Quando bate à porta, tudo o que sabe é: nome, idade, sexo. É sempre uma incógnita o que acontecerá além das portas de vidro da cobertura à beira mar, do apartamento na periferia ou atrás das telas das casinhas de madeira em estilo country, no meio do verde pantanoso. Isso é Miami. Um caldeirão cultural, com clima primaveril que dura seis meses por ano e é aqui que o enfermeiro Enrico Grugnetti, 46 anos, italiano, visita por profissão os idosos doentes em domicílio.
Deixou sua marca na última MedConference de Nova York, na metade de outubro de 2014, contando, diante de médicos, enfermeiros e estudantes de todo os Estados Unidos e de várias partes do mundo, as provas e a beleza do seu trabalho, a surpresa de quando “clic”, como ele diz, estabelece um relacionamento com os pacientes, e a companhia que eles se tornam para a sua vida. “Os idosos são surpreendentes”, diz. Trabalha com eles há vinte anos, primeiro em uma Ala Cirúrgica Cardíaca, depois em um Centro de Assistência e, agora, com visita domiciliar. Encontra o velhinho do Haiti que só fala crioulo, os latinos, os afro-americanos que acreditam mais nos ritos de magia do que na medicina ou o jovem do Alabama que não suporta os estrangeiros. “A pessoa é una. Não só o paciente, eu também”, disse em Nova York: “Quando encontro uma pessoa, encontro uma pessoa. Seria preciso realmente um esforço tremendo para separá-la do seu problema de saúde”. E para separar o seu trabalho de si mesmo.
Necessidade de Mozart. Juan é um verdadeiro gentleman, cubano, como muitos aqui que fugiram logo depois da Revolução ou que chegaram aos Estados Unidos há pouco tempo. Está sentado em silêncio em um canto da sua casa em Miami Beach enquanto Enrico escuta a cuidadora relacionar os problemas e, depois dela, a mulher, cansada e abatida. Pedem que ele venha mais vezes, não conseguem acompanhar aquele homem de quem veem somente o Parkinson e o quadril quebrado. Enrico visita Juan, faz a avaliação médica, orienta sobre os cuidados. E, enquanto isso, o conhece e descobre que ele era jornalista, crítico de música lírica. “Qual é a sua ópera preferida?”, lhe pergunta. “Le nozze di Figaro”. É também a sua paixão. Olham-se e começam a cantar a música juntos de cor, do início ao fim. “Naquele momento, tudo mudou. O ambiente ficou mais relaxado. Continuávamos sendo nós quatro, naquele quarto, mas não havia mais uma inquietação. Havia a percepção da possibilidade de que algo pode entrar na vida, surpreendê-la e abraçá-la. E isso, não somos nós que fazemos, chega a nós”. A mulher para de se lamentar e acompanha Enrico até a porta: “Volte novamente. Venha cantar com ele. É disso que ele precisa”.
Encontros como esse podem causar simpatia. Porém, mais que isso, têm a força de transformar a vida de Enrico e a sua profissão. Os pacientes, com os corpos e as almas frágeis, jogam sobre ele todas as suas necessidades. Têm doenças graves, às vezes crônicas, instáveis. Frequentemente, são hospitalizados e ele cuida deles quando recebem alta: “Acompanho essa passagem, procuro entender suas necessidades, ajudá-los a aceitar a perda da autonomia, o que traz muito sofrimento, e criar as melhores condições para ficarem em casa, que é o lugar onde querem estar”. Todos os dias, visita cinco ou seis idosos; atualmente, acompanha cerca de quarenta. Normalmente são os familiares que fazem tudo: preparam a comida, os assistem, dão banho, cuidam dos remédios. “Olhar, escutar e educar os parentes é parte essencial do meu trabalho”. Alguns pacientes, porém, moram sozinhos e Enrico é a única pessoa que os procura, e muitos são pobres: são quase sempre os americanos “por excelência”, impregnados de cultura africana, ou aqueles que vivem na periferia noroeste de Hialeah, que é 100% cubana.
Todos os idosos têm uma história para contar. E saberiam contá-las da mesma forma dezenas vezes. Friedrich era judeu, 90 anos: sua história era a sua vida. Dramática e cheia de passagens inacreditáveis. Enrico nunca se cansou de ouvi-lo repetir a sua história. Austríaco, fugiu do nazismo ainda menino, esteve na guerra e acabou nos Estados Unidos onde, do nada, levantou uma empresa e enriqueceu. “Um homem inteligentíssimo, que todos os dias preparava os remédios para si mesmo e para a mulher, diabética”. Uma manhã troca os remédios e o encontram caído, na rua, com uma crise hipoglicêmica. “A primeira vez que o visitei era quase noite. Lembro-me que queria remarcar aquele último paciente para poder ir para casa, depois, disse a mim mesmo: ‘Tudo bem, eu vou, faço uma visita rápida’. Fiquei com ele durante horas”. Era mal-humorado, genioso, nada sentimental, um tipo durão que não se deixava ajudar. Durante três anos, Enrico foi à sua casa uma vez por semana. Um dia, Friedrich lhe disse: “Você é meu amigo”. “Para mim, foi um golpe. Quem sou eu para ter entrado assim na vida extraordinária desse homem? Ele estava revelando uma coisa que nunca tinha pensado claramente: o relacionamento com qualquer pessoa pode ser uma amizade verdadeira, íntima, para a vida”. Friedrich morreu há dois anos, e Enrico sempre pensa nele: “Não como algo que aconteceu, mas como um caro amigo que Deus me deu na viagem da vida”.
