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OS FATOS

Uma promessa na floresta equatorial

10/03/2014 - Uma viagem para visitar duas famílias italianas. Os encontros com Sofie, com Ina e seu marido, garimpeiro, com seus vizinhos... Em uma carta, o relato das amizades que nasceram na casa daqueles primeiros chegados. E o início de “um outro mundo”
Julián de la Morena com os amigos do Suriname
Julián de la Morena com os amigos do Suriname

Paramaribo, Caiena... Parecem palavras de uma canção, ou marcas de automóveis de luxo. Porém, são os nomes das capitais do Suriname (ex-Guiana Holandesa) e da Guiana Francesa, sede de uma importante base espacial europeia, dois países que ficam entre a Venezuela, a Guiana e o Brasil. Quando fui convidada para visitar o Movimento no Suriname e na Guiana, pensei em quando estudava esses países na escola e nunca teria imaginado que os conheceria pessoalmente. Mas a fantasia de Deus é sempre maior que a nossa, mesmo a de uma adolescente sonhadora e apaixonada por conhecer o mundo.

E assim, no dia 16 de janeiro, com padre Julián de la Morena [responsável de CL na América Latina], companhia preciosa para me ajudar a entrar nesse mundo, cheguei em Belém, no norte do Brasil, perto do estuário do Rio Amazonas. Durante a viagem de São Paulo a Belém, lemos o trecho do livro da biografia de Dom Giussani, onde ele fala do seu primeiro contato com o Brasil, que aconteceu exatamente nessas terras. Dom Giussani lembra o encontro com um missionário do PIME, padre Angelo Biraghi, no Rio Amazonas. Ele o acompanha em uma visita de desobriga (visita pastoral às comunidades isoladas para ministrar os sacramentos) e o vê colocar as galochas e entrar na lama. Depois de oito horas chega à casa de um seringueiro que trabalhava na floresta tirando borracha das árvores. “Devo ter ficado ali pelo menos meia-hora sem me mover, pensando: Mas olhe o que é o cristianismo!”, diz Giussani: “Um homem que arrisca a pele por alguém (alguém!), para ir encontrar alguém que não conhecia e que provavelmente nunca teria visto na vida, para levar-lhe uma palavra e para realizar um gesto de amizade! Em suma, eu associo aquele momento, aquele instante, à percepção vivida do fato de que o cristianismo nasce exatamente como amor ao homem”. O que poderia encher mais de sentido esses dias, senão essas palavras? Este mover-se por alguém tinha muito a ver com a nossa viagem, porque estávamos indo ao Suriname só para encontrar duas famílias italianas: Carlo e Carlotta, de Varese, que moram lá desde 2012, com três filhos e um para chegar; e Giovanni e Lucia, de Frosinone, que desde agosto do ano passado moram com os dois filhos em Caiena. E então, com o fascínio de poder participar deste fluxo que chega até nós – mais de 50 anos depois daquela viagem de Dom Giussani –, fomos à Basílica de Santa Maria de Nazaré de Belém confiar esta aventura a Nossa Senhora.

O voo para Paramaribo é espetacular: nuvens e espaços abertos em extensões intermináveis de floresta equatorial. Olhando para tudo isso, me deparo com essa frase em que Giussani comenta a visita de Maria a Isabel: “Aonde a fé chega, o homem sente como se começasse a viver naquele momento: ‘E a criança estremeceu no ventre de Isabel’. Onde quer que essa fé chegue, no horizonte da nossa vida ou no horizonte da vida da sociedade ou de uma companhia de homens, chega a vida... A fé dá vida ao ser humano e fortalece seus vínculos, o faz ser uma coisa só. O que se pode esperar como família ou como povo, no gesto de Maria exprime-se como unidade do homem. E não há mais barreiras, nem mesmo o cansaço de um longo trajeto...”. Estas palavras também estão cheias da promessa inesperada do que nos espera.

O impacto com uma estrada estreita e de mão dupla no meio da floresta, que liga o aeroporto de Paramaribo à capital, faz com que logo entendamos onde estamos adentrando... Imagino o choque que pode provocar nos estrangeiros que chegam aqui para trabalhar, pois este é um país onde parece que se venha apenas por necessidade de trabalho. Nessa estrada, encontramos templos hindus, mesquitas, igrejas protestantes e muitos mercadinhos indianos e chineses. A imigração é diversificada, em um país com apenas 500 mil habitantes, quase todos concentrados em Paramaribo.

