“Eu não tenho medo”. Foi o que disse Francesca, claramente. Quase em alta voz. “Recolhendo as últimas energias”, como se diz nesses casos. No entanto, é exatamente o contrário. As energias, para ela, vinham todas daquela certeza, repetida ao marido poucas horas antes de morrer. “Eu não tenho medo”. A mesma certeza que plasmou a vida e a morte, a saúde e a doença: a fé.
Francesca Pedrazzini tinha 38 anos. Um a menos que Vincenzo, seu marido. Ela, professora; ele, advogado. Casados há doze anos, três filhos (Cecilia, dez anos; Carlo, sete; Sofia, três) e uma vida plena, alegre, de alguém que ama a vida: os amigos e o trabalho, a família e o mar da Grécia...
Ao retornar das férias, em janeiro de 2010, tudo toma um rumo imprevisto: um nódulo no seio. Cinco centímetros. “Foi difícil desde o início”, conta Vincenzo. “Tivemos medo, mas ela enfrentou tudo com altivez. Depois da cirurgia, recomeçamos, mais ricos”. Testes e controles correram bem, no começo. Em março de 2011, os médicos exageraram: “Parabéns, você está curada. Isso será apenas uma lembrança”. Não era bem assim. Em setembro, Francesca volta das férias com dor na coluna. Outra bateria de exames. Metástase nos ossos e no fígado. É nesses dias que ela escreve às amigas. Está tudo aí: “Estou em paz porque Jesus mantém a promessa de nos fazer felizes. Faça comigo essa estrada e veremos. Estou segura disso. Um abraço”.
“Francesca passou por todos os estados de espírito”, conta Sara, sua irmã: “A rebelião, a ansiedade, a angústia... Mas no primeiro momento foi um sim. Ela disse: está bom assim. Não chorava. Eu me lembro bem, porque estava desesperada, mas ela não”. E por quê? “São vinte e cinco anos que caminhamos na história do Movimento. Ela sempre viveu o relacionamento com Cristo de maneira firme. Tinha se entregado a Jesus. Completamente”. Não era uma santa, não segundo a imagem que tantas vezes associamos a essa palavra. Eles fazem questão de nos dizer. Temperamento forte. Daqueles que frequentemente provocam desencontros. “Mas tinha uma inteligência clara sobre o momento”, conta Mariachiara, sua mãe. “Uma das frases que repetia com frequência era: Sou carregada”, diz Sara. “Pela gratuidade, pelo acolhimento. Tivemos uma companhia constante: e-mails, mensagens, amigos no hospital e em casa; gente que rezava por ela em todos os cantos do mundo”.
A caminhada torna-se mais difícil. Quimioterapia pesada. Dias e dias entre a cama e o sofá. Um pouco de alívio vem com a primavera. A doença avança, mas Francesca se sente melhor. “E estava super feliz”, diz Vincenzo: “Ela repetia: o tempo que o Senhor me dá quero vivê-lo fazendo coisas belas com os meus filhos”. E os filhos? “Eu nunca tirei os olhos deles”, responde Vincenzo. “Porque tiveram uma liberdade grande. A mamãe não estava bem? Ok, era assim mesmo. Com sacrifício, sofrendo. Eles ficavam simplesmente diante do que acontecia”.
Um outro período de férias marcou os meses de Vincenzo e Francesca. Em Cervinia, em julho passado, com os responsáveis do Movimento de Comunhão e Libertação da região da Lombardia. E padre Julián Carrón, que lhe diz, com ternura: “Veja, Francesca, somos todos doentes crônicos. Mas você tem uma ocasião a mais para amadurecer. Não a perca”.
