Preparar a proposta para as férias, além de cansativo, é um risco. Podemos nos perder, mesmo tentando fazer uma proposta verdadeira. Este ano, com os amigos adultos que acompanham o grupo de CL dos ginasiais [estudantes do Ensino Fundamental II até 14 anos] decidimos que o desafio que lançaríamos aos meninos seria: felizes ou divertidos? Já trabalhávamos nisso há algum tempo quando, faltando poucas semanas para as férias, passei por grandes dificuldades: meu filho ocupado com a monografia e a escolha da área para a especialização, minha filha estudando para o vestibular, minha saúde não ia muito bem e meu marido que, às vezes, não consegue olhar para todas essas provocações.
No dia 17 de junho, padre Julián Carrón, antes de concluir a sua Escola de Comunidade, disse: “Uma palavra sobre a manifestação do próximo dia 20 de junho, sobre a qual discutimos nestes dias”. Argumentou e, depois, nos convidou a assistir ao vídeo da entrevista de Myriam, uma menina de 10 anos, refugiada iraquiana de Qaraqosh. Foi como se Carrón tivesse me dito: olha que você pode escolher os gestos que lhe parecem mais interessantes, incisivos e verdadeiros para evocar nos meninos a tentativa de descoberta do que é a felicidade, mas não pode deixar de ter presente que o sinal mais verdadeiro que Cristo lhe dá para que a sua autoconsciência cristã cresça, é o testemunho dos nossos amigos cristãos perseguidos. A única coisa que você pode doar às pessoas que mais ama, é o crescimento da sua autoconsciência cristã.
Com essa hipótese, preparar as férias dos ginasiais, estar diante da minha família, lidar com a dificuldade de um sofrimento físico imprevisto foi um acontecimento para eu acolher, olhar e cuidar. Um acontecimento subversivo, no qual parei de tentar colocar tudo no lugar, porque havia algo mais interessante: seguir Alguém que me chamava para habitar a Sua casa. Em síntese, a descoberta é que, diante das coisas, dos fatos e, sobretudo, dos meus filhos, do meu marido e dos meus meninos, a pergunta mais verdadeira que nasceu como graça não é “quem eu sou para eles?”, mas “quem são eles para mim?”, e percebi a diferença de potencial que há entre essas perguntas. No primeiro caso, é um esforço físico, incluindo o cérebro, que deve inventar sei lá o quê e, sobretudo, é uma solidão. No segundo, ao contrário, é a aventura do revelar-se da sua consistência, que é uma falta; e é essa falta, no entanto, que coloca você diante do Tu que a preenche e que, embora se revele pouco a pouco, dá a vertigem de uma felicidade recém-conhecida. A felicidade está no acontecer desse relacionamento.
Dois dias antes da partida para as férias dos ginasiais, Giacomo Fiordi, cooperador da Fundação AVSI que tínhamos conhecido em dezembro, me enviou um link via WhatsApp. Abri-o e vi uma foto dele junto com Myriam e outra menina. Dizia que estava em Erbil. Respondi sua mensagem pedindo que, se ele a encontrasse de novo, agradecesse a Myriam por seu testemunho e que dissesse que uma centena de meninos italianos vão passar as férias juntos e vão assistir ao vídeo da sua entrevista e que tenho certeza de que eles também ficarão contentes por poder “compartilhar” o seu testemunho. Enquanto viajamos para a Calábria, li o que Giacomo me escreveu. Ele perguntou se gostaríamos de encontrar Myriam e seus pais via Skype. Aceitei imediatamente, mesmo sabendo que o hotel não oferecia um serviço de internet estável, que nenhum de nós adultos tinha habilidade nesse tipo de coisa e que os dias estavam cheios de propostas, de gestos bonitos, bem preparados.
Foi um milagre. Quarenta e sete minutos ininterruptos de videoconferência. As perguntas dos meninos e as respostas de Myriam, Waleed (o pai) e Alis (a mãe). Após as saudações iniciais os meninos entoaram um canto a Nossa Senhora em siciliano e depois Myriam e os seus pais dedicaram a eles um canto em árabe. E, a primeira coisa que disseram, foi: “Somos felizes aqui onde estamos porque onde quer que estejamos Deus está conosco”. As férias inteiras, do modo como as preparamos com os meninos que levamos, estava sob o olhar de um Outro.
No último dia, quase trinta jovens falaram na Assembleia. Nunca tinha acontecido isso. Mas não é só o número que me comoveu. Muitas colocações foram uma crônica dos dias que passamos juntos, outras, a narração da descoberta de sua humanidade, de um Tu que começam a entrever e, portanto, do verdadeiro alcance da nossa amizade. Em todos, porém, vi a evidência de um novo início: o fato de que quando eram chamados, logo se levantavam das cadeiras, como se não esperassem outra coisa. A seriedade com a qual se colocaram mostra o desejo de compartilhar a vida, de responder a uma Presença que os chama e não a uma proposta mais ou menos boa, mais ou menos interessante e inteligente. Quase todos falaram do seu encontro pessoal com Myriam dizendo “terem visto” e terem “se sentido olhados”.
Também para nós, adultos, foi assim. Myriam e seus pais nos restituíram Jesus por aquilo que é: uma Presença capaz de abraçar e sustentar toda a vida. O testemunho deles estava nos restituindo à vida, os verdadeiros refugiados éramos nós. Em suma, o Senhor da vida é pródigo de dons para com aqueles que, mesmo vacilando, começam a confiá-la a Ele. Mas o verdadeiro tesouro continua sendo o acontecer do relacionamento com Ele. Minha filha fez o vestibular, meu filho ainda está fazendo seu trabalho, minha saúde ainda não está muito bem e eu, daqui alguns dias, saio de férias novamente com os colegiais. Por quê? Pelo mesmo motivo pelo qual ficaria em casa se as circunstâncias me pedissem. Para caminhar mais uma vez em busca d’Ele, que já está me esperando.
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