Dar um nome. Um dia, foi à casa de Luís. Era a segunda vez que o visitava, e na casa estava também a filha com a netinha de três anos, Mia. Enrico mede a pressão, a temperatura, ausculta o coração e os pulmões, depois fala com a filha sobre a situação. Enquanto isso, Mia se aproxima e lhe dá sua boneca. Quer que ele também a consulte. Enrico, um metro e noventa, se inclina e começa a auscultar com cuidado o coraçãozinho de pano, o pulso, a barriga. “Sua boneca está muito bem!”. Mia fica feliz. “Quando estava indo embora, me despedi fazendo um sinal com a mão, da porta, mas ela correu até mim e abraçou os meus joelhos”. Poderia ser apenas um episódio bonitinho, mas nele, aconteceu algo mais. Sua vida inteira passou por sua mente. “Naquele momento, dei-me conta de que tudo o que tinha me acontecido, tudo, tinha me levado até ali, com aquelas pessoas, para reconhecer com elas que só existe o presente e que no presente há uma medida eterna”. Estatisticamente, ele não as teria encontrado: cresceu na província de Cagliari, sul da Itália, e, desde pequeno, olhava os mapas e se perguntava se algum dia veria Roma; há seis, mora na Flórida e é enfermeiro “por acaso”, porque uma amiga lhe disse: “Vou fazer o teste. Quer vir?”, e ele, que tinha abandonado a escola, foi com ela. “Posso dizer que as pessoas que encontro são parte da minha vida, porque dou-me conta de que o Destino está presente e nos coloca juntos”. Não sabe por que aconteceu naquele abraço e não em outro momento, “mas sei que se estou disponível é uma possibilidade que sempre existe, sempre. É simples”.
Cresce nele o desejo de poder viver assim todos os dias: “Não ter a ansiedade de chegar e ajeitar as coisas, mas deixar-me surpreender pela vida que acontece e que tem um respiro infinito. É possível perceber isso na simplicidade de um encontro humano, através da fragilidade, minha e do outro. E este, é Jesus que vem”. Enrico jamais teria imaginado que poderia dar-lhe um nome: “Se não tivesse encontrado Cristo, a vertigem de dar-me conta de que a pessoa que está na minha frente existe permaneceria apenas um pensamento confuso. Porém, esse é o olhar que Jesus tem sobre as coisas. Posso viver sem a consciência profunda da realidade, mas esses fatos me revelam a sua verdadeira natureza: a realidade é o Mistério que acontece e nos toca”.
O relacionamento entre médico e paciente é delicado. “Se você não for sustentado, não consegue estar diante do drama. Sobretudo aqui, onde a pressão do sistema é muito forte e, para se proteger, limita-se às orientações sobre os cuidados necessários. Mas não basta dizer: estes são os remédios que você precisa tomar”. Mesmo que concordem, os doentes não os tomam, em particular se são idosos, ainda mais se sozinhos. Emma, uma senhora cubana, quando começou a confiar nele, tirou debaixo da mesa uma bolsinha onde escondia os remédios: tomava quatro dos vinte prescritos. “Alguns têm medo dos efeitos colaterais, outros não acreditam na medicina tradicional ou fazem confusão e pode ser perigoso. Se você vai ali só para repetir que precisam se cuidar, não fez nada”. Enquanto que estabelecer um relacionamento tem consequências práticas excepcionais, e fez com que ele percebesse problemas que tinham passado despercebidos pelos médicos. “É uma profissão que requer inteligência, conhecimento e afeição. Esses aspectos não estão separados. Mais, só no relacionamento descubro quando e o que posso fazer”. Mesmo onde, para conquistar a confiança do paciente, você precise primeiro conquistar o afeto do seu cão. Ou onde você parece ter falhado. Como com aquele pobre homem, doente terminal, a quem a família dava pimenta em pó, segundo uma tradição caribenha. Não tinham percebido que fazia mal aos seus pulmões. “Mas não aceitavam ajuda e eu não tive a paciência, as palavras e o olhar necessários. Parei de ir àquela casa porque, para eles, eu era mais um problema do que uma ajuda”. A única coisa que pôde fazer por ele foi lhe dar banho: aquele homem sentia dor em qualquer parte em que fosse tocado e ninguém conseguia lavá-lo.
“Deus feito homem é um enfermeiro”, disse recentemente o Papa Francisco: “Deus se envolve, se aproxima das nossas feridas e as cura com suas mãos. É um trabalho de Jesus, pessoal. Deus não nos salva apenas através de um decreto, de uma lei; nos salva com ternura, nos salva com carinho, nos salva dando a sua vida, por nós”.
Sim ou não. Enrico começou a descobrir isso com o seu primeiro paciente em domicílio: Dom Giussani. Cuidou dele, junto com outros, durante três anos, nos quais aprendeu a estar disponível, a não colocar objeções à realidade. “Para ele, tudo era relacionamento com o Mistério, mesmo as coisas com as quais me rebelo e digo: isso não, isso precisa ser ajustado, tudo bem, mas isso não... Para ele, todas as coisas eram dadas e olhar para ele era participar do olhar que é de Cristo, que torna tudo novo”. Não está falando de uma mística, mas de conhecer as coisas do modo como realmente estão. Quando está na casa de seus pacientes, suas necessidades o mudam. “O outro tem dois olhos que me olham e me perguntam: ei, você está aí? Não é uma coisa que calculo e, talvez, não esteja presente. Mas a realidade me convida a estar presente, e posso dizer sim ou não. Meu maior desejo é aceitar o convite”.
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón