Na manhã seguinte, Giussani dirige-se, de trem e depois de teleférico, ao Monte Koya (ao sul de Osaka), centro do budismo Shingon Mykkyo, fundado por Kobo-Daishi, com origem no século IX. Com ele vão Fontolan, Wakako com os pais, Angela Volpe e Riva. “Ao abrir a porta”, lembra Fontolan, “estamos em 1600. Lindo. Tudo de madeira, biombos de papel, pintados, bambus, bacias para que nos lavemos numa espécie de lavatório público. Um grande jardim muitíssimo arranjado e, além disso, a colina cheia de bosques”. Continua: “Dom Giussani estava impressionado com a abertura mental dos monges, interessado na curiosidade deles, humana mais que intelectual, pelo cristianismo. Salientava esta disponibilidade sem preconceitos que eles tinham ao abordar as coisas, e a ausência de ideologia. Ele também, em relação a eles, tinha esta liberdade total no encontro, esta capacidade de identificação total”.
O professor Shodo Habukawa, mestre dos noviços, declara: “Nunca me esquecerei, enquanto for vivo, daquele dia extraordinário, o de 28 de junho de 1987, às treze horas, quando Dom Luigi Giussani apareceu diante dos meus olhos numa luz clara e ofuscante, a luz típica do princípio do verão. Ficamos abraçados uns instantes em silêncio, sem necessidade de dizer nenhuma palavra. A profunda emoção daquele primeiro encontro permaneceu inesquecível”. Após uma breve pausa, o bonzo acompanha o convidado italiano a visitar o museu Reihokan (“sala dos tesouros”), onde, entre as numerosas obras expostas, “um detalhe da imagem do bodhisattva Kannon dos mil braços chamou a atenção de Dom Giussani, enquanto eu explicava o significado dos mil braços do bodhisattva Kannon – as inúmeras maneiras de libertar os seres dos seus sofrimentos. Mais tarde soube que Dom Giussani trazia sempre consigo uma imagem deste bodhisattva, que tinha recebido de presente”. O professor Habukawa recorda que, na noite daquele mesmo dia, foram à Universidade de Koyasan – onde ensinava – e ali se encontraram com o então reitor Takagi Shingen, o antigo reitor Matsunaga Yukei, o professor Riva e Fontolan para uma conversa.
Habukawa lembra-se de ter ficado impressionado com o fato de Giussani conhecer “muito bem” os fatos históricos relativos à transmissão do ensino esotérico budista por parte de Kukai Kobo-Daishi; o budismo Shingon Mikkyonasceu na Índia e foi levado para o Japão por Kukai, que o tinha aprendido na China: “Dom Giussani sabia também que Kukai tinha fundado uma universidade pública para as artes e as ciências cerca de 1200 anos antes”. Na visão particularmente aberta de Kobo-Daishi, os estudantes tinham de aprender em textos nacionais e estrangeiros. E, enquanto a Universidade Nacional era reservada à formação dos funcionários, a escola religiosa de Kobo-Daishi oferecia ao cidadão comum a possibilidade de receber uma educação: “Foi este o tema discutido durante aquele primeiro encontro, que contribuiu para fomentar uma sensibilidade comum, até dava a impressão de que se estava com amigos de muito tempo, que se esqueciam do tempo que passava”.
Dom Giussani no Monte Koya com Shodo Habukawa
O encontro começa com o diálogo entre Giussani, Takagi e Matsunaga. Este último observa que a tradição japonesa está muito ligada ao senso religioso, “ainda que, nestes últimos tempos, se tenha diluído muito”, e pergunta se esta consciência religiosa ainda existe no povo italiano. Giussani responde que, “na derrocada de todos os ideais políticos e econômicos, o senso religioso voltou a despertar muito no povo”, mas o problema é que quem deveria retomar a tradição e aprofundá-la, a abandonou por uma interpretação da história cristã condicionada “pelas categorias da filosofia dominante”; pelo que, por um lado, em algumas pessoas se torna “intelectualismo, ineficiente, ineficaz, um teologismo esvaziado do conteúdo da mensagem histórica”; por outro lado, nas pessoas mais ativas, identifica-se com “uma tomada de posição política e [...] grande parte da teologia dita “da libertação” identifica o cristianismo com o marxismo”.
