Em dois anos e meio, Paolo conseguiu ver Marta, a sua mulher, por quatro meses ao todo. Ele trabalha por turnos: noventa dias no deserto e duas semanas na Itália, depois outra vez no “campo”, um acampamento que fica a mais de duas horas de carro de Dubai, nos Emirados Árabes. Ali estão 22 mil pessoas, de todo o mundo, morando em pré-fabricados equipados com o estritamente necessário. A jornada é de 14 horas de trabalho por dia, apesar dos 50ºC, para a construção de uma grande instalação petroquímica. Olhando para trás agora, só havia um problema: “Viver como homem num lugar tão pouco humano”.
Todas as noites Paolo telefonava para Marta. Dedicavam tempo um ao outro, como regra e também como filtro, para encontrar o essencial entre tantos pensamentos e também cansaços: “Era fácil fazer tudo sem pensar um minuto no significado do dia”. Por isso nunca faltava à missa na catedral de Abu Dhabi: ida e volta no dia de descanso, todas as sextas-feiras, que ali são o “domingo” e a semana recomeça ao sábado. De duas em duas semanas, ia até Dubai para a Escola de Comunidade e para estar com os amigos: a pequena “família” do Movimento, feita por aqueles a quem o trabalho levou até lá. Roberto e Sílvia, Luís e Pilar, e todos os outros que, em diferentes momentos, por anos ou poucos meses, se envolveram nesta amizade.
Uma companhia dada. “Com o tempo, aprendi que para viver no acampamento não tenho que ‘trazer’ alguma coisa, mas ser eu mesmo”, conta Paolo: “Então, havia uma pergunta aberta: eu sou feito de quê?”. Quando recebeu o mail do gerente de logística convidando os cristãos presentes no campo para rezar o terço, deixou o convite entrar como uma estrada. “Foi assim que nasceu a capela”. Um grupinho de desconhecidos, de vários países, que começaram a se encontrar todas as semanas. “Para seguir o que amo, propus aprender cânticos em inglês e deparei-me com três filipinos que queriam fazer isso comigo: Jan, Allen e Noel. Começou o nosso pequeno coro”. Os ensaios, depois do trabalho, eram sempre um chamado: “Percebi melhor o que é a amizade. Nós não tínhamos nada em comum, mas havia uma ligação que me fazia renascer, ainda que fosse apenas no oferecer do nosso dia, que deixou de ser apenas uma análise se correu mal ou correu bem”. Começam a fazer Escola de Comunidade juntos, e eles começam a conhecer Dom Giussani, de quem nunca tinham ouvido falar. “Lembro-me ainda da palavras de Allen, um dia: Desde que existe a capela, a minha vida no trabalho mudou. Quero partilhar tudo isto com a minha mulher, assim que voltar para casa”.
Agora Paolo foi transferido para um campo em Ruwais, a 340 quilômetros de Dubai, e Marta e as crianças moram com ele. Acabaram de chegar de um encontro que promoveram para falar sobre o tema “Como nasce uma presença?”, a cinco horas de carro do acampamento. Eram vinte pessoas: a pequena comunidade que se surpreende consigo mesma. “Gente conhecida, ou não, que quis passar dois dias juntos. Aqui, onde a primeira coisa que se faz é manter as distâncias”, conta Marta. Também estavam presentes Roberto e Sílvia, que tinham acabado de regressar da Itália devido à morte inesperada da mãe de Roberto. “Uma dor que nos atropelou como um caminhão. Não foi imediato aceitar participar de um fim-de-semana de convívio, mas estas pessoas que não escolhemos são o lugar privilegiado para viver a grande pergunta da vida”, afirma Roberto, que nos fala desta “companhia dada”, de Luís e Pilar, que conheceram o Movimento em Madri (“procurando uma escola para as filhas, acabamos nós por ser educados”); de Marcela, uma recepcionista mexicana, de Perrin, de Genebra; e ainda a italiana Agnese, do Kuwait, onde está sozinha fazendo um intercâmbio universitário; o Luciano, de Omã, com um colega seu; mais dois italianos e cinco jovens libaneses, que encontraram o Movimento de CL em Dubai. Entre eles está Salim, um engenheiro de computação. A primeira vez que foi almoçar na casa de Roberto não conseguia entender: “Por que convidam um desconhecido na casa deles?”. Até ficar marcado por uma frase que ouviu ao assistir o vídeo dos Exercícios Espirituais de 2012, que ele recorda assim: É apenas lógico crer. “Sempre pensei que a fé fosse um sentimento. Este encontro me deu uma perspectiva diferente sobre a vida e sobre a forma como eu acredito em Jesus. Surgiu um desafio e eu o sigo”, diz Salim.
O primeiro espetáculo. Roberto relembra o chamado de padre Carrón, que este ano o marcou fortemente: o testemunho é beber, comer, viver e morrer. “É voltar a ouvir a voz de Cristo que me chama. Não é fazer, mas ser”. Aqui é difícil se enganar: não se pode fazer quase nada. A igreja está sempre cheia e na catequese há 600 crianças, mas a paróquia não tem sinais distintivos nem gestos públicos, como as procissões, que são proibidas: há liberdade de culto, não de religião. “E o bem-estar é exagerado. É como se não houvesse espaço para a necessidade”. No entanto, ele viu as relações com os colegas crescerem simplesmente vivendo, por exemplo, pedindo demissão no auge da sua carreira de um trabalho que tomava todo o seu tempo. Enquanto Sílvia, que é obstetra, dava cursos de preparação para o parto a algumas mães. “Por trás das aparências, há muita fragilidade e ansiedade: a relação com os filhos é toda entregue às babás filipinas. Por isso o primeiro espetáculo é você para você mesmo, graças a uma diversidade que lhe foi dada, fruto do encontro que tomou a sua vida”, afirma ela.
Aqui, a diferença cultural é a dificuldade maior e também a maior facilitação: “Isso me chama a estar mais consciente”, diz Luis: “É uma sociedade complicada, mas o que mais me assusta verdadeiramente é ficar sozinho com os meus planos”. Descobriu que precisava da Escola de Comunidade para viver: “Quando volto ao Destino que nos chamou, não tenho medo. Os dias não se passam sendo a insistência nas minhas ideias e nos meus limites, mas são a verificação de que Cristo continua a vir”.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón