Desde outubro do ano passado eu trabalho para a Agência da ONU para os refugiados quase ao confim com Panamá, na chamada região da Urabá. Esta tem sido, e continua sendo, uma das mais atormentadas pelo conflito armado interno que afligiu a Colômbia nos últimos sessenta anos, vítima de um grande abandono por parte do Estado e sob o controle de grupos armados fora da lei.
A paz parece uma coisa ainda remota aqui, aos confins do mundo, nas comunidades indígenas e afrodescendentes com as quais trabalho, distantes horas e horas de canoa pelos rios e de cavalgada sobre jumentos na selva, onde frequentes combates ocorrem entre grupos armados que a força pública bombardeia do céu. Impelida pela curiosidade de entender este lugar, desde quando cheguei eu li e estudei toda a história do conflito armado.
Trabalhando todos os dias com refugiados “internos” que tiveram de abandonar as casas, a terra, depois de ter sofrido violações terríveis de seus direitos humanos, compreendi que o que sofreram é infinito. Assim como também é infinito o seu sentido de injustiça. E compreendi também que não posso resolver esta coisa, nem mesmo com toda a paixão com que eu possa lançar-me nela. Mas neste trabalho eu vejo e procuro construir a paz. Por exemplo, Marco ou Ana, jovens líderes comunitários, respectivamente indígena e afro, que, para fugir do recrutamento forçado por parte dos grupos armados, decidiram instituir uma “Escola Interétnica de Liderança Juvenil”, na qual, pela primeira vez, negros e indígenas, por anos inimigos, agora compartilham juntos a necessidade de conhecer quais são os seus direitos nas terras em que habitam há séculos, e de unir-se contra a ameaça do mal, do ódio e da morte. Como falou o Papa, para viver a unidade “é necessário que se abra espaço em nós à experiência elementar de que o outro é um bem para a realização da nossa pessoa e não um obstáculo”. O melhor modo para ser unidos e dialogar não é discutir e falar, mas construir juntos.
Foi assim que, questionada sobre o referendo de outubro pela assinatura do Acordo entre o Governo e as Farc, eu senti a necessidade de ler todos os documentos de Havana, para entender de que paz se está falando. E não me largam certas perguntas. Como pode uma simples assinatura curar o coração de quem tanto sofreu? É possível perdoar e aceitar quem matou e cometeu as torturas mais atrozes? Poderão os guerrilheiros reintegrar-se de verdade depois de todo o mal que fizeram? O Acordo implica impunidade? E assim por diante…
São perguntas grandes demais para respostas superficiais e insuficientes que não posso dar-me por mim mesma. Nenhum acordo pode dar uma resposta e um sentido à dor que esta guerra causou e continua a causar. Mas, como diz um panfleto preparado pela comunidade de CL, “não somos condenados à dor: há uma esperança. A nossa esperança repousa no olhar de um homem que dois mil anos atrás olhou e perdoou uma prostituta que queriam apedrejar: é o olhar da misericórdia introduzido por Cristo na história”.
Da paz, desta tentativa atormentada de pôr um fim ao mal, eu tenho necessidade todos os dias. Estou disposta a perdoar o colega com quem tenho um ponto de vista diferente sobre as coisas? Estou disposta a acolher o outro tão diferente de mim e a aprender aquilo que ele tem para me ensinar? Sou definida pelos erros que cometo todo dia? Eu preciso da paz, de Quem põe um fim ao mal, ao meu mal. Preciso de um olhar de ternura e de misericórdia sobre mim e sobre o meu nada. A nascente da verdadeira paz não é apenas a firma de um Acordo, mas o olhar da misericórdia de Jesus que transforma a mim e ao mundo inteiro.
Chiara, Apartadó (Colômbia)
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