Quando penso na pergunta: “Como se faz para viver?” que me sustentou durante este ano, aquilo que aprendi, é que devo viver a vida como uma hipótese. Falamos muito sobre isso nas férias deste ano. Tenho uma tendência a fazer projetos; sou um tipo muito sério, organizado, que ama ter tudo sob controle. Minhas agendas são coloridas em nuances, meus filmes estão em ordem alfabética, tudo é muito organizado e fácil de encontrar. É compreensível, controlável, resolúvel, gerenciável, posso fazer funcionar. Assim foi para mim no passado e pensava que tudo estava em seu lugar. Havia Cristo, mas estava quase que à margem, enquanto as circunstâncias estavam, às vezes, um tanto ameaçadoras. Mas eu conseguia, ao menos, mantê-las sob controle. Bem, Ele me ajudou... Sabe, eu lhe pedia ajuda quando perguntava em que colégio estudar ou para qual faculdade ir, ou onde morar, onde devia ficar ou trabalhar. Decisões importantes, mas a cada dia Ele ficava cada vez mais de lado. Quando fui a Omaha, pensava que esta transferência fosse mais um passo numa história que se encaminhava pelo melhor. Fui bem na faculdade, obtive meu diploma e encontrei o trabalho que desejava. A minha vida decolava e seguia por esse caminho perfeito, com a esperança de encontrar um marido, de viver até 80 anos e ter uma porção de filhos. Tens estes projetos e tudo está em seu lugar. Bem, de repente, me dei conta de que nada era perfeito, que não posso controlar todas as coisas, que devia deixar acontecer um monte de coisas. Foi um longo processo.
Um exemplo foi dado no trabalho. Sou fonoaudióloga, trabalho com pessoas que têm problemas de audição, crianças, adultos e também idosos. Também aqui, existe um esquema que posso seguir, principalmente com crianças. Já são identificadas através de um sistema de scanner neonatal. Se apresentam problemas de audição, posso submetê-las a um aparelho acústico quando estão com um a dois meses de idade; e, se o faço a tempo, tudo corre bem e podem aprender a falar normalmente e a viver satisfatoriamente. Este é o padrão. Mas, logo aprendi que raramente isto tudo ocorre desta maneira.
No meu primeiro ano de trabalho, tinha entre meus pacientes uma menina pequena que me causou problemas. Só foi diagnosticada com problema de audição aos oito meses, o que é considerado muito tarde; recebeu um aparelho auditivo mas durante um ano todo ela não queria usá-lo. Não ouvia e não falava. Estava com dois anos e meio e não conseguia falar nada. Meu trabalho é seguir o procedimento e, por isso, tudo o que faço tem por objetivo a linguagem para que possa aprender a falar. Sentia-me cada vez mais frustrada, realmente irritada, procurava ter a situação sob controle e de dar à mãe todas as orientações para fazer com que ela usasse o aparelho, impedindo-a de tirá-lo. Mas não funcionava e eu me perguntava o porquê já que aquele era o procedimento.
Naquele período, estava começando a frequentar a Escola de Comunidade e nela continuavam a propor esta ideia de que “as circunstâncias são para você” e “o que te faz ver Cristo nas circunstâncias?”, que acontece ao olhar para a vida cotidiana e para aquilo que acontece. Estava de tal maneira frustrada que disse a mim mesma: “Bem, vamos tentar”. Fui para o trabalho e a cada vez que trabalhava com aquela família, dizia a mim mesma: “Bem, Senhor, o que significa isto para mim no relacionamento com esta família? O que devo fazer com esta família? Porque aquilo que devo, e sei fazer não funciona?”.
