“Ele fora um bom filho para seu pai e sua mãe/ Até o dia em que começara a sua missão”. Os versos de Charles Péguy ecoavam nos ouvidos de um grupinho de pessoas dispostas a seguir Jesus até a Sua morte. E morte de cruz. Numa cidade de oito milhões de habitantes, o cortejo seguia como que apontando para todos os outros transeuntes qual era a ordem do mundo. Ali estava “o cidadão de uma outra cidade/ a Cidade Eterna”, caminhando rumo ao Seu destino. O Pai. Por amor ao destino de cada homem, mulher, velho ou novo, criança ou nascituro. O único amor que salva a nossa humanidade.
O cenário não podia ser mais bonito. Era a própria Beleza: a casa onde Deus mora. No Aterro do Flamengo, coração da Cidade Maravilhosa, um coro de não mais de vinte vozes nos fazia recordar: “Amicus meus, osculi me tradidit signo”, Meu amigo me traiu com o sinal de um beijo.A dor da traição, da qual todos somos partícipes. Cotidianamente.
Contudo, a nuvem se dissipava no céu: o azul ia pintando, na face de cada acompanhante, a certeza de que a espera não é parada. Não é vã. Aquele que se entregou por nós ressuscitou! É fato. É sabido. Então por que, ao lado de Maria, acompanhavam-No, como quem acompanha o enterro de um vivo?
E os ônibus paravam. Talvez alguém dentro dele tivesse feito o sinal da cruz. Talvez um outro comentasse: “Quem são esses duzentos que não viajaram para aproveitar o feriadão?” Ou ainda ninguém se espantasse, ou se surpreendesse... Tão esquecidos de si mesmos se encontravam. Porque não se perderam completamente, os duzentos O acompanhavam. Ele que doa sua vida por todos; mesmo pelos esquecidos, os inebriados, os distraídos, os vacilantes, os perdidos. Nós. No Rio de Janeiro, como fora em Jerusalém há 1980 anos, havia um Cirineu, uma Verônica, uma Madalena... Mas também havia Pedro que, antes de o galo cantar três vezes, dissera e diz: “Eu nunca vi este homem!” Nós.
Seguindo a cruz, carregavam um aguilhão que lhes feria os ouvidos: “Seus amigos amavam-no tanto quanto o odiavam seus inimigos?” Péguy atualizava o desafio de caminhar na cidade de oito milhões, pois esta era a forma concreta de responder a uma pergunta que se coloca para cada um diariamente: no trabalho, na escola, na família. Enquanto isso, o canto de Maria, na voz dos 20, soava: “Or, se per trarvi al ciel dà l’alma e l’core,/lascieretelo voi per altro amore?” “Ora, se para levá-los ao céu, dá a alma e o coração,/O deixaríeis por outro amor?”
Em duas horas, o cortejo se encerra. Jesus está morto. No entanto, o coração do povo espera. Uma espera que se renova a cada dia. Uma espera que aqueles duzentos caminhantes desta Sexta-Feira Santa de 2013, na Cidade do Rio de Janeiro, não querem esquecer.
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón