Desperto às 3 horas da madrugada em Belém, no Brasil, aonde cheguei muito tarde à noite anterior, vinda de São Paulo, para tomar um avião da companhia Surinam Airlines com destino a Caiena, capital da Guiana Francesa. Objetivo: encontrar os amigos que vivem em Korou; Giovanni trabalha no CSG (Centro Espacial da Guiana), ligado à ESA (Agência Espacial Europeia). Ele é engenheiro espacial formado em Pisa e trabalha no desenvolvimento dos motores e foguetes que servem para lançar ao espaço satélites artificiais (em média, um lançamento por mês), sobretudo de uso comercial, seja no âmbito do projeto Ariane ou no do projeto Vega, todo italiano.
A Guiana Francesa é mais bem cuidada do que a Guiana Holandesa (Suriname) e do que a Inglesa, pois ainda faz parte do território francês, e a França tem grande interesse em preservar essa colônia, sede da prestigiosa base espacial. A vegetação equatorial vigorosa e exuberante e os rios de água abundante (Guiana significa terra das águas), que desembocam no Atlântico, fazem o resto, transformando-se num local aonde quem chega se sente logo acolhido.
O cansaço da noite anterior, que passei viajando, faz-se presente, mas desaparece rapidamente diante de um lugar entre os mais fascinantes, que estimula o interesse e o desejo de conhecê-lo. Daqui é lançada a maioria dos satélites que vão para o espaço, seja com o objetivo de pesquisa, seja para uso comercial. Os foguetes são europeus (Arianne 5e Vega) e russos (Soyuz).
O CSG é reconhecido como o melhor lugar do mundo como base espacial, pois oferece as condições ideais para o lançamento de todos os tipos de satélites para qualquer órbita. Está localizado a 5 graus Norte de latitude, e a sua proximidade com o equador faz com que a velocidade de rotação da Terra imprima ao foguete uma velocidade adicional de 460 m/s. Isso significa que podem ser mandados para o espaço satélites maiores e mais pesados, com um custo inferior ao de outros lugares do planeta. Além disso, manobrar os satélites para a órbita desejada é, em geral, mais simples quando o lançamento é efetuado próximo ao equador e numa zona sem riscos de furacões e terremotos.
O centro foi inaugurado em 1964, pela França, e depois do primeiro lançamento de um foguete Diamant do CNES (Agência Espacial Francesa), em 1970, a Europa decidiu utilizar essa base para os seus lançamentos.
Em 1975, aproveitando as instalações europeias já existentes no Centro Espacial Guianense, a ESA construiu ali o complexo de lançamento ELA-1 (Ensemble de Lancement Arianne) para o seu foguete Ariane 1. A partir desse momento, foram construídos vários complexos de lançamento; atualmente, o projeto Ariane está na sua quinta edição, e já foi aprovado o projeto Ariane 6. Alguns dias após a minha viagem, li essa notícia nos jornais italianos.
A infraestrutura à disposição do Centro é ampla: edifícios para a preparação dos satélites e dos foguetes; centros de monitoramento dos lançamentos, com instrumentos de altíssima tecnologia; rampas de lançamento e fábricas de propelente sólido.
Em abril de 2011, terminou-se a construção do complexo de lançamento das naves russas Soyuz, como alternativa à base de lançamento russa do Cazaquistão, com a vantagem de melhorar a capacidade de transporte de carga dos próprios foguetes, graças à proximidade com o equador e abrindo amplos espaços de colaboração entre os países europeus e a Rússia, nesse setor. Tudo isso significa que o “porto espacial da Europa” cobre atualmente uma superfície de 96 mil hectares, com um contingente de 1.300 pessoas, provenientes de vários países europeus.
Uma das descobertas que fiz é que o peso que se pretende mandar para o espaço é a medida fundamental para as decisões relativas ao foguete a ser usado: o Ariane transporta pouco mais de 10 mil quilos, numa órbita geoestacionária; com o Soyuz, 5 mil quilos para uma órbita terrestre inferior (entre 160 e 2 mil quilômetros da Terra) e até 3 mil quilos em órbita geostacionária; e, enfim, com o projeto italiano Vega, até 1.500 quilos em órbita terrestre inferior.
O ponto para o qual se quer enviar o satélite não é um fator determinante quanto ao custo do projeto, porque uma vez que a espaçonave sai da atmosfera e entra em órbita (inferior ou geoestacionária), não há grande diferença entre um projeto e outro; fiquei impressionada com esse fato porque, para nós, é muito diferente pensar numa viagem de avião para Roma, para São Paulo ou para Sydney (Austrália), porque isso tem um evidente impacto sobre o custo da passagem.
A principal característica do projeto Ariane é que, com o passar dos anos e com o crescimento do número de lançamentos, ele se tornou o líder mundial em relação ao envio em órbita de satélites do setor de telecomunicações, seja pela precisão e confiabilidade da órbita, seja pela pontualidade na realização da missão. Ariane serve, sobretudo, para os lançamentos rumo à Estação Espacial Internacional e para o projeto Galileu, atingindo uma média de sete missões ao ano (em dez anos foram realizados com sucesso 57 lançamentos – dados de janeiro de 2014) e estabelecendo-se como benchmark (= referência) global, tanto para as agências governamentais como para os clientes comerciais.
Com o lançamento do primeiro foguete Vega, dia 12 de fevereiro de 2012 (conhecido entre os especialistas como “supositório”, pelo seu formato, sua reduzida dimensão e o único no mundo nessa categoria), o CSG completou a sua família de lançadores. Vega é geralmente usado para satélites de pequenas dimensões com objetivo científico, de observação da Terra e microssatélites de observação de constelações. Tem sua própria base de lançamento e pode aproveitar a experiência anteriormente alcançada com os projetos Ariane e Soyuz.
Fiquei impressionada com a grandiosidade das instalações, junto com a aparente simplicidade, por trás da qual houve anos de estudo, testes contínuos, experimentações e culturas diversas (por exemplo, os russos desenvolveram a técnica de montagem do míssil na horizontal, porque, por razões estratégicas, não queriam dar a conhecer as suas atividades, ao passo que os europeus montam na vertical).
Cada aspecto que o guia, rigorosamente francês, nos apresentava, durante os deslocamentos em ônibus de um complexo de lançamento a outro e na visita às salas de montagem do lançamento, provocava em mim novas perguntas, novos interesses: era aquela sensação de voltar a ser criança, cheia de por quês, que sempre vivo em situações desse tipo e onde qualquer explicação acende e aprofunda, em mim, outras perguntas.
Não podia deixar de vir à minha mente o matemático Severi, grande amigo de Albert Einstein, ao contar que quanto mais se aprofundava na pesquisa científica, tanto mais ficava evidente que tudo o que descobria era função de um absoluto “que se opunha como barreira elástica à sua superação com os meios cognoscitivos”, o horizonte que se apresentava remetia a um outro horizonte. Nessas situações, descobrimos melhor quem nós, homens, somos, que carregamos em nós um irresistível desejo de conhecer e de nos deixar provocar para nos abrirmos a um mundo infinito que nos atrai irresistivelmente para cima, como acontece com os satélites.
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