Excelência Reverendíssima,
de novo neste ano tenho a alegria de transmitir a cordial saudação do Santo Padre a Vossa Excelência, aos organizadores e a todos os participantes do Meeting para a Amizade entre os Povos, que se desenvolve nestes dias em Rímini. O tema escolhido para a edição 2011 – “E a existência se torna uma imensa certeza” – suscita várias e profundas interrogações: o que é a existência? O que é a certeza? E sobretudo: qual é o fundamento da certeza, sem a qual o homem não pode viver?
Seria interessante entrar na riquíssima reflexão que a filosofia, desde os seus albores, desenvolveu em torno da experiência do existir, do ser, chegando a conclusões importantes, mas frequentemente também contraditórias e parciais.
Podemos, todavia, ir diretamente ao essencial partindo da etimologia latina do termo existência: ex sistere.
Heidegger, interpretando-a como um “não permanecer”, colocou em evidência o caráter dinâmico da vida do homem.
Mas ex sistere evoca em nós pelo menos outros dois significados ainda mais descritivos da experiência humana do existir e que, em certo sentido, estão na origem do próprio dinamismo analisado por Heidegger. A partícula ex nos faz pensar numa proveniência e, ao mesmo tempo, numa separação. A existência seria, pois, um “estar, provindo de” e, ao mesmo tempo, um “ir além”, quase um “transcender”, que define de modo permanente o próprio “estar”. Tocamos aqui no nível mais original da vida humana: a sua criaturalidade, o seu ser estruturalmente dependente de uma origem, o ter sido querida por alguém, para o qual quase que inconscientemente tende.
O saudoso monsenhor Luigi Giussani, que com o seu fecundo carisma está na origem dessa manifestação em Rímini, várias vezes insistiu nessa dimensão fundamental do homem. E com razão, porque é da consciência dela que deriva a certeza com que o homem enfrenta a existência. O reconhecimento da própria origem e a “proximidade” dessa mesma origem em todos os momentos da existência são a condição que permite ao homem um autêntico amadurecimento da sua personalidade, um olhar positivo sobre o futuro e uma fecunda incidência histórica.
Esse é um dado antropológico verificável já na experiência quotidiana: uma criança se torna tão mais segura quanto mais experimenta a proximidade dos pais. Mas, ainda permanecendo no exemplo da criança, entendemos que, sozinho, o reconhecimento da própria origem – e, consequentemente, da própria estrutural dependência – não basta. Aliás, isso poderia parecer – como a história amplamente demonstrou – um peso do qual é preciso libertar-se. O que torna a criança “forte” é a certeza do amor dos pais. É necessário, pois, entrar no amor de quem nos desejou para poder experimentar a positividade da existência. Se falta uma das duas – a consciência da origem e a certeza da meta de bondade a que o homem é chamado – torna-se impossível explicar o dinamismo profundo da existência e compreender o homem. Já na história do povo de Israel, sobretudo na experiência do êxodo descrita no Antigo Testamento, emerge que a força da esperança deriva da presença paterna de Deus que guia o seu povo, da memória viva das suas ações e da promessa luminosa sobre o futuro.
O homem não pode viver sem uma certeza sobre o próprio destino. “Só quando o futuro é certo como realidade positiva é que se torna visível também o presente” (Bento XVI, Enc. Spe Salvi, 2).
Mas sobre qual certeza o homem pode fundar racionalmente a própria existência? Em suma, qual é a esperança que não decepciona? Com o advento de Cristo, a promessa que alimentava a esperança do povo de Israel alcança o seu cumprimento, assume um rosto personalizado. Em Jesus Cristo o destino do homem foi arrancado definitivamente da nebulosidade que o envolvia. Através do Filho, na força do Espírito Santo, o Pai nos revelou definitivamente o futuro positivo que nos espera. “O fato de esse futuro existir muda o presente; o presente é tocado pela realidade futura, e assim as coisas futuras derramam-se sobre as coisas presentes e as presentes sobre as futuras” (ibid., 7). Cristo ressuscitado, presente na sua Igreja, nos Sacramentos, e com o seu Espírito, é o fundamento último e definitivo da existência, a certeza da nossa esperança. Ele é o eschaton já presente, aquele que faz da existência um acontecimento positivo, uma história de salvação na qual toda circunstância revela o seu verdadeiro significado em relação ao eterno. Se falta essa consciência, é fácil cair nos riscos do “atualismo”, no sensacionalismo das emoções – no qual tudo se reduz a fenômeno –, ou do desespero, no qual toda circunstância parece sem sentido. Então, a existência se torna uma busca cansativa de acontecimentos, de novidades passageiras, que, afinal, resultam decepcionantes. Só a certeza que nasce da fé permite ao homem viver de um modo intenso o presente e, ao mesmo tempo, transcendê-lo, vislumbrando nele os reflexos do eterno, para o qual o tempo está ordenado. Só a presença reconhecida de Cristo, fonte da vida e destino do homem, é capaz de despertar em nós a saudade do Paraíso e assim nos projetar com confiança no futuro, sem medo e sem falsas ilusões.
Os dramas do século passado demonstraram amplamente que quando diminui a esperança cristã, isto é, quando diminui a certeza da fé e o desejo das “coisas últimas”, o homem se perde e se torna vítima do poder, começa a suplicar vida a quem não pode dar a vida. A fé sem esperança provoca o surgimento da esperança sem fé, intramundana.
Hoje mais do que nunca nós, cristãos, somos chamados a explicar a esperança que existe em nós, a testemunhar no mundo aquele “além” sem o qual tudo se torna incompreensível. Mas para isso é preciso “renascer”, como disse Jesus a Nicodemos, deixar-se regenerar pelos Sacramentos e pela oração, redescobrir aí o leito de toda autêntica certeza. A Igreja, tornando presente no tempo o mistério da eternidade de Deus, é o sujeito adequado dessa certeza. Na comunidade eclesial a pró-existência do Filho de Deus nos alcança; nela a vida eterna, para a qual toda a existência está destinada, torna-se experimentável já agora. “A imortalidade cristã – afirmava no início do século passado o Padre Festugière – tem como característica própria ser a expansão de uma amizade”. O que é, de fato, o Paraíso se não a realização definitiva da amizade com Cristo e entre nós? Nessa perspectiva, prossegue o religioso francês, “pouco importa onde nos encontramos. O céu é, em verdade, lá onde está o Cristo. Assim o coração que ama não deseja outra alegria se não a de viver sempre junto do amado”. A existência, portanto, não é um caminhar cego, mas um correr ao encontro daquele que nos ama. Sabemos, então, para onde estamos indo, para quem nos dirigimos e isso orienta toda a existência.
Excelência, auguro que esses breves pensamentos possam servir de ajuda para os participantes do Meeting. Sua Santidade Bento XVI deseja assegurar a todos, com afeto, a Sua recordação na prece e, augurando que a reflexão desses dias reforce a certeza de que só Cristo ilumina plenamente a nossa existência humana, de coração envia ao senhor, aos responsáveis e aos organizadores da manifestação, como também a todos os presentes, uma especial Bênção Apostólica.
Uno também minha cordial saudação e me valho da circunstância para reafirmar a Vossa Excelência Reverendíssima meu profundo respeito.
Dev.mo no Senhor.
Cardeal Tarcisio Bertone
Secretário de Estado de Sua Santidade
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