“Alô?”. Do outro lado do telefone fez-se silêncio. “Alô?”. Maria Teresa, uma das organizadoras do New York Encounter – evento cultural promovido pela comunidade de CL nos EUA –, tinha lido sobre ele nos jornais. Com ele, os Médicos Sem Fronteiras haviam recebido um prêmio importante por terem conseguido frear o avanço do Ebola na Libéria. Esta é a mais grave epidemia em nível mundial nos últimos anos, com vinte e oito mil casos e onze mil mortos. Uma doença que não perdoa. Ela tinha pensado: “Seria interessante que ele nos contasse o que o impulsionou a arriscar a vida daquele jeito”. Dessa forma, escreveu a David, este médico judeu, que lhe respondeu: “Sim, tudo bem. Podemos falar disso por telefone”.
Maria Teresa liga para ele e, com cordialidade, David tenta entender: “Vocês querem que eu mostre algumas fotos e fale sobre como trabalham os Médicos Sem Fronteira?”. E, do outro lado: “Sim, correto, seria bonito, mas, principalmente, queríamos que você contasse o porquê faz isso, o porquê arrisca a vida naqueles lugares”. E é aí que David desiste. Alguns segundos de um silêncio que já é parte da resposta, e ele retoma: “Se vocês querem que eu fale daquilo que fizemos, tudo bem. O resto não me parece interessante”. Maria Teresa rebate: “Mas é exatamente isso que nos interessa”.
Nesse momento, ele levanta a voz: “Então, digam: é um herói o que vocês querem? Alguém que tenha feito coisas grandes e etc? Desculpe. Não posso subir num palco para ser um herói. E sabe por quê? Porque eu tenho uma ferida dentro de mim, uma ferida terrível, e só encontro um pouco de alívio quando vou naqueles lugares e, por um momento, acredito que posso ajudar alguém”. E ela: “Mas é exatamente isso que queremos que você conte. É esta ferida que faz de você um grande homem, este é o ponto”. Mas ele é firme: “Não, não estou pronto para falar sobre isso ainda”.
Maria Teresa repensa sobre esse diálogo. Por que pode dizer que aquela ferida é importante para ela? Toma coragem e tenta descrever isso num email que encaminha a David. Passam-se alguns dias e chega a resposta: “Estou num trem para encontrá-la em Nova York. Continuo a ler e reler a sua mensagem. Nunca tinha pensado que este coração do qual você fala pudesse ser uma coisa boa. Repito: não irei falar no palco, mas podemos continuar esse diálogo? Nunca pensei sobre essas coisas deste modo”.
E foi assim que David chegou ao Metropolitan Pavillion, onde foi realizado no final de janeiro deste ano o New York Encounter. Logo ficou marcado pelo título do encontro: “Longing for the sea and yet (not) afraid” (literalmente: “Que anela pelo mar e que contudo (não) o teme”). Maria Teresa o recepcionou exatamente ali, onde queria que ele tivesse falado, e o encontro ocorre durante o café da manhã, com outros hóspedes da manifestação. Retomaram o diálogo do ponto em que o haviam deixado. E, a certo ponto, David disse: “Desde o momento em que entrei aqui, vi que todos estão contentes, o que é isso? Veja, eu nunca quis enfrentar essa pergunta que você me fez. Foi por isso que naquele vez levantei a voz ao telefone. E, mesmo assim, estou aqui hoje, porque pensei que talvez aqui eu pudesse entender melhor sobre o que estou buscando”.
A conversa prosseguiu e David explicou que recentemente havia escrito aos Médicos Sem Fronteira, comunicando sua demissão. Queria assumir o risco de ver se aquilo que Maria Teresa lhe havia escrito podia ser experimentável não somente em lugares perigosos, mas também num hospital normal no Brooklyn, perto de sua mulher e de seu filho de seis anos.
Enquanto caminhava pelas salas do Encounter, David perguntou: “Mas de onde vem tudo isso?”. Maria Teresa começou a lhe falar de Dom Giussani. Algumas palavras sobre um padre italiano ditas a um médico judeu americano. "Não conheço. Conte-me um pouco mais...”. Convidou-o a assistir com ela Da minha vida à vossa, a exposição dedicada ao fundador de CL. Painel após painel, chegaram àquele cujo título era: “Desejo que nunca fiquem tranquilos”.
“Mas é disso que falávamos! É a minha questão: nunca estar tranquilo. Por que esta ferida é algo bom? Quero entender. Onde posso encontrar Dom Giussani?” E descobre que ele faleceu em 2005, então pergunta: “Mas deixou algo escrito sobre isso? Dê-me algo para ler”. E ela: “Comece com O Senso Religioso”.
Os dois se encaminham até a livraria montada no evento. David compra uma cópia do livro de Giussani e, guardando-a, disse: “Quero estudá-lo, mas podemos continuar a conversar? Eu gostaria não só de ler e discutir sobre o livro, mas de falar da vida. Da minha vida”.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón