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OS FATOS

“Como é possível viver assim?”

29/06/2015 - Uma criança que está para nascer e a hipótese da síndrome de Down. Da rejeição de tudo a uma companhia que reabre a partida. “Somente porque carregada pela certeza da Ressurreição”. Carta enviada a padre Julián Carrón

Caro Julián, escrevo-lhe para contar como o juízo do Movimento sobre a manifestação de 20 de junho em Roma tenha interrogado a mim e a meu marido. Por motivos de trabalho vivemos na Espanha e não tínhamos acompanhado muito a questão. Um dia, porém, interrogada por uma amiga do grupinho de Fraternidade que perguntava qual fosse a nossa posição respondi com este e-mail.

“Caros amigos, escrevo-lhes para contar a minha experiência sobre a questão levantada acerca da manifestação. Como muitos de vocês já sabem, espero um filho. Dez dias após ter feito o duo test (um exame que avalia a possibilidade de que a criança seja afetada pela síndrome de Down), fui convocada a ir ao hospital. Alguma coisa não estava indo bem. A primeira reação, só ao pensar que meu filho não fosse saudável, foi de rejeição completa de tudo que eu tinha em torno: os amigos, meu marido, a minha família, a própria criança. Chorei o dia inteiro, até quando Fabio ligou para um casal de amigos que tem um filho Down e que nos fez companhia naquele dia que parecia não acabar nunca. Estes amigos não me olharam como uma ‘mãe má’ ou uma ‘católica má’ pela rejeição que eu sentia no coração; rezaram junto conosco para que tudo ocorresse da maneira melhor e, ao mesmo tempo, me testemunharam todo o bem que aquele filho, Carlos, trouxe para a sua família. Acompanhados por estes amigos, no dia seguinte fomos ao hospital, e lá me explicaram que tenho uma probabilidade superior à média de que meu filho seja Down e, portanto, para poder pôr em prática uma ‘maternidade consciente’, me propunham a amniocentese com relativos riscos. Eu disse não, e não acrescento a palavra ‘obviamente’, porque nesta história toda nada mesmo há de óbvio. Eu disse não, confiando não tanto no meu desejo (que, como primeira reação fazia com que nascesse uma rejeição, exatamente como todos), mas nos rostos e na vida desta família que pudemos olhar. O que tem a ver aquilo que me aconteceu com a manifestação de 20 de junho? Pela primeira vez na minha vida eu vivi na pele a experiência de um mundo no qual o aborto venceu legal e socialmente, a ponto de ser proposto como maternidade consciente. Porém, ainda que todo o mundo diga o contrário, o aborto ou a simples ‘rejeição’ não venceram na minha vida e na de Fabio, nem naquela dos amigos que nos acompanham. Estando aqui, não havia colocado para mim o problema se participar ou não à manifestação, mas agora posso dizer que seguiria a indicação de Carrón, porque temos mil ocasiões para testemunhar que Cristo já venceu, mesmo se tivessem que ser aprovadas todas as leis contrárias àquilo em que nós cremos. Amanhã terei a morfológica, na qual não irão me tirar o 100% da possibilidade da síndrome de Down mas, no caso em que tudo vá bem, esta possibilidade se reduzirá muito. Eu quis escrever-lhes hoje porque, se amanhã tudo sair bem, as minhas palavras poderiam parecer um conto bonito, porém adoçado pelo final feliz, e se sair mal, talvez não teria nem mesmo a força de escrever”.

No momento em que lhe escrevo já fizemos esse exame e tudo saiu bem. Mas no hospital aconteceu um fato que confirma ainda mais o que eu escrevi. Depois da ecografia fomos recebidos pela doutora que nos havia proposto a amniocentese: ela lembrava perfeitamente de nós (também porque somos italianos) e de nossa escolha de não fazer a amniocentese. Posso garantir-lhe que estava quase mais contente do que nós, enquanto nos dizia que nosso filho estava bem e que podíamos ficar mais tranquilos. Queremos lhe agradecer porque, seguindo a sua indicação, fomos ajudados a compreender que na nossa vida temos a necessidade de voltar o olhar para Cristo que ressuscitou de verdade e tem o rosto dos amigos que nos acompanham e das circunstâncias que temos de viver todo dia. Fazendo assim, podemos nos dar conta de que Ele já venceu no momento em que introduz uma novidade, um modo novo de ver e tratar as pequenas e grandes coisas da nossa vida. Somente um rosto mudado pela certeza da Ressurreição pode fazer nascer em nós e em quem está ao nosso redor a pergunta: como é possível viver assim? Esta pergunta é a ocasião do início de um verdadeiro caminho de conhecimento.

Lucilla e Fabio, Valencia (Espanha)

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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