Chegamos à casa de Carlo e Carlotta, que nos esperam com seus três filhos de 2, 4 e 6 anos, felizes e cheios de vida, e assim que chegam também Lucia e Giovanni com Antonio e Enrico, de 5 e 2 anos, emerge mais claramente o que significa e o que carrega a nossa vinda aqui. Eles vieram de carro até as fronteiras do Suriname, deixaram o carro em um lugar praticamente desconhecido, atravessaram o rio que separa a Guiana Francesa do Suriname com o único meio disponível: a piroga (mais conhecida como canoa). Depois, tomaram um táxi: mais duas horas para chegar à capital do Suriname.
“Senti-me em casa desde o primeiro instante!”, diz Lucia: “Parecia que já nos conhecíamos e enquanto estávamos a caminho, eu me perguntava: ‘Por que percorremos toda essa distância, nessas condições, para ficar aqui apenas dois dias com algumas pessoas que nunca vimos antes? Não fizemos isso nem para ir visitar minha sogra na Calabria, ou para ir à casa de meus pais na Puglia, quando estivemos na Itália no Natal...’. Fiquei impressionada com o modo como vocês nos procuraram, com o modo que nos sentimos amados, quando nos primeiros meses em Caiena não conseguíamos entrar em contato com vocês e fizeram de tudo para nos encontrar”. A ponto de fazer Antonio dizer: “Mamãe, eles são como os nossos amigos de Frosinone!”. A alegria de nos conhecermos é comparável à das cinco crianças ao abrirem os presentes que lhes trouxemos e ao brincar de pegar passarinhos com padre Julián, descalços, no jardim. Uma alegria que seria inexplicável, a não ser pela consciência de Quem nos une.

Nos dias sucessivos, ficamos com eles e com seus amigos que, aos poucos, chegavam e faziam surgir em nosso coração estas palavras de Carrón: “Não somos nós que geramos a vida; quem a faz nascer e crescer é Aquele que é o protagonista da história. Nós devemos cuidar dela, devemos reconhecer este nascimento e dar-lhe todos os instrumentos necessários para que a vida possa se desenvolver segundo um desígnio que não é o nosso”. Encontramos muitas pessoas com histórias diferentes. Línguas diferentes, percursos longos e tortuosos. O marido de Ina (peruana e grande amiga de Carlotta), um batista americano, garimpeiro que trabalha para uma das maiores sociedades de mineração do mundo, a Newmont; ou Sofie, colombiana, professora na Escola Internacional Batista do Suriname, frequentada pelos filhos de Carlo e Carlotta e pelos filhos das amigas. Sofie conheceu o marido do Suriname via internet, insatisfeita com a realidade que tinha em volta de si, tanto em relação à família como em relação às amizades. No domingo, almoçamos com padre Ruben, membro do Verbo Encarnado, uma congregação argentina à qual o Bispo de Paramaribo pediu para enviar alguém ao Suriname, e oito freiras, todas muito jovens e cheias de vida que, com a mesma familiaridade com a qual jogam bola com as crianças, nos falam de sua vocação. E, depois, um surpreendente encontro com a consulesa honorária da Espanha no Suriname: impressionada ao ver, do seu terraço, a vivacidade com que Pietro, Paolo e Francesco brincavam, me cumprimenta com entusiasmo. Então, a convido para participar da missa católica celebrada por um sacerdote espanhol. E em cinco minutos, ela chega toda sorridente e elegante. Ficamos admirados quando, na comunhão, nos diz que é protestante, mas que o fascínio de conhecer um padre espanhol em visita ao Suriname a fez rapidamente deixar seu café da manhã para se juntar a nós.

Entre os encontros e histórias daqui, emerge a dificuldade da vida em lugares tão difíceis, a solidão e a promessa de que possa nascer algo que permaneça no tempo, dentro do desafio de trabalhos que exigem muito empenho, como os de Carlo e Giovanni. Carlo, gerente de projetos, responsável, através de sua empresa, pela construção da primeira refinaria do Suriname, comanda mais de 850 pessoas de diversos países. Giovanni trabalha na base da Agência Aeroespacial Europeia em Caiena e se ocupa do desenvolvimento dos motores e reservatórios que servem para lançar satélites ao espaço, sobretudo de uso comercial (um lançamento por mês, em média). A vida é intensa para cada um deles, e também dura, mas impressiona a letícia, a certeza e a simplicidade com a qual vivem e que os torna tão interessantes e cheios de fascínio para todos aqueles que os encontram. Simplesmente com suas vidas, testemunham às muitas pessoas que encontram que é possível viver ali, amar-se, criar os filhos, ter amigos e construir em todos os lugares e com todas as pessoas que encontram, da escola ao trabalho, à igreja, ao supermercado, ou pelas ruas.

Quando voltamos, Ina me escreve: “Aprendi muito com Carlotta, em todos os sentidos. Sobretudo fez-me ver uma perspectiva da Igreja que eu nunca teria imaginado que existia: a companhia, a construção de uma comunidade e, sobretudo, que quando há o desejo de compartilhar, de se abrir, podemos encontrar coisas que nunca imaginamos. É muito claro para mim que tudo isso é possível pela graça de Deus e de Sua Mãe”.

É impressionante perceber como este pequeno mundo do Suriname, com a presença deles, já é um outro mundo. Aquilo que Carlo e Carlotta viveram e estão vivendo em Paramaribo, e Lucia e Giovanni em Caiena, é uma tarefa histórica. No futuro, sempre haverá situações assim, nas quais pessoas do Movimento serão chamadas a ir aos lugares mais impensáveis para trabalhar. “Um pouco como acontecia no início do cristianismo”, nos lembrava padre Julián: “Ele difundiu-se através de um comerciante ou de um soldado... Que se deslocavam para outra região do Império Romano”. Para levar Cristo, como Maria a Isabel.

Silvia Caironi, São Paulo

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