu fui para o Pime. Com Dom Gius aprendi a fé como militância. Ele repetia sempre: se a fé não muda, nem faz mais humana a vida do homem e da sociedade, não vale nada. Ele apresentava para os jovens e também a nós, jovens sacerdotes, a beleza da fé e a responsabilidade que vem de ter recebido este dom de Deus, do qual todos têm necessidade. Era um modo vivo, original, apaixonante, de entender o ser cristão.
Que ajuda o senhor teve de Dom Giussani?
Eu queria partir para a Índia, mas meus superiores me deixaram trabalhando nas publicações missionárias. Sua insistência na fé que se faz cultura foi fundamental para as tarefas que me foram confiadas. Para mim foi uma fortaleza também em 1968, nos anos da contestação que tão duramente golpearam a Igreja Católica. Dom Giussani a defendia com vigor. Sempre obedeceu – e nos fazia obedecer – ao Papa e aos Bispos, mas naquele período fez isso de modo especial. Em 1968 não se importavam muito com “Cristo”: Jesus era considerado o primeiro socialista. Uma espécie de líder revolucionário. Enquanto os agitadores atacavam a Igreja Católica, a presença física de Cristo, Giussani pelo contrário a defendia com todas as suas forças. Para mim, que pertenço a um Instituto Pontifício, o apego de Dom Gius ao Papa fez com que ele se tornasse ainda mais querido para mim.
Voltaram a se ver com frequência durante os anos em que o Pime abrigou a sede do CL?
Na Rua Mosé Bianchi o Instituto havia construído uma nova ala e, assim, entre 1973 e 1993 acolhemos com prazer os membros de CL, que estavam tendo dificuldades para encontrar uma sede dentro da estrutura da diocese. Sempre através do padre Girardi, emprestamos o terceiro andar completo, com 18 salas. Meu gabinete estava bem abaixo do de Dom Giussani. Aos sábados à tarde tínhamos a catequese: nunca havia visto nossos salões tão cheios. Ele gostava muito do nosso Instituto, nos enviava seus jovens com vocação missionária. Cerca de 30 rapazes da em>Gioventù Studentesca entraram no Pime. Recordo em particular o grande padre Massimo Cenci, que morreu no ano passado e que foi subsecretário de Propaganda Fide, e Dom Giuliano Frigeni, hoje Bispo de Parintins, no Brasil.
Naqueles anos de convivência na Rua Bianchi que novidades descobriu em Dom Giussani?
Vi confirmada sua abertura à missão universal da Igreja. Eram tempos difíceis para a presença cristã na sociedade. Giussani promovia com entusiasmo as vigílias missionárias que o padre Girardi organizava em Milão: se caminhava desde o Castelo Sforzesco até a Catedral. A Rua Dante, cenário habitual de brigas e confrontos, se convertia em um rio de jovens cristãos. Lembro-me das campanhas de opinião pública, como uma para acolher na Itália os refugiados do Vietnã e Camboja ou as manifestações pela paz no Líbano. Anos depois Dom Giussani me convidava para o Conselho Nacional do Movimento, no Instituto Sacro Cuore, quando queria enviar alguém para o Japão. A Ásia é um continente difícil, e eu lhe disse que levaria pelo menos 20 anos de presença para começar a entender algo.
O senhor se encontrava justo na Ásia, na Índia, no dia em que Dom Giussani morreu.
Sim, estava visitando as populações afetadas pelo tsunami nos estados de Tamil Nadu e Andhra Pradesh. O padre Bernardo Cervellera, outro dos que eram colegiais e acabaram no Pime, me telefonou no meio da noite. Dias antes eu havia enviado um cartão postal a Giussani da cidade de Chennai, dizendo que havia rezado por ele e pelo Movimento Comunhão e Libertação no Santuário da Virgem de Velankanni, a Lourdes indiana.
Como é hoje a herança de Giussani?
Giussani sempre está presente, vejo que é uma referência contínua nas catequeses do CL. Recordo muito bem quando nasceu o Movimento Popular com Formigoni e Buttiglione: ele estava feliz, mas imediatamente disse que o CL não estava envolvido naquela iniciativa porque dava plena responsabilidade às pessoas. Comunhão e Libertação, como outros movimentos, é uma resposta do Espírito à crise de fé que sacudiu a Igreja. A vida e os ensinamentos de Giussani deveriam fazer refletir à Igreja italiana e a nós, os missionários, sobre o carisma de cada um de nós e sobre a fidelidade à nossa vocação.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón