Bersanelli: Fé e autêntica ciência tendem ambas para a verdade, isto é, ambas tendem para algo real, ainda que por vias diversas e com diferentes métodos. Como cientista é interessante notar, por outro lado, que justamente da ciência nascem questões novas; em certo sentido, colocam-se perguntas que vêm da experiência do real segundo esse método particular que a ciência utiliza.
Por exemplo, que hoje a ciência experimental, através do estudo do infinitamente grande ou do infinitamente pequeno, é capaz de conhecer coisas novas não é algo simplesmente óbvio. A realidade continuamente nos mostra o seu lado “sem-ponto-de-chegada, porque todo ponto de chegada sempre coincide com uma nova interrogação. Mas qual relação existe entre a ordem do cosmo tal como nós podemos observá-la e o fato de que esse universo existe e nos foi dado, que foi tirado do nada?
Heller: Gostaria de evocar uma famosa afirmação de Einstein: “Só há uma coisa que eu gostaria de saber, gostaria de conhecer a mente de Deus, isto é, a ideia que Deus tinha em mente quando decidiu criar o universo”. Em 1915, Einstein havia elaborado a sua teoria sobre a relatividade, uma das teorias mais importantes da física, com a ajuda da qual procuramos resolver o mistério do universo.
Para explicar a ideia principal que está na base da relatividade geral de Einstein, pensemos no espaço e no tempo. Eles são elementos cruciais nas teorias matemáticas, porque fornecem uma espécie de palco sobre o qual desenvolvem-se os processos físicos. Os estudiosos consideram que o espaço e o tempo deveriam ser reunidos num conceito único, isto é, considerados como espaço-tempo. O espaço-tempo vazio é completamente plano. Se aparece um planeta, ele então se curva. Segundo a equação de campo de Einstein, o campo gravitacional nada mais é que uma curvatura do espaço-tempo, que a equação mesma nos diz como calcular.
Isso não é poesia, é ciência empírica, com um impacto sobre a vida quotidiana. Pensemos no navegador GPS, utilizado praticamente todos os dias nos carros. Satélites orbitam em torno da Terra e enviam sinais que o nosso GPS registra para depois nos mostrar a nossa posição num determinado lugar. No início, esse sistema não era muito preciso: ao determinar a posição de um carro verificava-se um erro de um par de milhas. Um físico particularmente inteligente percebeu que se estava esquecendo de considerar um elemento importante no cálculo, ou seja, a curvatura do espaço-tempo, que cria campos gravitacionais. Refeitos todos os cálculos com a inclusão também desse pequeno fator, o GPS passou a funcionar perfeitamente. Assim, cada vez que utilizamos o GPS no carro confirmamos a correção da teoria da curvatura do espaço-tempo. Dois anos depois Einstein publicou as Considerações cosmológicas sobre a teoria da relatividade geral, uma cosmologia baseada na teoria da relatividade geral, na qual aplicou a equação para descrever a curvatura produzida por toda matéria presente no universo, realizando assim o primeiro modelo cosmológico.
Todavia, encontrou algumas dificuldades, porque emergia daí um universo não estável, que tendia a entrar em colapso; no entanto, o que há de mais estável do que o universo, o lugar onde vivemos? Assim, Einstein reviu a equação e acrescentou um novo termo, a chamada “constante cosmológica”. Assim corrigida, a equação gerava um modelo estável do universo, o primeiro modelo relativista jamais criado: o assim chamado “universo estático” de Einstein. As equações de Einstein parecem breves porque, em geral, nós as reproduzimos em sua formulação contraída, mas na realidade, em sua forma desenvolvida, contêm milhares de temas. Eis por que Einstein dizia: “Quando Deus criou o universo foi particularmente sofisticado, porque decidiu escolher essa série de equações tão complexas, porém não foi malicioso porque nos permitiu simplificá-las e chegar a uma resposta que, embora aproximativa, é absolutamente aceitável”. A história da cosmologia relativista é, de fato, interessante. Além de Einstein, é preciso lembrar também o padre Georges Lemaitre, um sacerdote belga hoje considerado o cofundador da cosmologia moderna. E Alexander Friedmann, um matemático russo que trabalhava em Leningrado por volta de 1920 e que, resolvendo as equações de Einstein, fez emergir que produziam não só o universo estático, mas muitíssimas outras soluções; o problema era quais dessas soluções estavam efetivamente presentes no nosso universo.
