Recebi correndo a notícia e nem tive tempo de metabolizá-la, e aqui estou, também correndo, lançando no papel estas notas breves. [Dia 1º de março] Lucio Dalla morreu, sem aviso prévio, de repente, rápido como o scat com o qual ele gostava de intervalar o seu canto, cantarolando sílabas imaginárias como num jazz. Não tenho tempo – nem vontade – de fazer pesquisas e escrever aquilo que todos irão escrever, enumerando sucessos, recordando a última aparição televisiva de alguns dias atrás em Sanremo, recordando que daqui a apenas três dias iria completar 69 anos. Nem estive muito em contato com ele – como, por exemplo, o amigo Davide Rondoni – a ponto de poder contar uma recordação pessoal. Sendo assim, vou falar, no limite da memória, da música, que sempre foi toda a sua vida.
Lucio Dalla era um artista completo, pianista, autor de suas canções, clarinetista, músico completo. Isto sim, é preciso dizer: escreveu belíssimas canções, atravessando meio século no qual muitas coisas mudaram muito velozmente. E ele mesmo experimentou um número incrível de transformações, lançando-se, aos poucos, no gênero musical que o interessava mais e fazendo dele o território no qual caçar, tentar encontrar as suas incríveis e belíssimas melodias. A sua criatividade ardente fez dele um autor excepcional, capaz de conjugar palavras e música numa alquimia cujas regras são conhecidas apenas pelos muito bons. A sua voz, mesmo não sendo muito educada – algo como outro grande Lucio, o Battisti –, e a sua gestualidade levemente animalesca lhe renderam não poucas críticas e caricaturas fáceis. A sua voz tinha, porém, características extraordinárias, difíceis de serem encontradas juntas: um timbre reconhecível como uma marca registrada; grande potência; extensão amplíssima; expressividade e agilidade fora do comum.
Tive a sorte de entrevistá-lo, para a Tracce [edição italiana de Passos], com Massimo Bernardini, há muitos anos atrás. A recordação se apaga um pouco, mas a impressão que permanece é a de um homem que amava a beleza, e que criou tanta beleza.
Espírito livre e de criatividade forte, explorou a forma canção em todos os seus aspectos, algumas vezes vendo-se preso na alternância estrofe-refrão e experimentando novos caminhos. A sua canção que mais me tocou foi e ainda é Henna, do álbum homônimo (que precisa ser redescoberto), que começou a escrever numa praia do sul da Itália, depois da passagem em voo rasante de dois aviões militares que se dirigiam para o leste, nos tempos da guerra na Bósnia. “Agora, chega de sangue – não vê: não estamos mais nem mesmo de pé, um pouco de piedade”. E partindo de cenários de guerra e futuros incertos, a canção se desenrola numa melodia continuamente variada, ampliada, coagulada e depois ampliada outra vez, até chegar um breve aceno de refrão, que se reapresenta e encerra a canção: “Veja, eu acredito que o amor – é o amor que nos salvará”.
Agora, o fico imaginando sentado numa espreguiçadeira, fora de casa, na beira do mar, com a sua Maria. E não consigo tirar da cabeça aquele extraordinário refrão final: “Estou indo até você, Maria – estou indo até você, Maria...”.
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