Com o tempo, soube que o pai daquela menina estava na prisão. Tinham perdido o aparelho acústico durante duas mudanças de casa forçadas, pois tinham sido despejadas. A mãe não tinha vindo aos encontros porque coincidia com o único horário em que seu companheiro podia acompanha-la para retirar alimento e dinheiro no WIC (escritório de assistência para mulheres, jovens e crianças). Quanto mais vinha a conhecer a respeito dessa menina, ficava menos reduzida aos meus esquemas, às minhas normas – devia dar um passo adiante. A seguir, ela foi colocada em contato com um advogado e num programa pré-escolar. As coisas não se resolveram, mas estavam melhores. Comecei a me dar conta que este sistema poderia funcionar com todos os outros. Assim, procurei olhar cada paciente que encontrava sob uma nova luz. “O que guarda para mim este paciente?” ao invés de “Como pode ele pode se adequar à minha fórmula para se sentir melhor?”, ou “O que posso fazer para que tudo isto esteja de acordo com aquilo que me foi ensinado e com a maneira pela qual deve seguir?”. Agora, ao contrário, pergunto: “O que posso fazer para ajudá-lo, esteja dentro dos meus procedimentos ou não?”. Não é fácil. Ainda tenho dois casos problemáticos com os pacientes, mas o que me determina é o fato de que a minha identidade não está reduzida ao que posso fazer por estes pacientes. Assim, relaxando um pouco e deixando que seja Deus a revelar em que momento o que me reserva, a vida no trabalho se tornou menos estressante. Creio ter me tornado capaz de atender melhor os pacientes. Fizemos grandes progressos e vai muito melhor.
Pensava estar fazendo as coisas certas, mas depois, a minha vida particular me colocou diante de outro pequeno problema de controle. Vim a Omaha e encontrei meu noivo Nate. Pensei: “Bem, aqui estamos, este é o caminho, viveremos até oitenta anos, tudo será perfeito e grande!”. Porém, Nate tem um problema crônico de saúde, a fibrose cística. É uma doença que requer, diariamente, rigorosos cuidados, dieta e exercícios físicos. Os pacientes com fibrose cística tem uma redução na expectativa de vida, com relação ao restante da população adulta. Quando penso nisto, lembro-me de John Waters que falou no Encontro de New York. Falou de como reduzimos a nossa realidade a aquilo que conseguimos compreender e, quando fazemos isso, eliminamos Cristo. Encarregamo-nos de todas as responsabilidades sem ter nenhum dos poderes de Cristo. Foi deste o modo que vivi os primeiros seis meses com Nate. Não entendia nada, estava além da minha capacidade de compreender, fora do meu controle. Conhecia os resultados possíveis da fibrose cística e não podia mudá-los. Procurando controlar isso tudo, sobrecarregando-me, sem nenhum dos poderes de Cristo, comecei a ter medo. Assim, rompi com Nate.
A princípio, pensei que fosse a coisa certa, pensava estar mais feliz. Estava menos estressada. Voltei à minha rotina, aos meus filmes em ordem alfabética e tudo tinha voltado à normalidade. Porém, com o tempo, me dei conta de que não estava verdadeiramente feliz, que havia algo que me faltava porque tinha perdido de vista o coração da questão. Assim, quando voltei para aquilo que a Escola de Comunidade tinha me ensinado e olhei para a minha experiência de todo dia, para aquilo que nela Cristo havia me revelado, compreendi que em Nate estava tudo. Sou daquelas que faz listas e fiz uma relação de tudo o que queria num marido. Nate correspondia em tudo. Ao olhar para a nossa experiência, ele correspondia a todas as referências que tinha, mas o quadro geral se mostrava completamente diferente. Dessa forma, precisei olhar para estas experiências diárias para dar-me conta de que, se tivesse relaxado, se não tivesse tentado controlar as circunstâncias e se tivesse deixado que Deus guiasse o caso, as coisas poderiam ter ido melhor do que eu poderia esperar, mesmo que parecessem diferentes de como as tinha previsto ou de como gostaria que fossem. Ainda sou alguém que se organiza e existem ainda coisas que devem mudar, mas se vivo minha vida com essa hipótese de trabalho de um projeto, um objetivo, um desejo só que com um distanciamento, sei que quando olho para minha experiência cotidiana, Cristo pode conduzir-me numa direção completamente diferente em relação àquela que previa ou tinha em mente... E portanto, melhor do que aquela que posso ver ou desejar.
Ashley, Omaha (EUA)
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