Giussani acrescenta que o fenômeno dos movimentos foge a estes perigos, “que não nascem da estrutura oficial, mas são muito apoiados pelo Papa, justamente porque os movimentos se esforçam por retomar a tradição como resposta, intelectual e prática, aos problemas presentes. Por exemplo, os movimentos são profundamente ecumênicos, interessam-se muito pela verdadeira raiz religiosa que há em todas as formas religiosas e lutam todos contra o ateísmo prático”.
Takagi concorda com a importância do ecumenismo, tanto que a primeira coisa que diz aos alunos é incitá-los a abrirem-se a outras culturas, para tentarem compreender as outras maneiras de pensar, e que este é um dos fundamentos da educação dada pela Universidade do Monte Koya. Em resposta, Giussani declara-se profundamente interessado em conhecer a essência do budismo “porque nos obriga certamente a aprofundar a nossa ideia original e a, eventualmente, mudarmos a sua expressão, para uma maior fraternidade”.
Os monges explicam a Giussani que no ensino de Kobo-Daishi a verdadeira educação nada tem a ver nem com a nobreza, nem com a riqueza, nem com a pobreza, ou seja, é algo que tem a ver com todos, e consiste no fazer emergir a dignidade que cada homem tem dentro do seu coração. Giussani julga que esta ideia de educação é “fundamental e entusiasmante” e por isso, despedindo-se dos seus novos amigos, faz-lhes um convite: “Temos um grande festival anual em Rimini, chama-se Meeting, todos os anos tem um tema; no próximo ano terá o tema “o senso religioso”. Gostaria que alguém fosse falar desta ideia de Kobo-Daishi”.
A propósito, o professor Habukawa lembra-se de “em 19 de setembro [1987; N.d.A.]” ter chegado “uma carta com o convite para participar do Meeting de Rimini”, na edição do ano seguinte, porque Giussani “queria dar a oportunidade de estudar culturas diferentes para ajudar à evolução pessoal e aquisição de um melhor conhecimento das diferenças culturais, para assim incentivar e desenvolver a amizade entre os povos”.
Nas Férias Internacionais do CL, que decorrem em Corvara de 25 a 30 de agosto de 1987, durante a assembleia de 27 de agosto, Giussani dá a palavra a uma moça japonesa, Tomoe, “que chegou na Itália sabendo só o japonês. Então chegou à estação com um cartaz com “Dom Giussani” escrito, depois “Giovanni Riva” e “Povera voce” [nome de uma canção muito cantada no Movimento de CL]”. Os universitários aplaudem calorosamente. A jovem pergunta: “Dom Giussani disse para nos tornarmos amigos das pessoas cujo coração sentimos que é o mesmo. Mas há amigos que não são iguais a mim (a religião, a maneira de pensar, a maneira de viver é diferente), então como agir com estas pessoas?”. Giussani lhe responde que a amizade é “caminhar em conjunto para o destino e por isso em direção à verdade”, não se pode ser amigo “esquecendo-se ou negando-se alguma coisa. Por isso, se eu for seu amigo, interesso-me muito pelo que você pensa e pelo que sente, pelo que você precisa. Seja qual for a minha e a tua concepção dele, sabemos que o destino é comum, ou seja – que é o mesmo – que a verdade é una. Nós compreendemos que temos um destino comum, porque temos o mesmo coração, que tem a mesma sede de verdade, de justiça, de amor e de felicidade. Então, quanto mais uma pessoa estiver atenta ao seu coração, quanto mais uma pessoa se amar verdadeiramente a si mesma, quanto mais uma pessoa estiver apaixonada por isto que não fez e que é ela própria, mais se abre a qualquer homem que encontra”. E continua: “O coração é tão igual, o destino é tão único, que as diferenças estão destinadas a ser destruídas, mesmo que o diálogo doloroso da diferença durasse toda a vida. Tomoe: há só um, só um homem que disse que temos o mesmo destino tal e qual, e que temos o mesmo coração, que é Cristo, e é por isso que sou cristão”.
*Texto extraído do livro Vita di don Giussani, de Alberto Savorana, pp. 742-745. Em breve, em edição portuguesa.
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