“Ana, de Vicenza; os nossos amigos Carla e Mário que perderam o emprego; André e Maria que comemoram seu aniversário de casamento; por Verônica doente com E.L.A.; pelos operários da empresa agrícola que fechou e perderam o emprego; pelos presos; pelos amigos sírios que foram forçados a abandonar o seu País e cujos pais estão agora na prisão porque são cristãos…”. As intenções são lidas cuidadosamente, uma a uma, pela voz que guia a peregrinação e pede a todos para rezarem, confiando-as a Nossa Senhora. Inumeráveis, são lembradas durante as orações do terços que a noite toda acompanham os peregrinos. Pelo 36° ano consecutivo o silêncio não consegue envolver a noite da região interiorana de Marche, entre Macerata e Loreto. No sábado, 14 de junho, quando a comitiva dos 100 mil participantes inicia a desfilar pelas estradas atravessando os povoados, a dimensão de povo chama a atenção. Quando, na metade do percurso, aos peregrinos é oferecida a tocha, o impacto visual da língua de fogo que corta a escuridão da noite deixa sem palavras.
Para muitos, a peregrinação a pé de Macerata a Loreto inicia de manhã cedo quando os ônibus deixam as cidades para chegar a Macerata. O encontro está marcado para as 19h30 de sábado, no estádio de Macerata que lentamente começa a encher-se a partir do meio da tarde. Chegam mais de trezentos ônibus especiais, aos quais se devem somar os carros particulares e os trens. Às 19h o estádio está lotado. Espera-se o início da missa com cantos intercalados por alguns avisos técnicos. É um povo que se prepara para pôr-se a caminho. Muitos são jovens que, há pouco, terminaram o ano letivo. Em 1978 a peregrinação foi proposta por Dom Giancarlo Vecerrica, então jovem sacerdote, como gesto de agradecimento a Nossa Senhora pela conclusão do ano letivo. Dom Luigi Giussani encorajou a iniciativa e na primeira edição participaram mais de trezentas pessoas. Uma ideia não nova que, aliás, queria revigorar o grande costume das peregrinações marianas ao Santuário de Loreto, onde a tradição diz ter sido transportada para lá pelos anjos a casa de Nazaré da Anunciação a Maria. Um convite, aquele, dirigido aos jovens de então e renovado ano após ano, muito simples e concreto: caminhar juntos para uma meta seguindo Outro alguém. E isso se entende logo desde os primeiros passos.
Às 19h30, quando o gesto inicia oficialmente, em poucos minutos sobre todo o estádio desce o silêncio. A noite é quente e belíssima. O sol se pôs, deixando espaço para um céu que, no crepúsculo, pouco a pouco muda de cor. A reza do Ângelus repropõe a todos o momento em que o fato cristão entrou na história. Logo após, o anúncio de que, pelo segundo ano consecutivo, o Papa teria se comunicado telefonicamente com o estádio. Tinha-o preanunciado o próprio Francisco alguns dias antes, ao benzer a tocha da peregrinação que, faz alguns anos é levada a São Pedro na quarta-feira precedente. Quando o telefone toca, o entusiasmo toma conta de todos, em particular de Dom Vecerrica, hoje bispo de Fabriano-Matelica. “Posso dizer uma palavra?”, pede a certo momento o Santo Padre que começa assim: “Estou realmente feliz porque a sua peregrinação neste ano ocorre exatamente na noite que precede a festa do Espírito Santo, o Pentecostes, e o encontro de oração que acontecerá amanhã no Vaticano, para invocar o dom da paz na Terra Santa, no Oriente Médio e no mundo todo. Peço-lhes, por favor: unam-se a nós e peçam a Deus, por intercessão de Nossa Senhora de Loreto, para fazer ressoar novamente naquela terra o cântico dos Anjos: Glória a Deus nas alturas e paz aos homens!”. E acrescentou: “Não tenham medo de sonhar com um mundo mais justo, de pedir, de duvidar e de aprofundar. Vocês sabem que a fé não é uma herança que recebemos dos outros, a fé não é um produto que se compre, mas é uma resposta de amor que damos livremente e construímos cotidianamente com paciência, entre sucessos e fracassos. Não tenham medo de lançar-se nos braços de Deus; Deus não lhes pedirá coisa alguma se não para abençoá-la, multiplicá-la, doá-la de novo cem vezes mais (…). A vida não é cinzenta, a vida é para apostá-la em grandes ideais, em grandes coisas (…). Saibam que a negatividade é contagiosa, mas também a positividade é contagiosa. O desespero é contagioso, mas também a alegria é contagiosa. Não sigam pessoas negativas, mas continuem a irradiar à sua volta luz e esperança. E saibam: a esperança não decepciona, não decepciona nunca!”.