Há dois e-mails enviados aos amigos, antes e depois desse diálogo. Basta lê-los. Antes: “Quando os exames apresentam resultados ruins, me assalta uma angústia tremenda. O futuro me aterroriza, me parte o coração pensar nos meus filhos crescendo sem uma mãe e meu marido envelhecendo sozinho. Sei que o medo não é contrário à fé, até Jesus teve medo na cruz, mas o medo é feio e não quero viver os dias que me restam com esse medo no coração, como se o abraço de Cristo, em mim e nos meus, não pudesse derrotá-lo. Eu quero ter uma fé que de fato tenha a ver com a vida, e será que isso não vale mais, na prova suprema? Se não buscamos sempre a satisfação onde todos a buscam, como dizia Carrón no [jornal] Repubblica, talvez os outros a busquem no dinheiro e no poder e eu, na saúde...”. E depois: “É o tempo da pessoa, se você não é tomado pelo Acontecimento, nada fica de pé, mas se somos tomados, podemos entrar em qualquer circunstância verificando que Deus não treme mesmo que haja um terremoto e que você tem um eu novo. Meus punhos tremem mas verdadeiramente essa ocasião eu não a quero perder!!”.
Não a perdeu. Desfrutou dela até os últimos dias. Vincenzo conta: “Quando os médicos me explicaram que faltava pouco, caí num estado de angústia. O que faço? Digo a ela ou não? Num certo momento, ela me olha e diz: “Vince, venha aqui. Veja, fique tranquilo. Eu estou contente. Estou em paz. Estou segura de Jesus. Não tenho medo. Aliás, estou curiosa pelo que o Senhor está preparando para mim”. Mas você não está triste? “Não, estou tranquila. Sinto só por você, porque a sua provação é mais pesada do que a minha”. Ali houve uma transformação. Depois dessas palavras, eu era um outro ser. Transformado. A angústia desapareceu. Este foi sem dúvida um dos mais belos momentos dos 17 anos (doze de casamento e cinco de namoro) passados juntos. Se não mesmo o mais belo”. No dia seguinte, pede para ver as crianças, uma a uma. “Olhe, eu vou para o Paraíso. É um lugar belíssimo, não fiquem preocupados. Vocês vão sentir saudade, eu sei. Mas eu verei vocês e cuidarei sempre de vocês. E peço uma coisa: quando eu for para o Paraíso, vocês devem fazer uma grande festa”.
Estava em paz. Tanto que levou o marido a pensar, enquanto ela já estava em coma: “Franci, você sabe que eu vou com você? Pela primeira vez na minha vida eu pensei nisso. Sem medo da morte. Eu quero viver como ela viveu este ano”.
Francesca morreu dia 23 de agosto de 2012. O funeral foi realmente impressionante!! O que levou um colega, no final, a dizer: “Oh! Não se ofenda, mas a mim me parecia uma festa”. Ou o taxista que acompanhava uma amiga, observa o ambiente e comenta: “Ah! entendi porque você está tão elegante, é um casamento, não é?”. Mas também a onda que nasceu é verdadeira. Os tios, que haviam se afastado da fé há quarenta anos, agora vão à missa todos os dias. Um conhecido que tem um parente no final da vida, aparece no mesmo hospital e fica impressionado...
“Gostaria de saber por que as pessoas devem se converter com o meu câncer”, tinha dito Francesca a um sacerdote. E ele: “É o mistério da cruz”. E da Ressurreição. “As nossas amizades se transfiguraram, todas”, diz Vincenzo. “Se tornaram amizades em vista do destino”. O medo não machuca mais.
“Antes que Franci morresse, eu lhe perguntei: o que faço com as crianças?”, conta Sara. “E ela: liberte-se desse peso. Nunca serão seus filhos. Continue sendo tia. Fique serena e esteja certa de que Jesus cumpre a promessa que colocou em nossos corações. Fará isso também com elas”. Há alguns dias, Vincenzo foi a um parque de diversões com as crianças. Auto pista, montanha russa, etc. “No final, Carlo vira e me pergunta: Mas a mamãe está vendo, não?”. Sim, Carlo, ela vê tudo. Não tenha medo.
(Texto publicado na Passos n.143, novembro 2012)
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