O universo padrão com o qual estamos acostumados, o universo que consideramos “nosso”, é chamado de “modelo do universo de Friedmann e Lemaitre”, porque ambos contribuíram para o seu desenvolvimento. Passando ao aspecto mais prático da cosmologia, socorre-nos um astrônomo americano famosíssimo, Charles G. Abbott, que em 1929 descobriu de maneira empírica o efeito da expansão do universo. A famosa “lei de Abbott” representa uma das pedras angulares do nosso conhecimento empírico no campo cosmológico. Tanto é verdade que o telescópio que hoje está em órbita chama-se telescópio de Abbott, em sua homenagem: dele provêm muitas das belíssimas imagens do universo que vemos. Hoje a lei da expansão do universo já foi demonstrada pelos novos dados astronômicos. Em 1931, Lemaitre teve a ideia do que mais tarde foi definido como o “big bang” e ao qual ele se referia como o átomo primordial. Quem cunhou o termo “big bang” foi o astrônomo britânico Fred Hoyle, que não compartilhava a ideia sobre o átomo original de Lemaitre, por ele ironicamente definido como o jesuíta do “big bang” (“big bang” significa duas coisas: tanto o início do universo quanto, em inglês, bola cheia). O modelo de Lemaitre começa justamente com o “big bang”. O universo se expande, o processo inicialmente vai devagar e depois se acelera. Na fase devagar, quando se reforça o campo gravitacional, algumas partes de matéria podem se juntar e formar galáxias. Nesse modelo, a constante cosmológica introduzida por Einstein é positiva, ou superior a zero.
Bersanelli: Algumas vezes há a tentativa de ler a Bíblia ou os textos sagrados como uma espécie de descrição naturalista de como o universo foi feito e como evoluiu. Outras posições, talvez mais difundidas, referem uma imagem da ciência que se opõe a qualquer tipo de fé, e à fé cristã em especial, relegando-a para o irracional e deixando que somente a via do conhecimento empírico seja digna de poder ser chamada de conhecimento, racional ou razoável.
Outra posição ainda hoje na moda, sob certos aspectos, é ver “buracos” ou “fendas”, situações e fenômenos que a ciência não é capaz de explicar com os seus métodos, como evidência da necessidade de se recorrer a Deus. Me parece que a acepção que está estabelecendo uma relação entre a criação e o Criador é um pouco diferente.
Heller: Os pensadores cristãos do séc. XX, sobretudo nos anos sessenta e setenta, desenvolveram uma ideologia (de propósito chamo-a assim) segundo a qual método científico e método filosófico-teológico encontram-se um dois níveis epistemologicamente diferentes, que jamais poderão interagir e se encontrar. Ainda que a ciência e a teologia utilizem a mesma terminologia (por exemplo, “início” ou “criação”), esses termos têm um significado completamente diferente nas duas disciplinas; o conflito entre as duas é, portanto, só aparente, devido simplesmente a incompreensões. Não compartilho essa ideologia dos dois planos que não se cruzam, porque se olharmos para a história das relações entre ciência e religião veremos, ao invés, muitíssimas interações, também conflitivas, que não podemos cancelar simplesmente definindo-as apenas como “incompreensões”. Se os métodos se encontram em planos epistemológicos diferentes (e, em certo sentido, isso é verdade), eles, de qualquer modo, estão imersos num espaço mais amplo representado pela nossa cultura, através da qual interagem entre si. Acho que se deve distinguir entre métodos científicos e métodos teológico-filosóficos: são diferentes e utilizam conceitos e linguagens diferentes; em geral as contradições são criadas justamente quando esses dois níveis se misturam. Porém não é verdade que não interagem.
Bersanelli: Pode-se dizer, seguindo esse seu pensamento, que através do conhecimento científico (enquanto nos faz ver a realidade física sob pontos de vista mais profundos) é como se nós apreciássemos ainda mais o universo como sinal do Criador.
Heller: Isso me remete à pergunta anterior, sobre “Deus” que entra nas fissuras e nas lacunas do nosso conhecimento: é uma ideologia muito perigosa. Por exemplo, alguém considera o “big bang” como o momento em que Deus criou o universo, e o faz até estrategicamente, porque na realidade não sabemos o que houve dentro desse singular fenômeno (que, de qualquer forma, é uma hipótese). Há duas ou três lacunas que a ciência não conseguirá preencher. As primeiras duas são a existência do universo (uma lacuna ontológica e não científica, obviamente) ou a compreensibilidade do universo; depois há uma terceira, que deveria ser definida como lacuna axiológica, porque se refere à doutrina dos valores (por que existem os valores? Por que há diferença entre o mal e o bem?). São três lacunas – ontológica, epistemológica e axiológica – que talvez a ciência nunca conseguirá preencher, e portanto ficam abertas à transcendência.
(Tirado de L´Osservatore Romano de 21 de março de 2013)
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