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OS FATOS

O drama da certeza

06/09/2011 - Meeting 2011
Fabrice Hadjadj
Fabrice Hadjadj

O escritor francês Fabrice Hadjadj participou do Meeting de Rimini em um encontro dedicado à “Certeza inevitável: reflexões sobre a modernidade”. Hadjadj compartilha com Dom Giussani a ideia de que nossa fé “não pode ser ideológica, fundada em uma simples herança, ou ligada a uma espécie de alistamento fideísta, sem implicar em um trabalho pessoal de verificação”. E se não é possível ser cristãos à margem da história, igualmente não se pode ser cristão à margem do drama. “A nossa é uma certeza dramática – afirma Hadjadj – e como tal é apocalíptica.

A modernidade gerou uma grande incerteza, deu ao homem certezas falsas. Por onde passa o caminho para reconstruir a certeza?
A modernidade propôs várias certezas falsas. Podemos afirmar que o que marcou de forma negativa a modernidade é uma espécie de ruptura, mas se trata de uma ruptura que tem muitos aspectos positivos. Transformaram em valores alguns elementos essenciais do cristianismo. Penso, por exemplo, na liberdade humana, na justiça social, na dignidade da pessoa, no homem que assume toda a responsabilidade da sua própria vida.

São verdades que realmente pertencem ao patrimônio cristão.
A modernidade valorizou esses fatores e por um instante nos fascinou. Pensemos quando arrancamos uma flor e a pomos em um vaso para poder admirá-la. A modernidade é isso e assim nos permitiu tomar consciência dessas dimensões do cristianismo. Mas o problema é que quando cortamos a flor para admirá-la, a condenamos à norte. E isso foi o que aconteceu com a modernidade. Seus pontos fortes foram crer no progresso e na construção da sociedade perfeita. E nesse trajeto a fé em Deus se converteu em fé no homem.

Qual é o resultado final do humanismo moderno?
Esta modernidade ficou bloqueada. Suas certezas, antes humanistas e agora atéias, foram destruídas. Esta modernidade se quebrou por dentro, porque os progressos se converteram em totalitarismos e também foi contestada por fora: desde o darwinismo que pensa que o homem é fruto do acaso, de um trabalho de “bricolagem” da evolução; e também da perspectiva do desaparecimento da humanidade por obra do próprio homem, como aconteceu em Hiroshima. Chegou o momento da pós-modernidade: um pós-humanismo não menos perigoso que as falsas certezas da modernidade.

Por que motivo?
O pós-humanismo atual que apresenta três dimensões: três filosofias erradas que parecem antiéticas, mas na realidade estão profundamente relacionadas. A ecologia, segundo a qual o homem é predador da natureza; o tecnicismo, com a ideia de que a tecnociência é capaz de fabricar um super homem, mesmo sendo evidente que este super homem seria na realidade um sub-homem, pois dependeria do mercado; por último o resultado é uma corrida desenfreada do humanismo que leva a uma espécie de deísmo fundamentalista.

De que modo estes pós-humanismos dificultam o reconhecimento da verdade cristã?
Produzindo uma fragmentação, um descolamento interno da verdade cristã que é algo essencialmente equilibrado, que permite a coexistência perfeita entre a fé e a fé e a razão, carne e espírito, história e eternidade. Neste campo em ruínas, de onde todas as esperanças e utopias progressistas modernas acabaram em colapso, nos damos conta agora que se queremos salvar o homem não podemos recorrer à modernidade e muito menos à pós-modernidade. Cada vez mais somos mais conscientes de que o autêntico humanismo não pode fundar-se em outra coisa que não seja a ideia de que o homem e, tal como é, contém um mistério, foi desejado por Deus e resgatado por Ele.

Você olha mais para Santo Agostinho, São Tomás de Aquino ou Pascal?
Estou muito mais próximo de Santo Agostinho e Tomás do que Pascal. Seguramente tenho uma dívida imensa com Tomás de Aquino por sua metafísica e sua filosofia do ser, mas pelo estilo estou mais orientado à Agostinho, pelo sentido do extraordinário que ele tem da existência como uma música, por um “pensamento musical” que tem da teologia da vida humana.

E a respeito de Dom Giussani?
Boa parte do meu pensamento já havia se formado quando conheci Giussani, mas o encontro que tive com seus textos foi para mim uma grande confirmação. Nele encontrei um pai, um irmão, alguém com quem sentia consonância total.

Quais são as razões dessa estima tão profunda?
Na época da destruição das certezas e da incerteza radical sobre a vida do homem, Dom Giussani disse: veja que o seu cristianismo, sua fé, não pode seguir sendo ideológica, não pode estar fundamentada em uma simples herança, ou ligada a uma espécie de alistamento fideísta, sem implicar em um trabalho de verificação pessoal. Foi como se Giussani tivesse dito que a certeza deve estar arraigada na existência concreta. O lema do Meeting deste ano nos conclama, precisamente, partir da existência, a partir do eixo da existência. Este é o tribunal de toda a certeza.

A certeza pode chegar a ser definitiva, ou “imensa”, como diz o lema do Meeting?
O que quer dizer que uma certeza é imensa? Não significa uma certeza dentro da minha medida. Portanto não é uma certeza que possuo, que domino, que construo, mas é sobre uma certeza que me toma, me conquista, me supera, e de algum modo me escapa. É interessante a ideia de uma certeza que me escapa…mas isso acontece precisamente porque é maior do que eu. Esta é a certeza que dissipa a escuridão; é “imensa” uma certeza que me lança à missão, que me empurra a assumir em primeira pessoa o risco de uma existência plenamente vivida, recebida e dada.

Em que ponto erramos?
Muitas vezes temos uma imagem da verdade como “mineral”, ou seja, algo inerte e sólida. No entanto, temos que encontrar imagens vivas da certeza. A grande certeza é a que destrói todas as pequenas certezas feitas na minha medida, para me abrir a algo que por sua vez me lança no desconhecido e ao mesmo tempo me embriaga, enche-me de alegria por essa celebração da vida, uma abertura ao encontro que me coloca em comunhão com algo além de mim. A certeza humana é uma certeza dramática e como tal é apocalíptica: através do drama, da catástrofe, sempre nos é dada uma revelação.

(extraído do Il Sussidiario)

Perfil:

Nascido em uma família judaica, parente de militantes revolucionários maoistas, ateu e anarquista em sua adolescência, Hadjadj repentinamente se converte ao catolicismo na Igreja de St. Severin em Paris. Foi batizado na Abadia Saint-Pierre Solesmes, em 1998. Ele se apresenta como "judeu com nome árabe e confissão católica."
É casado com a atriz Siffrein Michael e pai de quatro filhas e um filho. É professor de filosofia e literatura na escola Santa Joana d'Arc, professor do Instituto de Filosofia Comparada de Paris e do seminário de Toulon. É autor de obras como “Et les violents s'en emparent" e "La Terre chemin du ciel", entre outras.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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