Palavras que se tornam companhia durante a peregrinação, que neste ano tinha como título uma pergunta: “De que precisamos para viver?”. Uma pergunta que toca o fundo do coração de todo homem que, hoje, no Terceiro milênio, mesmo com todos os meios que tem a disposição, custa a encontrar respostas adequadas. Reitera isso na homilia da missa o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado Vaticano: “De que precisamos para viver? A verdade é que o nosso coração, por si mesmo, não sabe dar resposta a esta pergunta. No nosso coração está gravada uma pergunta, mas a resposta não está dentro de nós. “Não sabemos o que pedir, nem como pedir”, escreve são Paulo (Rm 8,26). Por sorte, acrescenta, temos um aliado e um defensor: o Espírito Santo que “intercede com insistência em nosso favor”. (…) Pois o Senhor, por meio do Espírito, pode realizar os milagres. Como nos tempos narrados no Evangelho, também no mundo de hoje são os milagres que podem comover o nosso coração e iluminar o nosso olhar. Para isto, é necessário invocar Nossa Senhora e os santos”. E o convite urgente que Parolin fez aos peregrinos é “pedir a Nossa Senhora pela paz na Terra Santa, tema central do encontro ocorrido ontem à noite em Roma”. Depois, a recomendação final: “Depois da experiência da peregrinação, aprendam a seguir”.
Durante as oito horas de caminhada, isso pode ser aprendido concretamente. Entende-se que é possível caminhar com segurança também de noite no escuro, se estamos dentro de uma companhia apaixonada pelo destino. Como na vida, também durante a noite as dificuldades não faltam: todos precisam de uma luz para iluminar o passo que pode tornar-se inseguro por causa de um imprevisto, ou pelo cansaço que poderia também prevalecer, se a voz que guia o gesto não o reanimasse com palavras de encorajamento, com o convite a orar, a cantar ou a escutar um testemunho que abre o seu coração. E você percebe que você mesmo pode tornar-se, durante essa caminhada, testemunha para si mesmo e para os outros: encontra a força de prosseguir, a dor nas pernas ou nos pés não o determinam, consegue sorrir para as pessoas que, até alta noite, nas encruzilhadas ou à beira das estradas dos povoados que se atravessam, se reúnem para ver os peregrinos. Há quem abra para eles a sua casa, oferecendo um gole d’água; alguns participam acompanhando as orações e as invocações. E você se pergunta por que o fazem depois que já viram esta cena trinta e cinco vezes, o que eles veem nessas milhares de pessoas que dedicam um fim de semana para encontrar Nossa Senhora de Loreto? Assim, você, com todos os seus limites, a sua distração, o seu cansaço, torna-se para eles testemunha de Outro alguém: renova-se neles a memória de uma fé ainda radicada no coração, ou, em outros casos, você contribuiu a provocar uma pergunta: “Quem e o que move estas pessoas que chegam até aqui de toda parte da Itália e também do exterior?”. Torna a pergunta-título da peregrinação: “ De que precisamos para viver?”.
No começo do caminho, a todos foi distribuído um cartãozinho com a mensagem que padre Julián Carrón enviou aos participantes. “Eis do que precisamos para viver: que o Mistério se faça companheiro da nossa vida, como aconteceu com Zaqueu e Madalena. Pobres como nós, frágeis como todos, às voltas com as urgências da vida, incapazes de obterem o que desejavam, mas Deus teve piedade deles, não os abandonou ao medo e à solidão.” (…) Desejo-vos que caminhem sustentados nas dificuldades pela certeza que nos testemunha o Papa Francisco: “Aos seus discípulos missionários Jesus diz: “Eu estarei sempre convosco, todos os dias, até ao fim do mundo” (v. 20). Sozinhos, sem Jesus, nada podemos fazer! Na obra apostólica só as nossas forças, os nossos recursos, as nossas estruturas não são suficientes, embora sejam necessárias. Sem a presença do Senhor e sem a força do seu Espírito o nosso trabalho, mesmo se bem organizado, resulta ineficaz. E assim vamos dizer ao povo quem é Jesus”.
É isso que a experiência da peregrinação torna visível todas as vezes. Certamente a organização hoje se tornou imponente. Cuida-se do evento até nos mínimos detalhes: uma rede de alto-falantes interligados via rádio permite, ao longo dos 27 quilômetros, que todos juntos sejam guiados no gesto; todos os principais cruzamentos contam com a presença de ambulâncias para prevenir qualquer acidente; a assistência chega a oferecer, por volta de 4h da manhã, um lanchinho e um inesquecível chá ou café quente, que se tornam estratégicos para vencer o cansaço. Mas, no fundo, olhando os rostos de quem chega a avistar nas primeiras luzes do amanhecer o perfil da Santa Casa de Loreto, entende-se que tudo isso não basta ou até mesmo se poderia omitir. Sabe-se que falta ainda uma hora para a conclusão, mas a caminhada, na noite, tornou-se mais segura. Canta-se com mais consciência ainda a canção de Claudio Chieffo quando diz: “É bela a estrada para quem caminha. É bela a estrada para quem vai. É bela a estrada que leva para casa e onde já te esperam”. É o se deparar, pouco depois de ter percorrido o último trecho em declive que leva ao Santuário, com a estátua de Nossa Senhora Negra de Loreto que aguarda a chegada dos peregrinos. O gesto será concluído só quando a estátua será levada de volta à Santa Casa, depois que o último peregrino tiver chegado.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón