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OS FATOS

“Que o dom que recebemos seja sempre este fogo”

por José Luis Restán
16/03/2015 - A tradução da entrevista com Julián Carrón na Rádio COPE (Espanha), após a Audiência de 7 de março. Das palavras do Papa ao motivo pelo qual, 80 mil pessoas, se reuniram em Roma: “Devemos pedir, como Dom Giussani, que Cristo agarre todo o nosso coração”
Julián Carrón durante a saudação ao Papa.
Julián Carrón durante a saudação ao Papa.

Está hoje conosco o sacerdote espanhol Julián Carrón, atual presidente da Fraternidade de Comunhão e Libertação, apenas dois dias depois de um inesquecível encontro com o Papa Francisco na Praça São Pedro, onde estiveram presentes mais de 80 mil membros deste Movimento, vindos de todo o mundo.

O Papa pediu aos membros do Movimento que sejam as mãos, os pés, os braços, a mente e o coração de uma Igreja em saída. Como o senhor pensa que este pedido do Papa pode se traduzir na vida cotidiana do Movimento?
Fundamentalmente em continuidade com aquilo que é o DNA mesmo do Movimento. O Movimento nasceu exatamente nas periferias, nos ambientes – a escola, a universidade, os lugares de trabalho –, respondendo a tantas necessidades que vemos nos bairros, as pessoas sem trabalho, que não chegam ao fim do mês, que estão buscando uma esperança, que têm necessidade de encontrar um sentido da vida, os imigrantes... Tudo isto já faz parte do nosso modo de estar na realidade e de viver o que nos aconteceu. Por isso, nesta última indicação do Papa, acolhemos um estímulo para viver aquilo que já somos e vivemos, mas com uma maior consciência.

Que diferença há entre o manter vivos o frescor e a vitalidade do carisma, agora que Dom Giussani não está mais presente, e petrificá-lo, como exortava o Papa, no sábado? Como o senhor sente esta sua responsabilidade?
Parece-me que esta seja a responsabilidade própria de cada cristão, para que o acontecimento de Cristo não se reduza a algo que pertence ao passado, mas seja um fato presente que determina a vida. É a experiência humana que o diz. Uma coisa é se apaixonar por uma pessoa, como um fato presente que bem sabemos em que medida determina a vida tornando-a plena de uma presença tão presente a ponto de nos fazer transbordar de alegria e de letícia; mas sabemos bem o que acontece quando tudo isto se reduz simplesmente a uma recordação, se petrifica, ou se converte em algo que já é árido, sem a novidade, o frescor do início. E isto acontece também com o cristianismo. Se o cristianismo é apenas uma recordação do passado e não um acontecimento presente, em última instância não interessará; não será capaz de atrair o coração, de agarrá-lo com toda a sua humanidade e, portanto, o cristianismo não interessará. Fomos a Roma exatamente com o desejo de pedir isto, porque somos conscientes de que não podemos nos dar isso por nós mesmos. Assim como foi um dom tê-lo recebido através do carisma de Dom Giussani, devemos pedir isto, como ele nos ensinou a pedir, para que este dom que recebemos seja sempre aquele fogo de que falou o Papa.

Aqueles que conhecem pouco a realidade de CL poderiam pensar que se trate de um fenômeno tipicamente italiano – mesmo que o fato do senhor estar aqui já pareça desmentir esta impressão, assim como aquela praça na qual havia pessoas de todos os continentes –; peço ao senhor, então, que faça um pequeno zoom, fale sobre a presença de CL no mundo.
O Movimento cresceu consideravelmente nos últimos anos, chegando a oitenta países, obviamente com presenças diversas também numericamente entre um país e outro. Em alguns é uma realidade inicial, em outros uma presença mais consolidada. Independentemente dos números, que dependerão de como o Senhor vai querer usar desta graça que nos deu, o que nos interessa é a verificação daquilo que recebemos, ou seja, que quando uma pessoa vive o cristianismo como nos ensinou Dom Giussani, nos elementos mais essenciais, mais elementares da fé, pode encontrar o coração de qualquer homem, em qualquer continente, em qualquer cultura, em qualquer situação para a qual seja chamado a viver a vida. E isto, para nós, é uma surpresa contínua. Sábado, na Praça, havia pessoas que vinham da China, da Nova Zelândia, dos Estados Unidos, da América Latina ou da Rússia. E isto diz que o coração do homem, de cada homem, em qualquer latitude, espera um encontro que possa lhe dar o gosto do viver.

Papa Francisco disse que a moral cristã não é um esforço titânico para ser coerente com uma série de princípios, mas a resposta comovida do homem para a misericórdia imprevisível de Deus. Tenho a sensação de que este seja um ponto que, hoje, em alguns âmbitos eclesiais, é premente, faz discutir, e certamente mostra uma sintonia particular com a percepção que Dom Giussani tinha.
Somos os primeiros a ficar profundamente comovidos pelo fato de que algo que Dom Giussani nos dizia muitos anos atrás, e que nos surpreendeu quando o escutamos pela primeira vez, até ao ponto de nos comovermos, porque nos sentimos abraçados em nossa humanidade e no nosso pecado, seja dito, hoje, pelo Papa para toda a Igreja. E isto nos diz uma coisa fundamental para entender o cristianismo: que o cristianismo pode ser reduzido – como os pontífices anteriores já haviam sublinhado, a começar por João Paulo I, depois João Paulo II e Bento XVI – a uma ética. Dom Giussani nos recordava sempre a famosa afirmação de João Paulo I segundo a qual a Igreja, na tentativa de se mostrar moderna, transformou o maravilhamento do início numa série de regras, no esforço titânico do homem. Sobre isto, insistiram, em tantas ocasiões, João Paulo II e Bento XVI: quando o cristianismo se reduz apenas a isto, perde a sua verdadeira natureza de acontecimento que muda a vida. No sábado, o Papa citou a famosa cena da Vocação de Mateus, pintada por Caravaggio, na qual Mateus, um pecador exatamente por causa do seu ofício, o cobrador de impostos, fica cheio de maravilhamento ao sentir-se chamado, justo ele, por Jesus que conhecia todo o seu mal. Posso imaginar o que aconteceu no sábado, na Praça, em alguns detentos das prisões italianas que tiveram a oportunidade de encontrar o Movimento, o que experimentaram quando o Papa os abraçou. É a experiência de Mateus, como de cada pecador da história diante de Cristo, como de cada um de nós. Por isso, a experiência que leva para a sua casa, que conserva nos olhos e em cada fibra do próprio ser, quem participou de um gesto como aquilo que vivemos no sábado, na Praça São Pedro, é este abraço cheio de ternura, da misericórdia de Cristo que nos alcançou uma vez mais através do Papa Francisco.

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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